A revolução silenciosa da renda básica
No dia 27 de outubro de 2011, a ONU defendeu em painel a garantia de uma renda básica para todos como meio para a paz, estabilidade e crescimento econômico. São as conclusões preliminares do relatório "Piso De Proteção Social Para Uma Justa E Inclusiva Globalização" apresentadas pelo próprio secretário geral da ONU, na última reunião do G20, como saída para crise atual, prevenção de novas, e ainda como solução para acabar com a miséria. A Presidente Dilma não hesitou em apoiar.
Os leitores desta coluna sabem do eles estão falando. Em artigo anterior apresentamos o conceito histórico da renda básica e suas (enfim) primeiras experiências que fazem parte daquilo que este relatório chamou de uma "revolução silenciosa". O relatório em si é um marco. Reconhece finalmente a renda básica não como assistência ou filantropia, mas como fundamento de uma futura rede de seguridade global. O que não é pouco, mas é somente a ponta do iceberg deste conceito que agora como prática se reinventa e diversifica.
Tomemos o exemplo do projeto-piloto brasileiro de Quatinga Velho, uma das referências de um estudo do Cepal-ONU sobre combate a pobreza. Estudos internacionais independentes aferiram que o projeto além dos efeitos óbvios sobre a pobreza material, apresenta também resultados positivos sobre a pobreza cultural e política dentro (e fora) da comunidade. Há crescimento mensurado do capital social; da participação comunitária; e da livre iniciativa. Gerido via democracia direta, o projeto brasileiro é um modelo de emancipação política e educação cidadã a ser replicado - eis o que chega a sugerir um dos estudos. Um verdadeiro processo pedagógico onde: a comunidade em transformação é a escola; a democracia é a matéria; e a liberdade real é o primeiro professor.
Este empoderamento, somado a superação do estímulo à acomodação (inerente aos programas de transferência de renda condicionada, como o bolsa-família) é o maior trunfo desta nova tecnologia frente a estes programas convencionais. Programas que, aliás, pode estar contribuindo para o enfraquecimento da democracia apontado pelo relatório da ONG Latinobarómetro que mostra uma queda na importância dada a democracia no Brasil nos últimos anos.
E é justamente no sentido da democratização dos serviços de interesse público, que a experiência de Renda Básica em Quatinga Velho mostra um futuro ainda mais promissor.
Num momento de protestos como o "Ocupe Wall Street' e os "Bank Runs" em que as instituições financeiras e bancárias se tornam objeto de repulsa em todo o mundo (e não sem uma justa causa), o projeto brasileiro propõe um uso social inédito destas instituições até então usadas, e abusadas, em prol de interesses particulares, egoístas e até antissociais, mas ainda subaproveitadas para a promoção do bem comum.
Há instrumentos financeiros e econômicos extremamente sofisticados e desenvolvidos que não devem ser descartados junto com seu mau uso, mas sim redirecionados da mera acumulação para a prestação de serviço público. Deixando de estar a serviço exclusivo de particulares, corporações e governos, e passando a servir toda a sociedade em mercados verdadeiramente livres.
Estamos falando aqui de novo empreendimento social desenvolvido a partir da renda básica. Tecnologia inédita capaz de erradicar a miséria sem impostos, tributos ou burocracia, diretamente, via sistemas financeiros e bancários! Sim; via sociedade civil organizada é possível não só o impossível, mas o inimaginável: reduzir a desigualdade social através do Capital.
É a emergência de um novo paradigma onde, sistemas financeiros poderosos empregados em prol de interesses particulares (privados ou estatais), são voltados ao bem público; quebrando monopólios que mantém ou protegem serviços estatais e privados perdulários e locados a interesses político-partidário-financeiros.
É a abertura de um novo mercado social em uma nova economia de valor compartilhado. Onde uma pluralidade de organizações de finalidade social e interesse público podem prover o acesso aos bens e serviços públicos de forma mais eficiente, barata e transparente, concorrendo cooperativamente para prestar o melhor serviço social. Note-se: o melhor serviço não só para os membros ou contribuintes de uma categoria ou mutualidade, mas para toda a sociedade, sem nenhuma segregação, condicionalidade ou discriminação. A garantia de diretos universais não no papel, mas de fato.
A este conjunto de tecnologias sociais, políticas públicas e práticas em economia solidária, envolvendo não só uma renda básica e moeda social, mas também uma nova modalidade de microcrédito (já em fase de testes), a ONG proponente ReCivitas denominou: projeto Banco Social da Renda Básica Garantida. E seu Fundo Sustentável já programado para pagar a renda básica de Quatinga Velho tornar-se-á Fundo de Investimento em Renda Básica, abrindo-se em chamamento público para atender novas localidades, inclusive municipalidades, já em 2012. Comunidades integradas que poderão ser o embrião da Rede de Segurança Social sem Fronteiras que o relatório promovido pela ONU sugere. Por que não?
*Bruna Augusto Pereira - bióloga; presidente fundadora da ReCivitas; sócia-diretora da TVONG; professora do curso "Associativismo e redes sociais" no Iats - Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege. bruna@recivitas.org.br
*Marcus Vinicius Brancaglione - diretor e coordenador de projetos da ReCivitas; sócio-diretor da TVONG; professor do curso "Associativismo e redes sociais" no Iats - Instituto de Administração para o Terceiro Setor Luiz Carlos Merege. marcus@recivitas.org.br