Mobilização é a chave para evitar retrocessos, dizem ativistas no Fiis

Ambientalistas e líderes sociais discutem como barrar 'pauta bomba' na era Bolsonaro

Cristiano Cipriano Pombo
Poços de Caldas (MG)

As organizações sociais terão que encontrar novas narrativas para propor pautas, promover ações em rede e evitar retrocessos no Brasil. Essa preocupação tomou conta das mesas de debates da Sala Folha e da Programação Aberta do Fiis (Festival de Inovação e Impacto Social).

Iniciado cinco dias após as eleições, o evento catalisou as discussões sobre as ações do futuro governo e do novo Congresso Nacional em torno das pautas ambiental, social e de direitos humanos.

 

No painel "Ambiente em Retrocesso", os especialistas discutiram estratégias para evitar ou atenuar mudanças em legislações, como a dos agrotóxicos, a de demarcação de terras indígenas e a de marcos regulatórios do setor.

O diagnóstico inicial é o de que há muito a ser feito. "O desmatamento continua alto, o lixo está fora de controle, o saneamento é grande problema, e as crises hídricas pipocam aos quatro cantos", disse Luis Fernando Guedes Pinto, do Imaflora, finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2012.

Ele tem a esperança de que o mercado internacional "seja a força para barrar o retrocesso" e que, pelo fato de o país ser grande exportador de commodities, cuidar do ambiente represente também "garantir a nossa economia".

Claudio Pádua, do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), aponta como saída o investimento em pesquisa ambiental, nos moldes do que foi feito com a agricultura.

"O agronegócio é forte porque colocamos dinheiro na pesquisa, pela Embrapa. Deveríamos fazer o mesmo pela natureza", disse.

Já a cientista política Juliana Fratini afirmou que o setor deveria levar a agenda ambiental a lideranças de diversos partidos para tornar o tema primordial no Congresso. "Se o agronegócio foi vendido como 'pop' para a sociedade, podemos fazer com que as demandas ambientais também sejam vistas assim."

Na discussão, que contou com mediação da colunista da Folha Mônica Bergamo, Renan Ferreirinha, do Mapa Educação, disse que qualquer ação passa por mobilizar os jovens e a sociedade. "Não podemos pensar em fazer mais nada sem mobilização. A pauta ambiental está na mesa, na educação e deve estar em todo o lugar."

Marcel Fukayama, cofundador do Sistema B e um dos coordenadores da campanha de Marina Silva à Presidência, disse que entidades e líderes não acreditam que as soluções partirão do governo e vê nisso grande oportunidade para inovação e negócios.

"Só para resolver o déficit habitacional em São Paulo, são precisos R$ 40 bilhões e 120 anos. Soluções de governo não vão resolver problemas complexos. Respostas de mercado e das organizações sociais, sim", afirmou.

Ele citou como exemplo os projetos Vivenda, de Fernanda Assad, vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro em 2015, que promove reformas em favelas, e empresas como Jussaí, que descobriu como aproveitar de forma sustentável o palmito.

O futuro do país na era Bolsonaro também teve espaço na Programação Aberta, quando empreendedores, especialistas e lideranças da sociedade civil interagiram com moradores e servidores públicos de Poços de Caldas.

As rodas de conversas no Café Concerto, na praça central da cidade, tiveram a curadoria de Sergio Andrade, da Agenda Pública.

Além do necessário diálogo entre governo, empresas, organizações e cidadãos para construir uma política pública, Andrade apontou que a narrativa de participação democrática deve ser alterada.

"A população ainda se mobiliza com abaixo-assinado. Temos que usar outros meios, como os tribunais de contas, não para exigir notas, mas para cobrar resultados da gestão pública. Precisamos pensar mais em mudar o posto de saúde do que no macro."

Rodrigo Brito, do Instituto Coca-Cola, disse que o cidadão não precisa do governo para atuar. "Por que todos se organizam só após decidida a construção de um porto? Vamos nos organizar antes."

A organização exige, segundo Bruna Santos, do Comunitas, que a população atue como se fizesse parte do governo. "Dos anos 1990 até os 2000, agimos para quebrar a janela do governo e acessar os dados. Agora, é como entrar nele."

Um dos exemplos citados foi o MobiLab montado em São Paulo e que, após as passeatas de junho de 2013, conseguiu abrir os dados dos ônibus. "Com esses números, surgiram seis aplicativos de transporte", disse Daniela Swiatek.

Outros caminhos são a Lei de Acesso à Informação, os ODSs (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) e o Minipúblico. Para Henrique Góes, da Artigo 19, é preciso melhorar a transparência da lei, em especial na segurança pública –onde faltam dados, segundo o Instituto Igarapé.

A cientista social Silvia Cervellini, da Delibera Brasil, diz que o Minipúblico funciona "como júris populares, em que se reúnem cidadãos para ajudar na tomada de decisão."

Já nas organizações que atuam no sistema prisional, o clima é de apreensão desde que Jair Bolsonaro disse que cortará regressão de pena e saídas da prisão e prometeu mandar mais gente para a cadeia.

"É triste dizer isso, mas tenho que torcer para que o presidente eleito não cumpra o que prometeu", disse Valdeci Ferreira, líder da Fbac, federação que congrega as Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados), que prega prisão humanizada, sem armas nem guardas.

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