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Obesidade e estresse podem estar associados à puberdade precoce

Exposição a substâncias químicas também pode ser uma das causas; estudos sobre o tema não são conclusivos

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Azeen Ghorayshi
The New York Times

Marcia Herman-Giddens percebeu pela primeira vez que alguma coisa estava mudando nas meninas quando era diretora da equipe de abuso infantil do Centro Médico da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte, no final dos anos 1980. Quando examinou meninas que haviam sofrido abuso, Herman-Giddes notou que muitas delas tinham começado a desenvolver seios aos 6 ou 7 anos de idade.

"Algo não parecia certo", comentou Herman-Giddes, hoje professora na Escola Gillings de Saúde Pública Global da Universidade da Carolina do Norte. Ela especulou se meninas que desenvolviam seios precocemente seriam mais propensas a sofrer abuso sexual, mas não encontrou dados que acompanhavam o início da puberdade em meninas nos Estados Unidos. Então decidiu colher esses dados.

Some girls are starting to develop breasts as early as age 6 or 7. Researchers are studying the role of obesity, chemicals and stress. (Eleni Kalorkoti/The New York Times) Ñ FOR EDITORIAL USE ONLY WITH NYT STORY SLUGGED SCI EARLY PUBERTY BY AZEEN GHORAYSHI FOR MAY 20, 2022. ALL OTHER USE PROHIBITED Ñ
Meninas chegam a desenvolver seios entre 6 e 7 anos. Pesquisadores estudam o papel da obesidade, substâncias químicas e estresse na puberdade precoce - Eleni Kalorkoti/The New York Times

Uma década mais tarde ela publicou um estudo de mais de 17 mil meninas examinadas em consultórios de pediatras em todo o país.

Os números revelaram que, na média, meninas em meados da década de 1990 começaram a desenvolver seios –normalmente o primeiro sinal da puberdade— por volta dos 10 anos de idade, mais de um ano antes da idade previamente registrada. O fenômeno era ainda mais notável entre meninas negras, que tinham começado a desenvolver seios aos 9 anos, em média.

A comunidade médica ficou chocada com a descoberta, e muitos de seus membros colocaram em dúvida a tendência nova e inesperada flagrada por uma médica assistente desconhecida, recordou Herman-Giddens.

Mas o estudo acabou sendo um divisor de águas no entendimento médico da puberdade. Nas décadas passadas desde então, estudos feitos em dezenas de países confirmaram que a idade da puberdade nas meninas tem diminuído em três meses por década desde os anos 1970. Um padrão semelhante, mas menos acentuado, tem sido observado entre meninos.

É difícil definir o que é causa e o que é efeito, mas a puberdade precoce pode ter efeitos prejudiciais, especialmente para meninas.

As meninas que iniciam a puberdade mais cedo correm risco maior de depressão, ansiedade, abuso de substâncias e outros problemas psicológicos, se comparadas aquelas que chegam à puberdade mais tarde. Meninas que começam a menstruar mais cedo também podem correr risco aumentado de desenvolver câncer de mama ou útero na idade adulta.

Ninguém sabe qual fator de risco – ou, o que é mais provável, qual combinação de fatores — está levando à queda na idade inicial da puberdade, nem sabe explicar as diferenças nítidas de base racial e sexual. A obesidade parece desempenhar um papel, mas não pode por si só explicar a mudança.

Cientistas também estão pesquisando outras influências possíveis, entre elas o estresse e substâncias químicas encontradas em determinados plásticos. E, por razões que não estão claras, médicos em todo o mundo relataram um aumento nos casos de puberdade precoce durante a pandemia de coronavírus.

"Estamos assistindo a essas mudanças marcantes em todas as crianças e não sabemos como preveni-las", disse o dr. Anders Juul, endocrinologista pediátrico na Universidade de Copenhague e autor de dois estudos recentes sobre o fenômeno. "Não sabemos qual é a causa."

Obesidade

Por volta da época em que Herman-Giddens publicou seu estudo de referência, o grupo de pesquisas de Juul examinou o desenvolvimento de seios em um grupo de 1,1 mil meninas em Copenhague.

Diferentemente das crianças americanas, o grupo dinamarquês seguiu o padrão descrito tradicionalmente nos livros de medicina: as meninas começaram a desenvolver seios quando tinham 11 anos, em média.

"Fui entrevistado várias vezes sobre o boom da puberdade nos Estados Unidos, como o chamávamos", disse Juul. "E eu dizia: ‘Isso não está acontecendo na Dinamarca’."

Na época, Juul sugeriu que o início precoce da puberdade nos EUA provavelmente era relacionado ao aumento da incidência de obesidade infantil, algo que não havia ocorrido na Dinamarca.

