Controlar a gula pode ser mais fácil sem restringir alimentos saborosos

Esperar que os desejos passem é mais indicado do que tentar ignorá-los

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Tara Parker-Pope
The New York Times

O desejo por comida é uma parte normal da experiência humana; estudos mostram que mais de 90% das pessoas o têm. (Na verdade, quem são os unicórnios que nunca tiveram desejos?)

​Mas a forma como lidamos com os desejos pode variar muito. Algumas pessoas comem o que querem e não se preocupam com isso, enquanto outras se sentem dominadas pela gula e acabam comendo compulsivamente suas comidas favoritas.

Quando alguém se rende a um desejo, muitas vezes culpa a falta de autocontrole. Mas os desejos são causados por uma interação complexa de neurônios no centro de recompensa do cérebro. Hormônios do apetite, condicionamento comportamental e fácil acesso a alimentos saborosos e prazerosos reforçam o ciclo da gula.

Riscos do excesso de carboidratos
Controlar a gula é mais fácil sem banir alimentos saborosos e colocar retrições - Unsplash

A potência do desejo pode ser alimentada pelos sentidos, como o cheiro de pão fresco quando passamos por uma padaria, além de situações e emoções. Depois de um dia estressante no trabalho, por exemplo, podemos buscar conforto passando de carro por um guichê de fast-food.

Os bons momentos também podem desencadear desejos, como de pipoca ou chocolate no cinema. E estudos mostram que os chamados alimentos "hiperpalatáveis", que oferecem uma combinação tentadora de gordura, açúcar, sal e carboidratos, podem interferir nos sinais cerebrais para que continuemos a desejá-los mesmo quando estamos saciados.

Então, qual é a solução para as pessoas que lutam contra a gula?

Acontece que muitas pessoas lidam com o desejo da maneira errada, tentando restringir, evitar e se distrair de alimentos tentadores. Elas pulam a sobremesa quando todo mundo está comendo, afastam-se quando um colega leva doces para o escritório e tentam ignorar seu desejo pelo sorvete que está no freezer.

Mas estudos mostram cada vez mais que a restrição constante e as tentativas de distração podem realmente sair pela culatra para as pessoas que lutam contra os desejos e a compulsão alimentar.

Agora, cientistas estão estudando novas estratégias surpreendentes para lidar com a gula com base na ciência do cérebro. Isso inclui aceitar que o desejo por comida é normal e inevitável, usar técnicas de atenção plena para reconhecê-los, ser mais consciente de seus desejos e esperar que eles passem, em vez de tentar ignorá-los.

"Trata-se de entender que esses tipos de desejos são uma parte natural de uma pessoa; somos construídos dessa maneira", disse Evan Forman, professor de psicologia na Universidade Drexel, na Filadélfia, e diretor do Centro de Ciências do Peso, Alimentação e Estilo de Vida da universidade. "Você não precisa fazer os desejos desaparecerem, mas também não precisa comer por causa deles. É aceitá-los, em vez de afastá-los ou reprimi-los."

Dieta pode piorar a gula

Um dos primeiros estudos a mostrar uma ligação entre restrição alimentar e gula foi realizado na década de 1940 pelo pesquisador de dieta Ancel Keys. No que é frequentemente chamado de "estudo da fome", Keys pediu a 36 homens que comiam cerca de 3.500 calorias diárias, para reduzir a ingestão de alimentos para cerca de 1.600 calorias por dia. (Pelos padrões de hoje, essa contagem de calorias é apenas mais uma dieta.) A restrição desencadeou uma notável mudança psicológica nos homens, que ficaram preocupados com a comida.

"Eles pararam de fazer qualquer coisa, exceto deitar-se na cama, falar e pensar em comida", disse Traci Mann, que dirige o laboratório de saúde e alimentação na Universidade de Minnesota.

Ela observa que os homens até planejaram carreiras relacionadas à alimentação, como abrir uma mercearia ou restaurante, e ficaram preocupados com a comida muito tempo depois que o estudo terminou. "São homens da década de 1940 que provavelmente nunca cozinharam uma refeição em toda a vida", observou Mann. "E começaram a recortar receitas do jornal."

Mais recentemente, Mann e seus colegas usaram uma tentadora caixa de chocolates para estudar o efeito da restrição alimentar.

A pesquisa incluiu 142 amantes de chocolate, metade dos quais foram instruídos a comer sua dieta regular, enquanto a outra metade seguiu uma dieta restrita. Em um detalhe aparentemente cruel, todos no estudo receberam uma caixa de chocolates e foram instruídos a não comer até depois do estudo de dez dias. Para garantir que todos os participantes fossem consistentemente tentados pelo chocolate, eles tinham que abrir a caixa diariamente para encontrar instruções específicas.

