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Plataforma abraça pequenos negócios e move economia local

Alice Freitas, da Rede Asta, cocria marketplace gratuito na pandemia e une microempreendedor a consumidor na Pertinho de Casa

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São Paulo

Nada acontece por acaso, diz Alice Freitas, 42. Quando a pandemia chegou, muita gente, durante os meses sem sair de casa, passou a olhar para o seu bairro e consumir mais produtos feitos localmente, descobrindo a vizinha que faz máscaras, aquele outro que assa pães.

Quis o destino que a Rede Asta, fundada pela advogada e por Rachel Schettino, estivesse também em um momento de transformação e que conseguisse rapidamente se adaptar para pôr em funcionamento a Pertinho de Casa, plataforma de comércio local.

mulher sorri em primeiro plano, encostada em parede, atrás há uma sala com objetos e uma luz acesa no canto
Alice Freitas, 43, é uma das fundadoras da Rede Asta - Renato Stockler/Folhapress

Alice foi finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2013 e nunca foi do tipo de ficar parada. A Asta desde então vem mudando, ganhando escala, inovando e deixando para trás modelos de menor retorno financeiro e social.

"Financeiramente a gente não estava bem. Enxugamos tudo o que não tinha bom custo-benefício-impacto e fechamos as lojas de varejo", diz ela.

Uma avaliação externa mostrou que, quanto mais produtos a Asta comprava das artesãs de sua rede para revender, menos atitude empreendedora elas tinham. Decidiram então investir na escola de negócios, mirando a independência delas, método que consolidaram em 2019.

No mesmo ano, Alice engravidou da filha Luna. "Eu quis muito viver essa maternidade. Sempre tive uma energia muito masculina enquanto empreendedora, então foi importante eu me permitir fazer nascer em mim uma energia mais feminina", conta ela.

Rachel ficou à frente da Asta durante a licença-maternidade da sócia. "Somos uma super dupla de piloto e copiloto. A Alice é visionária e audaciosa, eu sou mais lógica. Nesse período, virei piloto, numa época de arrumar a casa", diz a cofundadora. "A Asta passava por uma crise, assim como o mercado em que atuávamos."

Pouco antes da pandemia, Alice voltou a trabalhar e, com a sócia, desenhava estratégias. "Aí veio a pandemia e pensei: vamos quebrar. Vamos fazer o quê? Vamos fazer máscaras", conta a empreendedora.

Naquele primeiro semestre de 2020, havia escassez das coberturas faciais. Com todos os funcionários em casa, a Asta criou uma metodologia de produção em escala: comprava o material e enviava os kits prontos para as artesãs produzirem as máscaras.

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Depoimento de uma pessoa beneficiada pelo projeto

Descentralizando a produção entre 3.000 mulheres, a rede produziu mais de 8 milhões de máscaras, gerando R$ 11 milhões em renda para para costureiras e artesãs em plena crise. "Foi um boom, a Alice voltou com força e crescemos 1.000%", lembra Rachel.

Mas Alice sabia que não dava para depender só das máscaras. Por terem consolidado o método de ensino de empreendedorismo, conseguiram levá-lo para o ambiente virtual.

Ao mesmo tempo, a pandemia escancarou a importância de movimentos de economia solidária, comércio justo e local. "Olhar para perto, ver as cidades prosperarem, isso corta muitos dos problemas da globalização", diz ela.

Olhar para perto, ver as cidades prosperarem, isso corta muitos dos problemas da globalização

Alice Freitas

Pertinho de Casa

Pensavam em como conectar nanoempreendedores locais a consumidores, e chegaram à ideia de um marketplace gratuito. Pesquisaram softwares existentes no Brasil e no exterior, mas não acharam no país um que reunisse as características de que precisavam.

Chegaram a trabalhar com uma empresa no desenvolvimento de um marketplace quando mais uma vez o destino interveio: a consultoria Accenture tinha uma plataforma do tipo pronta. A Pertinho de Casa nascera como um projeto interno da consultoria para ajudar pequenos empreendedores durante a pandemia.

A Accenture percebeu o potencial para que continuasse a funcionar após a emergência sanitária, mas desejava achar no terceiro setor um novo pai ou mãe para a plataforma, para que ela continuasse gratuita e gerando impacto social.

"Desde o primeiro papo com a Alice vimos que ela tinha aquele brilho no olhar, uma vontade de fazer dar certo", conta Leonardo Antonio, senior manager da Accenture, um dos criadores da plataforma. "Nós já tínhamos um número significativo de cadastros, mas a Alice falou: é pouco, podemos ajudar ainda mais gente, milhões."

O fato de a Asta já ter a rede de empreendedoras permitiu um diálogo para que a plataforma incorporasse as necessidades apontadas por elas.

"O primeiro marco do trabalho com a Asta foi que tornamos o site mais humanizado, mostrando que não está só comprando um produto, tem pessoas do seu bairro, com suas histórias, por trás", diz Leonardo. "Queremos estimular as pessoas a consumir e interagir localmente, isso fortalece o senso de comunidade."

Hoje são 14 mil empreendedores ativos, que oferecem produtos artesanais e naturais e serviços. Com a geolocalização, os consumidores podem comprar dentro da sua cidade ou bairro, reduzindo custos de transporte e entrega. Além de um consumo mais sustentável, gera renda que fica na região e permite a formação de redes locais, em que empresas se tornam fornecedoras umas das outras.

A nova ferramenta foi bem aceita pelos empreendedores e estimulou as conversas entre eles. "Não é algo rápido, mas traz ótimos resultados", afirma Alice.

Assim como para tantos brasileiros, a pandemia não foi um período fácil para Alice e para a Asta. As articuladoras da rede mantinham contato constante com as artesãs, que relatavam mortes por Covid-19 nas famílias, perda de renda e outras dificuldades. "A equipe teve que ser muito forte, mas gerou um estresse, foi bem difícil", conta Alice.

Com todos trabalhando em casa, com crianças sem escola, cuidando de parentes e outros problemas, o caminho foi dar mais liberdade à equipe. Métodos para lidar com o peso iam surgindo dos próprios funcionários, que organizavam sessões de meditação e compartilhamento.

A própria Alice quase viveu um "burnout familiar", como define, tocando a Asta enquanto o marido também trabalhava de casa, os dois cuidando da bebê e do filho mais velho, Pedro, 8, que era alfabetizado em plena pandemia. "Tudo isso sem dormir."

Por outro lado, estar em casa com Luna permitiu que a caçula fosse amamentada durante toda a crise sanitária.

"Quando eu voltei da licença-maternidade, eu sentia uma potência represada. Na pandemia, pensava: eu tenho que fazer alguma coisa, não posso ficar parada", diz Alice, que se via em dois lugares simultâneos: o olhar para dentro e o olhar ao redor. "Todo empreendedor social é assim, vê uma crise mundial e não pensa duas vezes, se joga."

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