Marisqueira que pesca desde os 7 anos sonha abrir restaurante na Bahia
Há mais de 40 anos trabalhando como marisqueira, Crispina Bispo Barbosa, 48, conhecida como Miúda, ganhou, em 2009, um novo ofício.
Além de garantir a renda semanal de R$ 100 com os frutos do mar, ela virou instrutora do Instituto Perene, que, desde 2009, instala fogões a lenha sustentáveis no Recôncavo Baiano, em parceria com a Natura.
Por ser da comunidade, ela faz a ponte entre a organização e os moradores da região para que cada vez mais lares tenham um fogão a lenha que gere menos fumaça e calor, o que é prejudicial à saúde.
"Acredito que minha voz fica assim rouca por causa da fumaça. Dava tosse, dava cansaço nas crianças", conta Miúda. Ela diz que seu trabalho de convencer seus conterrâneos não é fácil. "Dá mais trabalho que o marisco."
Em seu fogão, gosta de cozinhar de tudo e seu sonho é abrir um restaurante.
Leia seu depoimento à Folha.
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Desde os 7 anos sou marisqueira. Estou com 48 hoje, então desde sempre. Não é que gosto, é necessidade. Eu queria ter um trabalho melhor, que eu pudesse fazer sem precisar de maré. Desde os 7 trabalhando é muito cansativo, a idade vai chegando.
Meu marido é pedreiro. Ganha R$ 6 por dia, mas esses tempos não está conseguindo trabalho. Só eu estou trabalhando, com a pesca, que são uns R$ 100 por semana.
Gosto muito de morar aqui. Só acho difícil conseguir trabalho e também para se deslocar até mercado, farmácia, mas a gente acostumou. Cidade não é minha praia. Gosto do meu cantinho, da minha lenha, da minha maré, do meu fogão.
Tenho fogão desde 2009. Sempre usei fogão a lenha e sei que o fogão armado é muito diferente desse. Antes, era uma coisa estranha. Meu marido sempre foi traquina e fez uma base enorme, mais alta, botou três blocos e construiu o fogão. Era muita lenha, muita fumaça.
Acredito que minha voz fica assim rouca por causa da fumaça. Dava tosse, dava cansaço nas crianças. O problema é autoestima também porque o carvão deixa a gente sujo. Para muitas pessoas isso não é nada, mas para a gente, que é mulher, é ruim.
A CHEGADA
Numa bela tarde, chega um rapaz conhecido nosso dizendo que alguém de fora estava procurando um pedreiro daqui para fazer um fogão. Aí o fazendeiro indicou meu marido, que já tinha trabalhado com ele.
O Guilherme [Valladares, fundador do Instituto Perene] contratou meu marido e eu entrei de gaiato mesmo. Entrei porque gostei tanto do fogão que quis levar para as outras pessoas a boa ideia. A comunidade aderiu muito bem. Tem mais de mil fogões só nessa região.
Sou instrutora do Instituto Perene. Ensino como cuidar do fogão porque toda vez que constrói, a gente ensina as pessoas a cuidar. Quem constrói são os homens, mas quem cozinha são as mulheres, e é nessa que eu entro.
Quando chega alguém de fora, as pessoas gostam de se esconder, ficam com vergonha. Por isso que teve que ter alguém daqui. E vai continuar assim, tem que ter alguém do lugar para fazer essa ponte, se não um trabalho tão rico acaba.
Convencer o povo dá mais trabalho que o marisco. Tem todo o tipo de gente, mas acaba sendo prazeroso porque eu não deixo nem me tratarem mal, já chego implicando, brincando. Para convencer gente é mais difícil do que fazer um trabalho que a gente desde pequeno faz.
Com o fogão novo, mudou muito porque fumaça não tem mais, as pedras que não deixam o calor passar. A gente recebia todo o calor do fogo.
Eu adoro de cozinhar de tudo. Meu sonho é ter um restaurante.
A repórter PATRICIA PAMPLONA viajou a convite da Natura