Desde os anos 1970 a obesidade é vinculada ao início precoce da menstruação. Numerosos estudos realizados desde então estabeleceram que meninas que têm sobrepeso ou são obesas tendiam a começar a menstruar mais jovens do que meninas de peso médio.

"Acho que hoje em dia poucos questionam que a obesidade seja um fator importante que contribui para a puberdade precoce", disse a dra. Natalie Shaw, endocrinologista pediátrica do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental e estudiosa dos efeitos da obesidade sobre a puberdade.

Mesmo assim, ela acrescentou, muitas meninas que chegam à puberdade cedo não têm sobrepeso.

"A obesidade não explica tudo", disse Shaw. "Está acontecendo rapidamente demais."

Exposição a substâncias químicas

Juul tornou-se um dos maiores proponentes de uma teoria alternativa: que a explicação está na exposição a substâncias químicas. Disse que as meninas que tinham desenvolvido seios mais cedo em seu estudo de 2009 apresentavam os maiores níveis de ftalatos em sua urina. Os ftalatos são substâncias usadas para aumentar a durabilidade de plásticos. São encontrados em tudo, desde pisos de vinil até embalagens de alimentos.

Os ftalatos fazem parte de uma classe mais ampla de substâncias químicas conhecida como os desreguladores endócrinos, que podem afetar o comportamento de hormônios e que nas últimas décadas se generalizaram no ambiente. Mas as evidências de que estariam motivando a puberdade precoce não é clara.

Num artigo de revisão publicado no mês passado, Juul e uma equipe de pesquisadores analisaram centenas de estudos sobre desreguladores endócrinos e seus efeitos sobre a puberdade.

Os métodos empregados nos estudos variaram muito: alguns foram feitos com meninos, outros com meninas, e as crianças foram testadas para detectar muitas substâncias químicas diferentes em diferentes idades de exposição.

No final, a análise incluiu 23 estudos suficientemente similares para permitir comparações, mas não conseguiu comprovar um vínculo claro entre qualquer substância química individual e a idade da puberdade.

"A grande conclusão a tirar é que há poucas publicações e que faltam dados para explorar esta questão a fundo", disse Russ Hauser, epidemiologista ambiental na Escola Harvard T.H. Chan de Saúde Pública e co-autor da análise.

Essa escassez de dados levou muitos cientistas a encarar a teoria com ceticismo, disse Hauser, que publicou artigo recente sobre como os desreguladores endócrinos afetam a puberdade nos meninos. "Não temos dados suficientes para montar um argumento forte sobre uma classe específica de substâncias químicas."

Estresse e estilo de vida

Outros fatores também podem estar envolvidos na puberdade precoce, pelo menos entre meninas. O abuso sexual na primeira infância tem sido vinculado ao início precoce da puberdade. Mas é difícil determinar causalidade.

O estresse e trauma podem desencadear o desenvolvimento precoce, ou, como teorizou Herman-Giddes décadas atrás, meninas que se desenvolvem fisicamente mais cedo podem ser mais vulneráveis a ser abusadas.

Meninas cujas mães têm um histórico de transtornos do humor também parecem ter propensão a iniciar a puberdade mais cedo, assim como meninas que não vivem com seu pai biológico. Fatores de estilo de vida como falta de atividade física também têm sido ligados a mudanças no momento da puberdade.

E durante a pandemia, endocrinologistas pediátricos em todo o mundo observaram mais casos de puberdade precoce entre meninas.

Um estudo publicado na Itália em fevereiro mostrou que 328 meninas foram atendidas por puberdade precoce em cinco clínicas do país durante um período de sete meses em 2020, sendo que no mesmo período de 2019 haviam sido 140. (Não foi observada uma mudança entre os meninos). Segundo observações informais, a mesma coisa pode estar ocorrendo na Índia, Turquia e Estados Unidos.

"Tenho perguntado a meus colegas em todo o país e vários deles dizem que estão vendo uma tendência semelhante", disse o dr. Paul Kaplowitz, professor emérito de pediatria no Hospital Infantil Nacional em Washington.

Não está claro se a tendência foi causada por estresse aumentado, um estilo de vida mais sedentário ou pela convivência mais estreita entre pais e filhos, que teriam lhes permitido observar alterações precoces.

O mais provável é que vários fatores estejam contribuindo simultaneamente. E muitas dessas questões impactam de modo desproporcional as famílias de renda inferior, fato que, segundo pesquisadores, pode ajudar a explicar as diferenças raciais no início da puberdade nos Estados Unidos.

Tradução de Clara Allain

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