Descrição de chapéu
The New York Times Sexo

Heterossexuais precisam de regras melhores para o sexo

São necessárias normas mais robustas do que 'qualquer coisa vale entre dois adultos consensuais'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Christine Emba

Articulista convidada pelo The New York Times, é colunista no The Washington Post e autora do livro "Rethinking Sex: A Provocation" (Repensando o sexo: uma provocação, em português)

The New York Times

Se você conversar com jovens sobre sexo, poderá sentir um mal-estar inquietante. Quase a metade dos adultos americanos –e a maioria das mulheres– dizem que namorar ficou mais difícil para a maioria das pessoas nos últimos dez anos. Segundo o Pew Research Center, a metade dos adultos solteiros desistiu de procurar um relacionamento ou namoro. As taxas de atividade sexual, namoro e casamento atingiram o menor nível em 30 anos, com os jovens adultos liderando o recuo.

"Acho que as gerações mais velhas não percebem o quanto o namoro é aterrorizante para a geração atual", declarou um jovem irritado no Twitter, com 18 mil curtidas. "Absolutamente caótico lá fora."

Quando entrevistei dezenas de pessoas para meu livro sobre sexo e relacionamentos, descobri que as mulheres, em particular, discutiam suas experiências sexuais em termos viscerais: encontros que terminam em atos inesperados e alarmantes –uma asfixia, digamos, ou outra violência inspirada na pornografia– que elas aceitam por surpresa ou resignação. Afinal, se o consentimento é dado (e muitas vezes é), não há motivos para protesto.

Cena do filme "Love" (2015) - Divulgação

Navegar por nossa vida amorosa sempre foi difícil. Mas hoje a perspectiva geral entre os namorados heterossexuais passou a assumir um tom menos divertido e mais depressivo –manifestando-se no que a escritora Asa Seresin chama de "heteropessimismo", uma forma de sentimento "geralmente expressa como arrependimento, constrangimento e desesperança sobre a experiência hétero".

(Os relacionamentos queer, sendo menos dependentes da dinâmica de gênero masculino-feminino, podem apresentar menos problemas –mas também não são perfeitos.)

É uma postura anestésica que os jovens usam para evitar um sentimento total de tristeza por sua falta de controle e decepção repetida, ou reconhecer plenamente o horror generalizado de uma cultura sexual que não é adequada à sua felicidade.

Esse pessimismo surge num momento em que poderíamos esperar o contrário. Afinal, pode-se dizer que estamos vivendo uma era de ouro da liberdade sexual.

A idade média das pessoas no primeiro casamento está aumentando; é mais aceitável do que nunca permanecer solteiro ou buscar uma ampla variedade de estilos de relacionamento.

A maioria do público considera aceitável o sexo antes do casamento, o controle de natalidade para mulheres está amplamente disponível e, com seguro de saúde, muitas vezes gratuito. A positividade sexual é celebrada em círculos progressistas, com o aventureirismo sexual defendido e a inibição muitas vezes desprezada. Rompemos as muralhas da repressão e o muro de silêncio que nos impedia de expressar nossa sexualidade caiu, em grande parte.

Livrar-se das velhas regras e substituí-las pela norma do consentimento deveria nos deixar felizes. Em vez disso, muitas pessoas hoje se sentem um pouco... perdidas.

"Um dos prazeres mais importantes da intimidade sexual", disse-me a professora e eticista Fannie Bialek, da Universidade de Washington, quando perguntei por que esse poderia ser o caso, é "sentir que você tem a possibilidade do inesperado –mas não muita possibilidade do inesperado".

Os limites, como qualquer terapeuta lhe diria, são necessários e importantes. Ao definir o escopo do que não é desejado ou aceitável, eles abrem espaço para tudo o que pode ser. E, em nossa pressa para nos libertar, podemos ter deixado algo importante para trás.

A doutora Bialek passou a usar a analogia de um jantar para explicar algumas deficiências da nossa atual paisagem romântica. "Eu sei quase tudo o que vai acontecer quando vou a um jantar. E o fato de coisas inesperadas acontecerem no decorrer da conversa é prazeroso, porque o inesperado pode ser prazeroso. Mas está dentro de um limite bastante justo."

Ela continuou: "Eu posso estar interessada no que alguém diz, em vez de temer que vá me atacar com uma faca de jantar. Não ter que se preocupar com todas essas coisas radicalmente inesperadas libera essa atenção e essa possibilidade de diversão".

