Descrição de chapéu Família LGBTQIA+

Com fertilização in vitro, elas decidiram ter um bebê juntas sem saber quem será a mãe biológica

A FIV envolvendo as duas aumenta a chance da gravidez dar certo, mas a genética do bebê será só de quem o óvulo vingar

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Giulia Granchi
BBC News Brasil

Nayá Madeira, 34, já tinha dois filhos e era casada quando conheceu Renata Vanucci, 40, no Instagram.

Ela procurava mulheres que jogassem futebol e morassem em uma região próxima com o intuito de aumentar seu time, e pelas fotos, Renata parecia ser goleira, justamente o que a equipe precisava.

Renata demorou um pouco, mas retribuiu o "follow". "Como sou fisioterapeuta, pensei que poderia ser a mãe de algum paciente meu", lembra, sorrindo.

Nayá Madeira (à esquerda) já tinha dois filhos e era casada quando conheceu Renata Vanucci - Arquivo Pessoal

Não era o caso, mas a profissão foi o tema de muitas conversas, e acabou aproximando as duas. "Sou biomédica e ambas usávamos laser para tratamentos com diferentes fins, então trocamos experiências sobre isso", diz Nayá.

Meses depois, Renata se inscreveu para uma viagem solidária no sertão da Bahia e estendeu o convite à Nayá, que aceitou sem pensar duas vezes. "Cada vez mais a gente ia encontrando similaridade entre nós duas, temos princípios e interesses parecidos."

Não demorou muito para que elas se apaixonassem e Nayá decidisse terminar o casamento com seu marido. "Já tinha virado amizade há bastante tempo, não éramos mais um casal. No começo ele pareceu sentir alívio. Sei que não é fácil para qualquer ex-marido nessa situação, mas para nós realmente foi tranquilo. Ele não ficou tentando colocar os meninos contra nós, nada disso."

Já para Renata, que também terminou o relacionamento com sua parceira para ficar com Nayá, a mudança foi mais delicada.

"Era conturbado pensar em ficar com uma pessoa que tinha vivido como heterossexual, com a vida já engatada, com filhos. Meus parentes achavam que eu estava destruindo uma família e eu também me questionei muito sobre isso. Mas tudo foi muito leve e muito claro. Mesmo com a pandemia, as coisas aconteceram naturalmente. Não tinha como não dar certo", lembra.

A construção de uma nova família

O "susto", como descreve Nayá, foi todo de uma vez, já que o casal decidiu morar junto com poucos meses de namoro para não ficar longe durante a pandemia.

Os filhos de Nayá, João, de 14 anos, e Diogo, de 11, estranharam a situação no começo e ficaram com medo da reação dos amigos, mas não demorou muito para que eles se aproximassem da "tipo mãe", como chamam Renata hoje. "Conviver com eles e trabalhar em uma UTI neonatal me fez despertar um sentimento materno que eu nunca tinha experimentado. Passei a querer ter um bebê gerado por mim, para sentir esse amor no processo", conta Renata.

Os filhos de Nayá, João, 14, e Diogo,11, estranharam a situação no começo mas depois se acostumaram - Arquivo Pessoal

Foi assim que, após seis meses de relacionamento, elas decidiram fazer uma fertilização in vitro, um processo de gravidez que junta o óvulo e o espermatozoide em laboratório e coloca o embrião já formado no útero da mulher.

A ideia é que a gestação seja feita por Renata, mas a com a possibilidade de um óvulo de qualquer uma das duas.

"Para aumentar as chances de dar certo, nós duas passamos pelo processo de estimular os óvulos e pedimos para nossa médica para, quando dar certo, não sabermos de quem foi o óvulo que vingou", explica Nayá.

Hoje, elas compartilham o processo e outros acontecimentos da rotina na mesma rede social onde se conheceram, na página chamada "Família Descomplica".

