Alimentos processados não são apenas ruins, também podem ser viciantes

Eles estão ligados a obesidade, doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e outros problemas de saúde

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Anahad O'Connor
The New York Times

Cinco anos atrás, um grupo de cientistas da nutrição estudou o que os americanos comem e chegou a uma conclusão surpreendente: mais da metade das calorias que o americano médio consome vem de alimentos ultraprocessados, que eles definiram como "formulações industriais" que incluem grandes quantidades de açúcar, sal, óleos, gorduras e outros aditivos.

Os alimentos altamente processados continuam dominando a dieta americana, apesar de estarem ligados a obesidade, doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e outros problemas de saúde. Eles são baratos, convenientes e projetados para serem saborosos. São anunciados agressivamente pela indústria alimentícia. Mas um número crescente de cientistas diz que outra razão pela qual esses alimentos são tão consumidos é que, para muitas pessoas, eles não são apenas tentadores, mas viciantes, teoria que causou polêmica entre os pesquisadores.

Ilustração mostra pessoa dormindo com imagens de sorvete, hambúrguer e outros alimentos processados na cabeça
Richard A. Chance/NYT

Recentemente, o American Journal of Clinical Nutrition explorou a ciência por trás do vício em alimentos e se os ultraprocessados estariam contribuindo para o excesso de alimentação e a obesidade. A publicação realizou um debate entre dois importantes especialistas no assunto, os doutores Ashley Gearhardt, professora associada do departamento de psicologia da Universidade de Michigan, e Johannes Hebebrand, chefe do departamento de psiquiatria infantil e adolescente, psicossomática e psicoterapia da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha.

Gearhardt, uma psicóloga clínica, ajudou a desenvolver a Escala de Adição em Alimentos de Yale, uma pesquisa usada para determinar se uma pessoa mostra sinais de comportamento viciante em relação à comida. Em um estudo com mais de 500 participantes, ela e seus colegas descobriram que certos alimentos tinham maior tendência a provocar comportamentos alimentares "viciantes", como desejos intensos, perda de controle e incapacidade de reduzir a quantidade, apesar de as pessoas sofrerem consequências prejudiciais e um forte desejo de parar de comê-los.

No topo da lista estavam pizza, chocolate, batata chips, biscoito, sorvete, batata frita e cheeseburger. Gearhardt descobriu em sua pesquisa que esses alimentos altamente processados têm muito em comum com substâncias viciantes, como cigarros e cocaína. Seus ingredientes são derivados de plantas e alimentos naturais que são despojados de componentes que retardam sua absorção, como fibras, água e proteínas. Em seguida, os ingredientes mais prazerosos são refinados e processados em produtos que são rapidamente absorvidos pela corrente sanguínea, aumentando sua capacidade de "acender" regiões do cérebro que regulam recompensa, emoção e motivação.

Sal, espessantes, sabores artificiais e outros aditivos nos alimentos altamente processados aumentam sua atração, realçando propriedades como textura e sensação na boca, assim como os cigarros contêm uma série de aditivos projetados para aumentar seu potencial viciante, disse Gearhardt. O mentol ajuda a mascarar o sabor amargo da nicotina, por exemplo, enquanto outro ingrediente usado em alguns cigarros, o cacau, dilata as vias aéreas e aumenta a absorção de nicotina.

Um denominador comum entre os alimentos ultraprocessados mais irresistíveis é que eles contêm grande quantidade de gorduras e de carboidratos refinados, uma combinação poderosa raramente vista em alimentos naturais que os humanos evoluíram para comer, como frutas, legumes, carnes, nozes, mel, feijão e sementes, disse Gearhardt. Muitos alimentos encontrados na natureza possuem rico teor de gorduras ou carboidratos, mas geralmente não de ambos.

"As pessoas não têm uma reação comportamental viciante a alimentos naturais que são bons para a saúde, como morangos", disse Gearhardt, que também é diretora do laboratório de Ciência e Tratamento de Alimentos e Dependências, em Michigan. "Esse subconjunto de alimentos altamente processados é projetado de maneira muito semelhante a como criamos outras substâncias viciantes. São os alimentos que podem produzir descontrole e comportamentos compulsivos e problemáticos que se assemelham ao que vemos com álcool e cigarros ."

Em um estudo, Gearhardt descobriu que quando as pessoas paravam de consumir alimentos altamente processados experimentavam sintomas comparáveis à abstinência observada em usuários de drogas, como irritabilidade, fadiga, tristeza e desejos. Outros pesquisadores descobriram em estudos de imagens cerebrais que as pessoas que consomem frequentemente "junk food" podem desenvolver tolerância ao longo do tempo, levando-as a exigir quantidades cada vez maiores para obter o mesmo prazer.

Em seu consultório, Gearhardt encontrou pacientes —alguns obesos e outros não— que lutam em vão para controlar a ingestão de alimentos altamente processados. Alguns tentam consumi-los com moderação, mas descobrem que perdem o controle e comem a ponto de se sentirem doentes e perturbados. Muitos pacientes dela acham que​ não conseguem abandonar esses alimentos, apesar de lutarem com diabetes descontrolado, aumento excessivo de peso e outros problemas de saúde.

Hebebrand, porém, contesta a teoria de que qualquer alimento vicia. Enquanto batatas chips e pizza podem parecer irresistíveis para alguns, ele argumenta que não causam um estado mental alterado, a marca registrada das substâncias viciantes. Fumar um cigarro, beber um copo de vinho ou tomar uma dose de heroína, por exemplo, produzem uma sensação imediata no cérebro que os alimentos não causam, explicou.

"Você pode pegar qualquer droga viciante, é sempre a mesma história: quase todo mundo terá um estado mental alterado depois de ingeri-la", disse Hebebrand. "Isso indica que a substância afetou o sistema nervoso central. Mas todos estamos ingerindo alimentos altamente processados, e ninguém experimenta esse estado mental alterado, porque não há um impacto direto de uma substância no cérebro."

Para as pessoas que lutam para limitar a ingestão de alimentos altamente processados, Gearhardt recomenda manter um diário para identificar os que exercem maior atração —​os que causam desejos intensos e que você não consegue parar de comer depois que começa. Não compre esses alimentos, e abasteça sua geladeira e despensa com alternativas mais saudáveis de que você gosta, disse ela.

"Alimentar habitualmente seu corpo com produtos nutritivos e pouco processados de que você gosta pode ser importante para ajudá-lo a navegar nesse ambiente alimentar desafiador", disse Gearhardt.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.