Descrição de chapéu câncer

Filha de gregos, com 'doença do Mediterrâneo', cria tempero em apoio a pacientes

Referência internacional contra cânceres de sangue, Merula Steagall lança mix de especiarias com lucro destinado à causa

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São Paulo

Mãe de três crianças, grega e morando no Brasil nos anos 1970, Vassiliki Anargyrou aconselhava a filha mais velha a dormir a maior parte do dia. Os médicos tinham dito que a menina não passaria dos cinco anos na luta contra a ‘doença do Mediterrâneo’.

"Ela queria me poupar da anemia", lembra Merula Steagall, 55, diagnosticada com talassemia maior. Os braços revelam as picadinhas que salvaram sua vida, nas últimas cinco décadas, da forma grave de anemia genética.

três pessoas de meia-idade abraçadas
Merula Steagall na companhia dos pais Emmanoel e Villy Anargyrou, que vieram da Grécia nos anos 1960, e foram centrais para tratamento da filha com talassemia - Instagram Merula Steagall/Divulgação

Para driblar os cuidados da mãe e negociar com o tempo que lhe restava, fazia cursos de culinária e praticava as receitas em casa.

As lembranças da juventude são saboreadas por Merula, que não virou cozinheira, enquanto a panela faz xique-xique no fogo. É quase hora do almoço.

Ainda que tenha montado uma importadora de itens de cozinha, o chamado da saúde foi maior. Merula é referência no país e no mundo no apoio a pacientes com cânceres e doenças do sangue, como os linfomas, leucemias e a talassemia.

À frente da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e da Abrasta (Associação Brasileira de Talassemia), ajudou a estruturar a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer. Fez com que planos passassem a arcar com despesas dos transplantes de medula óssea, entre muitas outras vitórias ao longo da carreira.

No último ano, durante a pandemia, sua saúde se fragilizou. A massa pulmonar originada pela talassemia a deixou fraca e ofegante. Passou a ir duas vezes por semana ao hospital para receber transfusões sanguíneas.

Acostumada a um ritmo intenso de trabalho, a administradora pisou no freio. Tomou a difícil decisão de iniciar a transição da governança na Abrale com a contratação de uma CEO para administrar o dia a dia.

O terraço do seu apartamento ora era escritório, ora mesa de jantar, onde divide a longa vista para o pôr do sol paulistano com familiares e amigos. "A vida é um espetáculo", diz sempre.

varanda com mesa onde uma mulher trabalha em frente a um por do sol no horizonte
Vista panorâmica para o pôr do sol que Merula Steagall tem de sua varanda --ora escritório, ora sala de jantar - Instagram Merula Steagall/Divulgação

Na cozinha, ali do lado, suas assistentes ajudam no preparo das refeições. Merula vai enumerando as receitas com riqueza de detalhes que, dado o avançado da hora, dão água na boca.

"Gosto de fazer delícias gregas, do mediterrâneo. Frutos do mar, berinjela, peixes. Polvo é minha especialidade."

Certa de que a alimentação ajuda a regular a saúde e o humor, ela foi atrás de propriedades medicinais. "Comecei a estudar condimentos que podiam aumentar a imunidade e anti-inflamatórios", diz.

Contou com uma mãozinha do marido, Denisarth Steagall. "Ele ia à barraca dos temperos na feira e fazia uma ligação de vídeo comigo pelo WhatsApp", conta ela.

As especiarias escolhidas a olho começaram a encher sua bancada. "Fui experimentando nas minhas delícias, mas era trabalhoso abrir vários frascos. Resolvi juntar todos os temperinhos, fazer um mix. No lugar de abrir 30, abria só um pote."

O segredo culinário de Merula Steagall é uma mistura de 17 sabores. Cúrcuma, chimichurri, cenoura desidratada, páprica doce e pimenta da Jamaica em pó são alguns deles.

A mãe Villy foi das primeiras a experimentar. Gostou. O filho mais velho, Daniel, levou uma porção para os Estados Unidos. A filha Dina, vegana, aprovou o tempero em seu falafel.

Profissionais de saúde também ganharam potes do novo 'Merula Mix'. "Começamos a trocar receitas e fotos de pratos", conta Rodrigo Gobbo, 47, radiologista intervencionista do Centro de Medicina Intervencionista do Hospital Albert Einstein.

"Adoro comida mediterrânea e ela deu dicas de como preparar polvo. Meus pratos ficaram mais saborosos com o tempero dela", completa.

Com talento para negociar e urgência em manter a sustentabilidade da Abrale e da Abrasta, Merula transformou o passatempo em recurso. Pediu uma reunião em casa com a vizinha Paula Franco, diretora da Miss Croc, e uma nutricionista.

O tempero ficou em desenvolvimento durante quatro meses, levando em conta propriedades que pudessem beneficiar a saúde, além de trazer sabor e afeto para os pratos.

duas mulheres se abraçam segurando pote de temperos em um ambiente amplo
Merula Steagall e Paula Franco fecham parceria para comercializar o Merula Mix na loja Miss Croc - Arquivo pessoal

O Merula Mix agora é comercializado pela empresa, que profissionalizou a linha de produção. "O que nos deixa mais feliz com a parceria é poder unir alimentação saudável e uma causa que irá ajudar diversas pessoas", afirma Paula Franco.

Todo o lucro com o tempero, vendido de maneira virtual, é revertido para projetos da Abrale, que incluem oferecer conhecimento, apoio jurídico e psicológico a pacientes onco-hematológicos.

"Começamos com 500 unidades durante três meses", diz a administradora, que aposta nas festas de final de ano como oportunidade de venda. "Depois também vamos avaliar a comercialização para restaurantes e hospitais."

É meio-dia em São Paulo; noite na Grécia. Mesa posta para mais uma refeição na casa da administradora, empreendedora social e ativista, que segue driblando o tempo que lhe foi dado. "Meu talento é negociar, mas tenho minha parte de chef."

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