O casal recorreu a banco de sêmen dos Estados Unidos. Lá, é permitido escolher o doador por características genéticas – não só a aparência, mas também questões de saúde – e os homens recebem dinheiro para fornecer o material, o que aumenta muito a quantidade de candidatos.

"Escolhemos uma pessoa com características das duas e ambas temos o mesmo tipo sanguíneo, de forma que nunca saberemos de quem foi o óvulo e sempre seremos mães igualmente", afirma a biomédica.

Na prática, explica Fernando Prado, médico ginecologista, o material genético da gestante não é passado para o feto. Nesse sentido, importa somente o óvulo.

"Então, como uma delas tem 34 anos e a outra tem 40, a chance com o óvulo da mais jovem é cerca de 40 a 50% por cento em cada transferência de embriões. Se o óvulo que for utilizado for da mulher de 40 anos, essa chance já cai para entre 15 a 20%. Mesmo na mais jovem é comum que precise de duas, talvez até três transferências para ter uma chance real de gravidez, em torno de 70%, somando as transferências de embriões", aponta o médico, que é membro da ASRM e diretor da clínica Neo Vita, em São Paulo.

Agora, já casadas formalmente e juntas há dois anos, Nayá e Renata já passaram por dois processos de "FIV", como é chamada a fertilização in vitro, sem sucesso. "Na segunda vez, tivemos um positivo no teste de farmácia, a Renata me fez surpresa e tudo, e depois, no exame de sangue beta HCG, deu negativo", conta Nayá.

Cristãs, elas se apoiam na fé e acreditam que a gravidez virá no momento certo. "Agora vamos refazer os exames e, se estiver tudo certo, o endométrio da Renata começa a ser preparado novamente. Ainda temos dois embriões congelados que vamos implantar de uma vez e torcer bastante. Caso não dê certo, teremos que recomeçar todo o processo."

Como funciona a fertilização in vitro?

Para estimular o ovário, a mulher recebe hormônios proteicos chamados de gonadotrofinas por injeções. Depois, um procedimento conhecido por "aspiração folicular", realizado por ultrassonografia transvaginal, capta e retira o máximo de óvulos maduros possível. No caso de Nayá e Renata, ambas passaram por essa parte do processo.

Cada um desses óvulos é colocado em uma cultura com milhares de espermatozoides saudáveis do parceiro ou doador para que ocorra a fecundação espontânea. Os embriões com a melhor formação são transferidos para o útero da paciente ou podem ser congelados.

De acordo com a SisEmbrio (Sistema Nacional de Produção de Embriões) da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), são realizados mais de 35 mil ciclos de fertilização in vitro no Brasil, e os adeptos ao procedimento cresceram 168% últimos 7 anos.

Casadas formalmente e juntas há dois anos, Nayá e Renata já passaram por dois processos de fertilização in vitro, sem sucesso - Arquivo pessoal

O preço estimado, de acordo com a médica Cybele Lascala, especialista em Reprodução Humana pelo Instituto Ideia Fértil de Saúde Reprodutiva, pode chegar a trinta mil reais.

"O sêmen custa entre R$ 5 mil a R$ 7 mil, mais a medicação que pode chegar a R$ 10 mil, e o restante vai para os exames laboratoriais e os honorários do médico", explica.

Uma forma de baratear o custo é doar óvulos para a clínica escolhida. "Vamos supor que essa mulher induza a ovulação e dê quinze óvulos. Ela guarda oito pra ela e sete ela pode doar e isso barateia o custo dela de uma FIV. Dependendo do número de óvulos que você doa, o desconto pode ser maior ou menor", diz Lascala, que atualmente acompanha o caso de Renata e Nayá.

A FIV não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) e não é coberta por grande parte dos planos de saúde. No entanto, há alguns casos de hospitais, como o Pérola Byington e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), em São Paulo, que realizam o procedimento de forma gratuita. Apesar disso, as pacientes geralmente precisam pagar a medicação e há critérios de saúde e limite de idade.

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