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Trabalhadores invisibilizados por sistemas automatizados de recrutamento

Talentos são ignorados por seleções inflexíveis enquanto empresas relatam escassez de profissionais

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Gustavo Glasser

CEO da Carambola, é homem transgênero, que enfrentou obstáculos para se incluir no mercado de tecnologia da informação. Foi vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro em 2019.

Você já ouviu falar nos trabalhadores ocultos? Esse conceito foi minuciosamente descrito no estudo "Hidden Workers: Untapped Talent", publicado pela Harvard Business School em parceria com a Accenture, sobre o gerenciamento do futuro do trabalho.

A análise descreve que o aumento da confiança na tecnologia e as mudanças demográficas moldaram as formas de contratar das empresas.

Hoje, processos são desenhados para encontrar e selecionar candidatos "perfeitos", construindo um sistema que exclui enorme contingente de pessoas qualificadas. Incluindo cuidadores, veteranos, ex-detentos, pessoas com deficiência, entre outros cidadãos dos Estados Unidos —no país, a estimativa é de 27 milhões de "invisíveis"—, da Alemanha e do Reino Unido, países nos quais a pesquisa foi conduzida.

três pessoas sentadas em frente a um computador aprendendo
Jovens participam de projeto de aprendizagem em TI com a Carambola, negócio social que promove diversidade no mercado de trabalho - Renato Stockler

O outro lado da questão é que essas mesmas empresas estão cada vez mais desesperadas por profissionais. Entretanto, à medida que continuam a buscar por pessoas com as habilidades "certas", colocam em risco a própria competitividade e perspectivas de crescimento.

Outra reflexão do estudo é que se esses trabalhadores "escondidos" –ou não detectados pelos tradicionais processos de contratação– obtivessem chances de emprego, se mostrariam mais leais e com desempenho superior ao dos tais "perfeitos".

Essa performance, aliás, aparece em diferentes métricas, revelando que não se trata de algum desvio do método de avaliação.

A pesquisa aponta, inclusive, que os ex-invisíveis ultrapassam seus colegas em seis critérios: atitude e ética de trabalho, produtividade, qualidade do trabalho, engajamento, presença e inovação.

Vale ressaltar que esses trabalhadores ocultos ou invisíveis não estão se escondendo deliberadamente. Estão procurando ativamente oportunidades de trabalho, mas permanecem excluídos pelo sistema automatizado de recrutamento. São tornados invisíveis sobretudo pelos processos de matriz tecnológica.

Eles experimentam angústia e desânimo quando enxergam que os esforços regulares da busca por emprego falham de forma consistente por conta do processo de contratação, que está mais preocupado em analisar o que candidatos "não têm" do que ver o potencial do que eles podem desenvolver.

Essa jornada de talentos ignorados fica ainda mais surreal se pensarmos que muitas empresas estão enfrentando escassez de profissionais e relatam, frequentemente, dificuldade de encontrar, recrutar, contratar e reter pessoas talentosas.

Em contrapartida, o levantamento, feito com mais de 8.000 profissionais em busca de oportunidades e com 2.250 executivos, revela que empresas que contrataram talentos ocultos reduziram em 36% as chances de enfrentar esse apagão de profissionais.

São empresas que usaram o próprio talento de enxergar para além dos sistemas automatizados de recrutamento para transformar a própria cultura e ver potência.

Essa jornada de talentos ignorados fica mais surreal se pensarmos que empresas estão enfrentando escassez de profissionais

Gustavo Glasser

Carambola

O subtítulo desse estudo –"talento inexplorado"– carrega, em essência, um drama que ultrapassa as fronteiras dos países pesquisados por Joseph B. Fuller, Manjari Raman, Eva Sage-Gavin e Kristen Hines, autores da pesquisa.

Mais do que dados, esse levantamento lança luz e traz um alerta para que líderes estejam atentos para a importância de melhorar as práticas não apenas de contratação, mas de treinamento para suprir lacunas de habilidades e melhorar a diversidade nas empresas.

Esse é um ponto relevante porque a análise alerta que práticas de gestão historicamente têm contribuído para restringir a diversidade e perpetuar equipes com padrões de classes dominantes.

Em parceria com Renato Prado, criei em 2013 a Carambola, negócio de impacto social que desenvolve tecnologia para a inclusão de diversidade no mercado de trabalho por meio um modelo invertido de educação, que gera retorno aos participantes e aos clientes.

O objetivo era endereçar não somente a lacuna de profissionais para o mercado de tecnologia —esse setor carecia de uma solução sistêmica inovadora, de um novo olhar para enxergar a potência dos "invisíveis" brasileiros.

Na Carambola, atuamos com atração e inclusão consistente de profissionais com diversidade, oferecemos a grandes empresas uma solução sistêmica, que maximiza a curva de "onboarding" de novos profissionais, enquanto capacita as duas pontas: gestores e candidatos para atuar nesses postos de trabalho.

Para isso, desenvolvemos trilhas de projetos de programação alocadas em uma plataforma adaptativa de ensino. Profissionais são qualificados pelos seus "hard" e "soft skills", se agrupando em trios complementares para uma aceleração de quatro meses.

A empresa contratante tem, ao final do processo, uma equipe com nível técnico alinhado a demandas internas, profissionais preparados para integrar o time de funcionários da companhia e gestores comprometidos com o processo de inclusão e uma nova forma mais ampla de enxergar o profissional.

Abandonar a inflexibilidade dos sistemas de recrutamento automatizados requer uma mudança do modelo mental dos gestores das empresas.

Contratar profissionais diversos e combater a invisibilidade de uma parcela grande de cidadãos dialogam com a necessidade de uma aliança de toda a sociedade para vencer a desigualdade social por meio do combate ao desemprego e do fomento à geração de renda.

É bastante racional pensar que incluir as pessoas em situação de vulnerabilidade está associado à real distribuição de renda na base da pirâmide via empregabilidade.

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