Renda básica, um empreendimento social?
As chamadas rendas básicas ou mínimas são políticas sociais que se popularizaram a partir dos programas governamentais de transferência de renda condicionadas que começaram a ganhar destaque no plano federal com o Bolsa Escola e culminaram no Bolsa Família.
São programas assistenciais que têm em comum a focalização, geralmente na pobreza, e a exigência de contrapartidas dos beneficiários. E embora tenham entrado na agenda política nacional tão somente após a redemocratização, não são propriamente uma novidade nos países que tem um estado de bem-estar social consolidado como na Europa e nos Estados Unidos.
Suas raízes, contudo, são muito mais antigas e profundas, podendo ser remontadas a pensadores como Morus ou Fourier, e não se assentam propriamente na assistência social, mas no direito inalienável a uma subsistência digna e livre para todo cidadão, sem discriminação ou condicionalidade. Mesmo princípio em que se baseia a declaração universal dos direitos humanos quando propõe a garantia do direito a vida e liberdade para todas as pessoas humanas.
Neste sentido de universalidade, já, logo após a revolução francesa, Tomas Paine propunha o pagamento de uma soma para todo cidadão quando atingisse a idade adulta, tributada dos proprietários de terra como uma espécie de indenização pelo que entendia como um uso privado legítimo, porém de um bem que no princípio fora de todos.
Recentemente o tema tem ganhado fôlego, no plano acadêmico e político. Mas é no plano da sociedade civil que este direito respira novos ares e ganha uma força inédita: a prática. Mais uma vez a história da inovação social se repete, e é pela iniciativa de simples cidadãos que nasce uma nova tecnologia social aplicada. E eis que uma idéia, durante séculos pensada e propugnada, finalmente sai da teoria ganhando o mundo pelo trabalho voluntário da sociedade civil.
Seguindo o batido princípio da ação local pensada no global (que sempre perde os ares de ladainha quando colocado em prática) dois projetos-pilotos pioneiros e independentes, financiados e mantidos diretamente pela sociedade civil, iniciaram um novo capítulo na história da garantia dos direitos universais. E obtiveram resultados para muitos que não acreditam que o ser humano é dotado da capacidade inata de se desenvolver quando em liberdade, incríveis. Um na Namíbia, África; e outro aqui no Brasil, na pequena comunidade de Quatinga Velho em Mogi das Cruzes.
Já há três anos estes projetos-piloto pagam mensalmente sem nenhum tipo de discriminação ou exigência de contrapartida uma renda básica incondicional a todos os membros de suas respectivas comunidades. Sim, todos. Ricos e pobres, empregados ou desempregados.
Experiências que passam ao largo do condicionamento, pois possuem uma diferença essencial: não atuam apenas sobre a pobreza material, mas também sobre a pobreza política e cultural, e não apenas a local. Contestam com ações um preconceito milenar, de que o homem não é capaz de produzir se não for forçado pelo temor político ou econômico; o porrete ou a fome. Preconceito que esquece princípio ainda maior: que a responsabilidade só nasce da liberdade, e não há desenvolvimento sem livre iniciativa e, óbvio, capital.
Inicialmente desenhadas para demonstrar os efeitos práticos deste direito, mesmo diante da falta de boa vontade do poder público, estas experiências não desistiram, seguiram a buscar outras formas mais sustentáveis que tributos ou doações. A experiência brasileira deu um salto neste sentido a sustentabilidade, conseguindo o capital para a criação de um fundo de investimento que comporá o pagamento em caráter definitivo da renda básica, que agora além de incondicional será também garantida.
Para os realizadores, o primeiro passo em direção ao Banco Social da Renda Básica Garantida, capaz de fazer da renda básica mais do que uma experiência bem sucedida, mas todo um empreendimento social autossustentado. Vale a pena acompanhar, afinal a era das utopias e, sobretudo, dos direitos de papel são coisas que estão ficando cada dia mais no século passado. Para saber mais acesse: www.rendabasicadecidadania.org, www.recivitas.org.br e www.bignam.org.
Bruna Augusto Pereira - bióloga; presidente fundadora da ReCivitas; sócia-diretora da TVONG; professora do curso "Associativismo e redes sociais" no IATS - Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege.
Marcus Vinicius Brancaglione - diretor e coordenador de projetos da ReCivitas; sócio-diretor da TVONG; professor do curso "Associativismo e redes sociais" no IATS - Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege. Contatos: bruna@recivitas.org.br e marcus@recivitas.org.br