Poucas crianças transgênero mudam de ideia cinco anos após transição, diz estudo

Apenas 2,5% dos participantes voltaram a se identificar com o gênero atribuído no nascimento

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Azeen Ghorayshi
The New York Times

Crianças pequenas que fazem a transição para um novo gênero com mudanças sociais –assumindo novos nomes, pronomes, cortes de cabelo e roupas– provavelmente continuarão se identificando com esse gênero cinco anos depois, de acordo com um relatório publicado na quarta-feira (4), o primeiro estudo desse tipo.

Os dados vêm do Trans Youth Project, uma iniciativa renomada que acompanha 317 crianças nos Estados Unidos e no Canadá que passaram pela chamada transição social entre 3 e 12 anos. Os participantes fizeram a transição, em média, aos seis anos e meio.

De acordo com o estudo, a grande maioria do grupo ainda se identificava com seu novo gênero cinco anos depois e muitos começaram a tomar medicamentos hormonais na adolescência para provocar mudanças biológicas para se adequarem à sua identidade de gênero. O estudo revelou que apenas 2,5% dos participantes voltaram a se identificar como o gênero que lhes foi atribuído no nascimento.

Lulu, uma criança transgênero que vive em Buenos Aires, na Argentina - 25.julho.2013 - Reuters

À medida que aumenta a tensão nos tribunais e nos legislativos estaduais dos EUA sobre os cuidados de saúde adequados para crianças transgênero, há poucos dados concretos sobre o desenvolvimento delas em longo prazo.

O novo estudo fornece um dos primeiros grandes conjuntos de dados sobre esse grupo. Os pesquisadores pretendem continuar acompanhando os participantes durante 20 anos após o início de sua transição social.

"Existe uma tese de que as crianças vão começar essa coisa e depois mudar de ideia", disse Kristina Olson, psicóloga da Universidade de Princeton que liderou o estudo. "E pelo menos em nossa amostra não estamos encontrando isso."

Olson e outros pesquisadores apontaram, no entanto, que o estudo pode não ser generalizado para todas as crianças transgênero. Dois terços dos participantes eram brancos, por exemplo, e os pais tendiam a ter renda mais alta e mais escolaridade do que a população em geral. Todos os pais deram apoio para facilitar a transição social completa.

Como o estudo começou há quase uma década, não está claro se ele reflete os padrões atuais, quando muito mais crianças se identificam como trans. Dois terços dos participantes do estudo eram meninas transgênero que foram designadas meninos no nascimento. ​

Nos últimos anos, porém, clínicas de gênero para jovens em todo o mundo relataram um aumento de adolescentes designadas meninas no nascimento que haviam sido identificadas recentemente como meninos trans ou não-binários.

Esse grupo também tem uma alta taxa de problemas de saúde mental, incluindo autismo e TDAH (Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade), observou Laura Edwards-Leeper, psicóloga clínica especializada no atendimento de crianças transgênero que atua no estado do Oregon . "É realmente o grupo com o qual estou mais preocupada atualmente", disse ela.

"Eu diria que este estudo não nos diz nada sobre essas crianças", acrescentou Edwards-Leeper. "Essa é a diferença."

Os pesquisadores do Trans Youth Project começaram a recrutar participantes em 2013, viajando por mais de 40 estados americanos e duas províncias canadenses para entrevistar famílias. Esses dados aprofundados são raros nesse tipo de pesquisa, que geralmente são obtidos em pesquisas on-line ou por meio de crianças encaminhadas a clínicas de gênero, que são geralmente mais velhas e de áreas geográficas mais limitadas.

O trabalho do projeto publicado anteriormente mostrou que as crianças que foram apoiadas por seus pais durante a transição social eram aproximadamente iguais às crianças cisgênero em termos de taxas de depressão, com índices ligeiramente elevados de ansiedade.

O novo estudo, publicado na revista Pediatrics, acompanhou essas crianças à medida que elas atingiam um marco de cerca de cinco anos depois da transição social inicial. O estudo descobriu que 94% do grupo ainda se identificavam como transgênero cinco anos depois. Outros 3,5% foram identificados como não binários, o que significa que não se identificavam como meninos nem como meninas. Esse rótulo não era tão amplamente usado quando os pesquisadores começaram o estudo como é hoje.

No final do período de estudo, em 2020, 60% das crianças tinham começado a tomar medicamentos ou hormônios bloqueadores da puberdade. Os pesquisadores ainda estão coletando dados sobre quantos participantes adolescentes foram submetidos a cirurgias de gênero, disse Olson.

Oito crianças, ou 2,5%, voltaram para o gênero que lhes foi atribuído no nascimento. Sete delas fizeram a transição social antes dos seis anos e voltaram antes dos nove. A oitava criança, aos 11 anos, reverteu o processo após iniciar o uso de drogas bloqueadoras da puberdade.

O novo estudo pode sugerir que crianças transgênero, quando apoiadas por seus pais, prosperam em suas identidades. Mas também é possível que algumas crianças que ainda se identificavam como transgênero até o final do estudo –ou seus pais– sentissem alguma pressão para continuar no caminho que começaram.

"Acho que, dependendo da perspectiva, as pessoas provavelmente interpretarão esses dados de maneira diferente", disse Amy Tishelman, psicóloga clínica no Boston College e principal autora do capítulo sobre padrões de cuidados com crianças da Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero.

"Algumas pessoas podem dizer que as crianças entram nessa trajetória de desenvolvimento e não conseguem sair, e que as intervenções médicas podem ser irreversíveis e elas poderão se arrepender", disse ela. "Outras pessoas dirão que as crianças conhecem seu gênero, e quando são apoiadas em seu gênero ficam felizes."

Embora a maioria dos médicos concorde que a transição social pode ser útil para algumas crianças que questionam seu gênero atribuído, também é importante dar apoio àquelas que mudam de ideia, disse Tishelman.

"É realmente importante que as crianças possam continuar sentindo que não há problema em ser fluida, continuar explorando", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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