Peixes, folhas verdes e castanhas ajudam a prevenir demência, dizem pesquisas

Não há evidências, porém, que o consumo de suplementos alimentares possa reduzir o declínio cognitivo

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Amelia Nierenberg
The New York Times

Nozes beneficiam a função cognitiva. Mirtilos podem fortalecer a memória. Suplementos de óleo de peixe podem reduzir o risco de mal de Alzheimer.

Você talvez já tenha visto essas frases animadoras sobre "alimentos que turbinam o cérebro" espalhadas em artigos sobre saúde e feeds de redes sociais. Mas será que certos alimentos ou regimes alimentares podem de fato prevenir ou adiar a demência?

Segundo especialistas, não é fácil conduzir estudos sobre nutrição, mas um conjunto persuasivo e sempre crescente de pesquisas sugere que determinados alimentos e planos alimentares podem de fato trazer benefícios reais ao cérebro de pessoas mais velhas. Conversamos com mais de 20 cientistas e examinamos pesquisas para chegar a uma visão mais clara dos vínculos entre dieta e demência.

Noz para nutrir o cérebro
Nozes e sementes já foram inúmeras vezes vinculadas à desaceleração do declínio cognitivo - Pixabay

Quatro pilares de uma dieta "que turbina o cérebro"

Os cientistas ainda desconhecem as causas do mal de Alzheimer, a forma mais comum de demência. E não existe atualmente nenhum medicamento que possa reverter a doença, disse a dra. Uma Naidoo, diretora de psiquiatria nutricional e metabólica do Massachusetts General Hospital, nos Estados Unidos, e autora de "This Is Your Brain on Food" (Os efeitos da comida sobre o cérebro, em português).

"Mas podemos modificar nossa alimentação", ela disse.

Pesquisas revelam que pessoas que apresentam certas condições, como doença cardíaca, hipertensão, obesidade e diabetes são mais propensas do que pessoas sem essas condições a sofrer declínio cognitivo ligado à idade. E o risco de desenvolver essas condições pode ser agravado por uma dieta pobre e falta de exercício físico. Para Naidoo, isso sugere que há coisas que podemos fazer para reduzir nossas chances de desenvolver demência.

Estudos científicos demonstram que duas dietas em especial, a dieta Mediterrânea e a MIND, oferecem forte proteção contra o declínio cognitivo. Ambas encorajam o consumo de verduras, frutas, leguminosas, oleaginosas, peixes, grãos integrais e azeite.

Um estudo publicado em 2017 analisou as dietas e o desempenho cognitivo de mais de 5,9 mil adultos idosos nos EUA. Os pesquisadores descobriram que aqueles que aderiam mais à dieta mediterrânea ou à dieta MIND tinham risco 30% a 35% mais baixo de comprometimento cognitivo, comparados aos que aderiam menos.

"Praticamente qualquer coisa que ajude a conservar as artérias saudáveis vai reduzir o risco de demência", disse o dr. Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição na Escola de Saúde Pública Harvard T.H. Chan. O dr. Ronald Petersen, neurologista e diretor do Centro de Pesquisas sobre a Doença de Alzheimer da Clínica Mayo, concordou: "O que faz bem ao coração faz bem ao cérebro".

Folhas verdes

Para Naidoo, uma mudança importante que você pode efetuar na sua alimentação é "consumir mais plantas". As folhas verdes são carregadas de nutrientes e fibras, e algumas evidências sólidas as vinculam a um declínio cognitivo mais lento ligado à idade.

Por exemplo, em um estudo controlado randomizado conduzido em Israel e publicado este ano, os pesquisadores fizeram exames de imageamento cerebral de mais de 200 pessoas que tinham sido divididas em três grupos, definidos por suas dietas.

Eles descobriram que, após 18 meses, as pessoas que seguiram uma dieta mediterrânea "verde" –rica em mankai (uma planta verde carregada de nutrientes), chá verde e nozes— apresentaram o índice mais lento de atrofia cerebral ligada à idade.

Foram seguidas de perto pelas pessoas que consumiram uma dieta mediterrânea tradicional. As pessoas que seguiram diretrizes tradicionais de alimentação sadia –menos baseada em vegetais e que permite mais processados e carne vermelha que as duas outras dietas— apresentaram declínio maior do volume cerebral.

Esses efeitos neuroprotetores eram especialmente pronunciados em pessoas a partir dos 50 anos de idade

Frutos e vegetais coloridos

Quanto mais coloridos os vegetais em seu prato, mais a comida vai beneficiar seu cérebro, segundo vários especialistas.

