Descrição de chapéu
Suzana Pádua

Discriminação racial e destruição da natureza têm origem similar

Quanto mais diverso e rico for o planeta, mais chances teremos de sobreviver com dignidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Suzana Pádua

Doutora em desenvolvimento sustentável pela UnB, é presidente do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas) e vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2009

Falta à maioria da humanidade a percepção de que a vida é interligada e que, quanto mais diversa, maior a chance de sobrevivência. A exploração de gente e natureza demonstra a incapacidade de valorar a vida em sua diversidade.

As decisões têm sido tomadas com visão de curto prazo, em geral almejando ganhos rápidos, sem preocupação com as consequências sociais e ambientais. E as consequências decorrentes de escolhas irresponsáveis podem ser alarmantes.

indigena pinta o rosto de um senhor indigena
Jovem pinta o rosto do cacique Manoel Kanunxi, 71, antes de uma apresentação cultural do povo manoki na aldeia Cravari na Terra Indígena Irantxe - Lalo de Almeida/ Folhapress

Exemplos sociais incluem condições análogas à escravatura –com aumento expressivo no Brasil em 2021 e 2022– ou agressões a determinados povos que provocam migrações em massa.

Na área ambiental, os efeitos são muitos e incluem mudanças climáticas com chuvas torrenciais ou estiagens prolongadas, furacões, tsunamis e pandemias como a que estamos enfrentando.

Historicamente, pessoas ou grupos se comportam como superiores a outros e agem como tal. Diferenças existem em todas as espécies, mas essas precisam ser valorizadas por enriquecerem o planeta. A homogeneização empobrece e reduz a possibilidade de uma evolução sadia.

Com o meio ambiente algo semelhante ocorre. Na Renascença (século XV), Francis Bacon e, a seguir, René Descartes, propuseram que a natureza deveria ser "escravizada" para "servir" aos anseios humanos, e que tudo funcionaria como máquina, cujas peças poderiam ser livremente exploradas.

A Revolução Industrial acentuou essa tendência, que se intensificou para responder à volúpia consumista. A inconsequência fala pelos dados recentes, que indicam que mais de 90% de tudo o que se produz vira lixo, demandando ainda mais medidas mitigadoras.

Ultimamente, debates sobre racismo, preconceitos, intolerâncias religiosas ou escolhas de gênero têm sido recorrentes. As barbaridades deflagradas trazem à tona o lado sombrio da humanidade.

Todavia, a velocidade com que informações e evidências são divulgadas poderia quebrar padrões, introduzindo comportamentos éticos e inclusivos.

O Brasil, com sua imensa riqueza cultural e natural, deveria ser exemplo de um desenvolvimento diferenciado. Mas, desde seu "descobrimento" pelos portugueses, a história tem mostrado a exploração de gente –índios e africanos transformados em escravos– e de espécies, como o pau-brasil, madeira exportada para tingir roupas da elite europeia e que deu nome ao país.

Sempre para exportação, outros ciclos se sucederam, como cana-de-açúcar, algodão e café, monoculturas plantadas em locais onde antes havia ecossistemas ricos em biodiversidade.

Milhares de espécies sacrificadas para favorecer apenas uma, prática que perdura em diversos biomas brasileiros, com destaque à Amazônia, onde florestas das mais ricas em diversidade do mundo são substituídas por soja e gado.

Outros produtos explorados no Brasil, como ouro, borracha, ferro e outros metais também trouxeram e trazem consequências nefastas.

Exemplos na mineração incluem desastres sem precedentes, como Mariana e Brumadinho (MG), com mortes e perdas irrecuperáveis. Garimpos ilegais na Amazônia crescem exponencialmente, contaminando locais de rara beleza como o rio Tapajós e seus afluentes.

Há ainda impactos invisíveis com o uso indiscriminado de agrotóxicos. Em estudo recente, a pesquisadora do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, Patricia Medici, e colegas, analisaram antas mortas por atropelamento.

Evidenciaram que 100% apresentavam alto grau de contaminação por agroquímicos utilizados nas lavouras de monoculturas do cerrado. Algo similar deve estar ocorrendo conosco, mas sem que saibamos.

Outra publicação recente, do pesquisador Kent Redford e colaboradores, "Healthy planet, healthy people" [em inglês, "Planeta saudável, pessoas saudáveis"], reforça a ideia de tudo ser interligado e como a vida "invisível" afeta a "visível".

A qualidade da saúde humana e de animais domésticos e selvagens, plantas, fungos, bactérias e micróbios em ambientes naturais e construídos é interdependente e uns influenciam a vida dos demais.

Daí a urgência de se proteger biodiversidade, clima ou água. No que chamam "One health" ["Uma saúde"], propõem que a saúde depende da integridade de todos os elementos, que estão interligados, para garantir vida de qualidade.

O conhecimento existe, mas a humanidade parece preferir manter noções simplistas como as propostas por Bacon e Descartes, empobrecendo ou destruindo riquezas para atividades com lucros imediatos. Com isso, proliferam-se pragas, pandemias e toda sorte de males que talvez nem existiriam em ambientes equilibrados.

Precisamos sair do imediatismo por meio de reflexões conscientes e responsáveis, chamando atenção para o valor da diversidade.

É preciso uma nova maneira de nos relacionarmos com o mundo, com ênfase no quanto mais diverso e rico for o planeta, mais chances teremos de sobreviver com dignidade, qualidade e capacidade de celebrar a vida em sua plenitude.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.