Após dez dias, todos foram convidados a enviar uma foto de sua caixa de chocolate. Os que faziam dieta roubaram significativamente mais chocolates do que aqueles que não estavam contando calorias.

Aceitação x distração

Na Universidade Drexel, Forman conduziu um estudo semelhante, mas desta vez com caixas transparentes de chocolates que os participantes eram obrigados a carregar o tempo todo durante dois dias.

Os pesquisadores adicionaram um detalhe, aconselhando alguns participantes a ignorar seus desejos enquanto instruíam outro grupo a perceber e aceitar seus desejos como algo normal. Um grupo de controle não recebeu aconselhamento.

No final do estudo, cerca de 30% dos participantes do grupo de controle tinham comido o doce em comparação com 9% das pessoas do grupo instruídas a ignorar os desejos. Mas entre os participantes ensinados a reconhecer e aceitar desejos ninguém comeu o chocolate.

Em 2019, Forman publicou os resultados de acompanhamento de um estudo maior, controlado e randomizado com 190 pessoas, que descobriu que os participantes que praticavam estratégias de aceitação e atenção plena tinham duas vezes mais chances de manter a perda de peso de 10% após três anos em comparação com aqueles que se concentraram em resistir às tentações e reprimir pensamentos de comida.

"Surpreendentemente, houve um grande benefício na qualidade de vida das pessoas que foi um tanto inesperado", disse Forman. "Isso também beneficiou o bem-estar e o estado emocional delas."

Como lidar com seus desejos

Experimente estas técnicas de aceitação e atenção plena para se concentrar no desejo por comida.

Pratique o "surfe do desejo",

Os desejos são efêmeros, e algumas pesquisas sugerem que eles atingem o pico dentro de aproximadamente cinco minutos. "Surfe do desejo" significa "ir na onda" dos seus pensamentos, sentimentos e desejos, em vez de agir contra eles. É uma estratégia bem-sucedida frequentemente usada para tratar o uso de substâncias aditivas. Siga estes quatro passos.

  • Identifique seu desejo. Use a frase "Estou com vontade de comer…" e preencha o espaço em branco.
  • Observe como você se sente ao desejar a comida. Você a sente no estômago? Você está distraído? Ansioso? Sente necessidade de se movimentar ou continuar indo à cozinha?
  • Seja aberto. Não tente suprimir ou se livrar de seu desejo. Aceite a experiência.
  • Preste atenção no que acontece a seguir. Observe o desejo à medida que surge, cresce, desce e diminui. Observe a intensidade de um desejo. "Estou com vontade de comer batata frita. Começou como 5, mas agora é 7."

"Nossos desejos inevitavelmente aumentam e diminuem, assim como as ondas no oceano", disse Forman. "Tentar lutar contra essa onda nunca vai funcionar. Não funciona se você quiser que o desejo vá embora. Você está aceitando que está lá, e até que deve estar lá, e você coexiste –surfa– com ele."

Pergunte: Quão pouco é suficiente?

Não há nada de errado em comer um alimento que você deseja, a menos que se torne um problema para você. O dr. Judson Brewer, professor associado na Escola de Saúde Pública na Universidade Brown, que criou um aplicativo de atenção plena chamado Eat Right Now (Coma agora mesmo, em português), contou a história de uma paciente que habitualmente comia um saco de batatas fritas enquanto assistia a um programa de TV favorito com sua filha.

Em vez de desencorajá-la a comer as batatas fritas, Brewer aconselhou-a a prestar atenção em cada batata que comia e a observar quantas batatas eram necessárias para que ficasse satisfeita. Apenas algumas semanas depois, a mulher relatou que havia reduzido lentamente seu hábito, e agora seu desejo era satisfeito após a segunda batatinha.

Encontre uma oferta maior e melhor

Outra estratégia para lidar com um desejo é se concentrar no sabor de um alimento e como ele o faz se sentir e, em seguida, substituir um alimento problemático por um de maior qualidade que satisfaça os mesmos desejos. Brewer chama isso de "encontrar uma oferta maior e melhor".

Brewer disse que costumava ser "viciado" em balas de goma. Para vencer o desejo, ele começou a se concentrar em como era realmente seu sabor e notou que era doce de uma forma doentia. Ele procurou uma comida melhor para saciar seu desejo e escolheu mirtilos, que descobriu que lhe davam ainda mais prazer do que o doce.

"Reprimir-se não é o melhor caminho", disse Brewer. "Não queremos viver uma vida austera, sem desfrutar de comidas saborosas."

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