Em um estudo observacional de 2021, pesquisadores monitoraram mais de 77 mil pessoas por cerca de 20 anos. Descobriram que as pessoas cuja dieta era rica em flavonoides –substâncias naturais encontradas em frutos e vegetais coloridos, chocolate e vinho— eram muito menos propensas a queixar-se de sinais de envelhecimento cognitivo que as pessoas que consumiam menos flavonoides.

A dieta MIND aponta especificamente para os frutinhos vermelhos, boas fontes de fibras e antioxidantes, como alimentos que promovem benefícios cognitivos. Um estudo publicado em 2012 acompanhou mais de 16 mil pessoas de 70 anos ou mais por mais de 12 anos. Concluiu que o declínio cognitivo das mulheres mais velhas que comiam mais mirtilos e morangos era adiado em possivelmente até 2,5 anos.

"Não acredito que existam alimentos milagrosos, mas é claro que comer frutas e vegetais faz muito bem", disse a Dra. Allison Reiss, membro do conselho de assessoria médica, científica e de exames de memória da Alzheimer’s Foundation of America.

Peixes

Muitos tipos de frutos do mar, em especial os peixes gordurosos, são boas fontes de ácidos graxos ômega-3, associados há anos à saúde cerebral melhor e ao risco reduzido de demência ligada à idade ou declínio cognitivo.

"O pescado é um alimento que turbina o cérebro", comentou o Dr. Mitchel Kling, diretor do programa de avaliação de memória do Instituto Nova Jersey de Envelhecimento Bem Sucedido da Escola de Medicina Osteopática da Universidade Rowman.​

Um ácido graxo ômega-3 específico –o ácido docosa-hexaenoico, ou DHA— encontrado em peixes gordurosos de águas frias como o salmão, é "a gordura cerebral mais prevalente", disse Lisa Mosconi, diretora do Programa de Prevenção de Alzheimer da Weill Cornell Medicine.

Nosso corpo não consegue produzir DHA suficiente sozinho, disse Mosconi. "Precisamos obtê-lo de nossa dieta. Esse é um argumento forte em favor do consumo de peixes."

Segundo Willett, duas ou três porções de peixe por semana são o bastante.

Nozes, castanhas, grãos integrais, leguminosas e azeite

Nozes e sementes já foram repetidamente vinculadas à desaceleração do declínio cognitivo.

Em uma revisão feita em 2021 de 22 estudos sobre consumo de nozes e castanhas, envolvendo quase 44 mil pessoas, pesquisadores constataram que as pessoas com alto risco de declínio cognitivo tendiam a ter resultados melhores quando comiam mais oleaginosas, especificamente nozes. Mas os autores reconheceram insconcistências entre os estudos, além de algumas evidências inconclusivas.

Outro estudo, este publicado em 2014, acompanhou entre 1995 e 2001 cerca de 16 mil mulheres com 70 anos ou mais. Os pesquisadores constataram que as mulheres que disseram consumir pelo menos cinco porções semanais de nozes tinham escores cognitivos melhores que aquelas que não tinham nozes como parte de sua alimentação habitual.

Grãos integrais, além de leguminosas, como lentilhas e soja, também parecem beneficiar a saúde cardíaca e a função cognitiva. Em um estudo de 2017 feito com mais de 200 pessoas de 65 anos ou mais na Itália, os pesquisadores identificaram uma ligação entre o consumo de três porções semanais de leguminosas e uma performance cognitiva melhor.

E o azeite, um dos principais componentes das dietas mediterrânea e MIND, tem vínculos fortes com o envelhecimento cognitivo saudável. Um estudo de 2022 feito com mais de 92 mil adultos americanos descobriu que o consumo maior de azeite está ligado a um risco 29% mais baixo de morte por doença neurodegenerativa, além de um risco de mortalidade total entre 8% a 34% menor em comparação com pessoas que raramente ou nunca consumiam azeite.

Suplementos alimentares podem ter pouco efeito

Segundo os especialistas que consultamos, há pouca ou nenhuma evidência de que suplementos alimentares –incluindo os suplementos de ácidos graxos, vitamina B ou vitamina E— possam reduzir o declínio cognitivo ou a demência.

"Suplementos não substituem uma dieta saudável", disse a Dra. Mosconi.

Por exemplo, um estudo importante realizado com 3.500 adultos mais velhos concluiu que tomar suplementos de ômega-3, frequentemente comercializados como produtos que beneficiam a saúde cerebral, não reduz o declínio cognitivo.

Para Willett, não é preciso devorar suplementos como os de óleo de peixe. Peterson, da Clínica Mayo, lembrou o seguinte ditado espirituoso: "Se vem de uma planta, coma. Se é feito numa planta [fábrica], evite."

Tradução de Clara Allain

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