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Mente machismo

E se eu não for capaz?

Mesmo uma jornada de sucesso não te impede de lutar contra a síndrome da impostora

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Mirian Bottan

Jornalista que se recuperou de 16 anos de transtornos alimentares e abusos de substâncias. Compartilha informações e reflexões sobre saúde mental

Começo me fazendo essa pergunta enquanto respiro fundo como se tentasse segurar no lugar o estômago que parece querer subir pela garganta. O convite para escrever em um dos maiores jornais do país me encontrou distraída numa segunda-feira pós-almoço e me catapultou para um estado emocional que para os mais chegados aos memes internéticos poderia ser retratado pelo famoso "como eu vim parar aqui, eu só tenho seis anos!".

Na realidade tenho trinta e cinco, mas a mistura de medo e vulnerabilidade ao topar esse desafio chega mesmo a me remeter à angústia de perceber que havia seguido a pessoa errada e me perdido dos meus pais numa praia cheia ou numa loja em liquidação na antevéspera de natal. Como é que pode a ideia de oportunidade e reconhecimento causar tanto desamparo?

Para além da minha experiência particular, a verdade é que esse não é um sentimento incomum entre mulheres. Principalmente quando o assunto é trabalho, não é difícil encontrar uma amiga ou conhecida que nunca se acha boa o suficiente no que faz, mesmo que os fatos indiquem o absoluto contrário.

Síndrome do impostor
Assim que eu recebi o convite me senti perdida. Mas a verdade é que eu já tinha uma carreira de sucesso - Alta Oosthuizen - stock.adobe.com

"Em algum lugar, lá no fundo, você não acredita no que eles dizem. Você acha que é uma questão de tempo até que tropece e 'eles' descubram a verdade. Você não deveria estar aqui. Nós sabíamos que não poderia fazer isso. Nunca deveríamos ter arriscado com você". Poderia ter sido dito por mim ou por muitas mulheres que conheço, mas são palavras de Joyce Roché, ex vice-presidente de Marketing Global da Avon, apenas uma das inúmeras mulheres cuja competência e sucesso inquestionáveis não foram o suficiente para evitar uma longa batalha interna contra a síndrome da impostora.

Você já deve ter ouvido falar do termo, cujo conceito surgiu em 1978 a partir de uma pesquisa das psicólogas norte-americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes. Trabalhando na Universidade Estadual da Geórgia, elas observaram que muitas alunas que se destacavam academicamente admitiam durante o aconselhamento não se sentirem merecedoras de seu sucesso.

Esse fenômeno poderia ser explicado pela diferença da dinâmica de gênero da época, onde uma vida cercada de sexismo, estereótipos e preconceitos minava a confiança das mulheres. Apesar de a pesquisa de Clance ter avançado nas décadas seguintes, mostrando que homens também se sentiam impostores, observações atuais seguem apontando diferenças entre os gêneros quando o assunto é autoestima e autoconfiança.

Em 2019, a revista Harvard Business Review publicou o resultado de uma pesquisa que analisou milhares de avaliações sobre líderes executivos e apesar de as mulheres terem sido consideradas mais eficazes em 84% das competências medidas, quando foi pedido que avaliassem a si mesmas os resultados mudavam, com as notas nas classificações de confiança sendo mais baixas do que as dos homens, principalmente quando as participantes eram mais jovens.

De acordo com os dados da pesquisa, o nível de confiança de homens e mulheres em si mesmos só se equipara aos 40 anos de idade.

A maturidade é o peso que equilibra essa balança, mas até lá, falta de oportunidade, dificuldade de encontrar modelos de sucesso que se pareçam conosco ou compartilhem nossas experiências de vida, assim como uma trajetória em um contexto de opressão sistêmica são alguns fatores que podem levar um indivíduo a demorar uma vida para reconhecer seu próprio valor – e como você já deve ter imaginado, alguns grupos sociais são bem mais afetados que outros.

Não sei quantos pontos na tabela da confiança ainda faltam para que eu me sinta merecedora de ocupar espaços que nunca imaginei. Mas se é pra cima que esse gráfico vai e a oportunidade me foi dada – por uma mulher competente desenhando sua própria trajetória de sucesso, vale dizer – respiro fundo quantas vezes for preciso e me dou a chance de ao menos tentar.

E se você estiver lendo esse texto, quer dizer que fui capaz, independente do que venha depois. Qualquer erro será um aprendizado que só foi possível porque venci a barreira do meu próprio julgamento. Espero que essa ideia possa te ajudar a vencer o seu também.

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