Mas hoje em dia, disse-me a doutora Bialek, muitas pessoas "experimentam muito mais interações inesperadas em um contexto sexual do que no jantar". Por causa de nossa relutância em reconhecer um conjunto compartilhado de normas para o sexo além do mínimo de consentimento –muito menos o fato de que nem mesmo entendemos completamente esse mínimo–, nossa cultura sexual atual pode parecer dolorosamente desancorada.

É fácil ver como a regulamentação social excessivamente rígida causou danos no passado. A revolução sexual aconteceu por uma razão. No entanto, podemos reconhecer os benefícios que obtivemos –menos vergonha, mais aceitação das minorias sexuais, reconhecimento do valor da iniciativa sexual das mulheres– enquanto reconhecemos os problemas que persistem ou pioraram. Existem normas que podemos criar ou reivindicar hoje que possam, paradoxalmente, tornar nossa paisagem romântica mais livre para todos?

Aquele prazer que sentimos em jantares se baseia em um conjunto claro de padrões sociais: entendimentos amplamente compartilhados e regulamentados pela comunidade sobre como esperamos que uma reunião seja e como os participantes devem se comportar. Para encontros sexuais, estabelecer esses padrões exigirá um debate acalorado, e nossa visão sobre o que o sexo significa em nossa sociedade deve ser corrigida em conjunto.

Precisaremos fazer afirmações substanciais sobre o que consideramos uma boa cultura sexual, mas também estar dispostos a reconhecer as maneiras pelas quais certas definições podem ser excludentes e como algumas normas afetaram negativamente mulheres e outros. Precisaremos estar abertos à negociação e a ouvir as vozes que foram excluídas dessas conversas. E precisaremos ter esses debates em público.

Ainda assim, alguns novos entendimentos podem ser necessários. Talvez até o sexo casual seja significativo, um ato diferente de qualquer outro. Talvez algumas práticas inspiradas na pornografia –aquelas que erotizam degradação, objetificação, malefício– não devam ser disseminadas. Talvez tenhamos um dever para com os outros, não apenas para com nosso próprio desejo. Precisamos de normas mais robustas do que "qualquer coisa vale entre dois adultos consensuais".

É hora de elevar o padrão de como são os bons encontros sexuais e responsabilizar a nós mesmos e a nossos parceiros por isso. O bom sexo –ou seja, ético– não é simplesmente obter consentimento para podermos fazer o que quisermos. O ideal pelo qual podemos lutar é desejar o bem de nossos parceiros também –e evitar fazer sexo se não tivermos certeza de que nossos parceiros querem.

Isso pode nos levar a um sexo menos casual, pelo menos em curto prazo. Mas, considerando a clara insatisfação com o cenário atual, isso talvez não seja tão ruim.

Em uma manhã gelada de domingo em janeiro, encontrei alguns estudantes universitários num local barulhento para tomar brunch no Upper West Side, em Manhattan (Nova York). Uma mulher de 21 anos descreveu um encontro em que seu parceiro disse que não queria fazer sexo, o que espantou os amigos para quem ela contou depois.

"Ficamos surpresos que alguém com a oportunidade de potencialmente fazer sexo se abster para dar prioridade a conhecer alguém?", disse ela, soando ainda espantada. "Foi muito gentil, mas não deveria ser tão..." Sua amiga a interrompeu: "Não deveríamos ter que tratá-lo como se fosse um unicórnio".

"Quando você imagina algum prazer", escreveu o filósofo estóico Epicteto a seus alunos, "espere um pouco e faça uma pausa." Precisamos recuperar essa pausa. Para aqueles entre nós criados na esteira da revolução sexual, isso pode soar como um apelo à repressão.

Mas não precisa ser uma rejeição de nossa sexualidade ou desejo. Pelo contrário, pode ser mais libertador (e gerador de iniciativa) poder dizer não ou "não agora", especialmente em uma cultura que nos leva a dizer sim, queiramos ou não. Abraçar a pausa pode nos dar espaço para parar e pensar, decidir o que não queremos –e abrir espaço para o que queremos.

Em todas as outras situações comuns à experiência humana –comer, beber, fazer exercícios, até mesmo mandar um e-mail–, percebemos que os limites produzem resultados mais saudáveis. É improvável que sexo e relacionamentos sejam exceções à regra. Uma cultura sexual desenfreada não levou necessariamente a um sexo melhor para todos ou a relacionamentos melhores. Em muitos casos, inspirou dormência, insensibilidade, ferir os outros e ser ferido. E em vez de ser excitante a sobrecarga sexual se tornou entediante.

As regras podem tornar as coisas mais estimulantes, mais bonitas, mais abertas à possibilidade de algo melhor –mesmo que ainda não tenhamos chegado lá.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.