Pontualidade vira moda nos compromissos pós-isolamento social

Chegar atrasado é coisa do passado. Convidados anseiam por companhia após passarem meses trancados em casa

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Katherine Rosman
The New York Times

A festa do lançamento do novo livro de Tina Brown, "The Palace Papers", estava marcada para começar às 18h30, e a imprensa chegou pontualmente ao bistrô Michael’s, no centro de Manhattan, conhecido por atrair profissionais para almoços de negócios. Às 18h35 o lugar já estava lotado.

Eu estava do outro lado da rua West 55th, observando o que acontecia com quase incredulidade. Anos de experiência com esse tipo de função, ou como jornalista ou como convidada, me ensinaram a comparecer pelo menos 15 minutos após o horário citado no convite. Eu entrei no Michael’s às 18h40.

Tina Brown não deixou de notar que as pessoas compareceram exatamente no horário marcado. "Todo o mundo hoje em dia anseia por companhia", ela comentou. "Hoje a gente quer chegar à festa o quanto antes, antes do local ser obrigado a fechar por conta de outro surto de Covid."

Relógio digital localizado no topo de edifício na Av. Paulista, em São Paulo - Eduardo Knapp/ Folhapress

Na sede da prefeitura de Nova York a pontualidade ganhou nova importância desde maio, quando Eric Adams assumiu o cargo.

"O prefeito Adams é superpontual", comentou seu chefe de gabinete, Frank Carone. "Se você chega cinco minutos adiantado, está no horário certo. Se chegar no horário marcado, está atrasado."

Katie Honan é repórter do The City, veículo noticioso sem fins lucrativos que cobre Nova York. Ela disse que gostou da mudança vista desde a saída do prefeito anterior, Bill de Blasio, que frequentemente se atrasava para compromissos. Honan, que se descreve como alguém quem tem compulsão de chegar cedo a seus compromissos, percebeu e aprecia a pontualidade do prefeito Adams.

"Há uma diferença enorme e notável entre os prefeitos Adams e Bill de Blasio", ela disse.

Em 2022, chegar com atraso deixou de estar na moda. É uma mudança de atitude que parece ter nascido da pandemia, que agora está em seu terceiro ano.

Na primeira fase, quando as videoconferências viraram o modo de trabalho habitual para muitos funcionários de escritório em todo o país, pessoas que antes tinham dificuldade em ser pontuais deixaram de se atrasar devido ao trânsito ou às sessões de fofoca no local de trabalho.

A colaboração entre pessoas que vivem em diferentes fusos horários se aperfeiçoou, e as pessoas conseguem buscar seus filhos na escola ou dar conta de outras tarefas ligadas a eles no meio de seu dia de trabalho profissional.

"Estamos reavaliando nossa relação com o tempo, e a pontualidade virou uma preocupação primordial", comentou Linda Ong, CEO da Cultique, de Los Angeles, que presta consultoria a empresas sobre mudanças nas normas culturais. "Hoje a tolerância com os atrasos está diminuindo. Há uma expectativa de que você tenha mais controle sobre seu tempo e que chegue na hora."

Agora que cada vez mais profissionais de escritório estão voltando ao trabalho presencial, eles não querem abrir mão da possibilidade de controlar seu próprio tempo, observou Sophie C. Avila Leroy, professora de administração na University of Washington Bothell.

"Com a pandemia, as pessoas puderam controlar seus próprios horários por bastante tempo", explicou Leroy. "Com o retorno ao escritório, é preciso administrar todas essas coisas –o deslocamento entre casa e trabalho, as interações presenciais com pessoas e o fato de que não é mais possível cuidar de sua vida pessoal e familiar do mesmo modo que fazia quando estava trabalhando em casa."

Para ela, a relutância de algumas pessoas em retornar ao escritório vai exigir que os gerentes priorizem a eficiência.

"As pessoas estão perguntando implicitamente: ‘Por que estou voltando ao trabalho presencial? É bom que haja alguma razão para eu ter que gastar com combustível ou transporte público. É bom que haja alguma coisa que justifique eu me arriscar a contrair Covid, sendo que já provei que posso trabalhar eficientemente de casa.’" Para Lery, isso pode se traduzir numa ideia de "estou aqui para trabalhar, não para bater papo."

Marcia Villavicencio, oficial da Marinha estacionada em San Diego e também dona de uma empresa de fitness e coaching para a vida, concorda com ideia de que o trabalho à distância deixou as pessoas menos dispostas a tolerar as distrações e ineficiências do escritório. "As pessoas querem dar conta das coisas que precisam fazer em menos tempo, para poderem fazer o que bem entendem", ela explicou.

A nova ênfase sobre a pontualidade no dia a dia ocorre ao mesmo tempo em que cientistas estão trabalhando para contar o tempo com mais precisão. Como noticiou o New York Times este ano, físicos e metrologistas do Birô Internacional de Pesos e Medidas estão redefindo a medida da unidade de tempo conhecida como o segundo.

Chard Orzel, que é professor de física e astronomia no Union College e autor de um livro lançado recentemente, "A Brief History of Timekeeping", disse que a adesão à pontualidade vem aumentando há milênios.

Para medir o tempo, ele contou, os antigos egípcios converteram recipientes de água em relógios. As noções modernas de pontualidade surgiram milhares de anos depois disso, na era industrial.

"Com o crescimento das cidades, começaram a surgir relógios públicos mostrando as horas, e as pessoas passaram a fazer cada vez mais questão de pontualidade", disse Orzel. "No final do século 19 os relógios de bolso tinham ficado de boa qualidade e custavam pouco, cerca de US$1 por um relógio bastante bom, para permitir que a maioria das pessoas tivesse um. Elas só precisavam ir a uma estação ferroviária uma vez por semana para acertar seus relógios."

Ele entende por que a pontualidade está sendo mais valorizada no momento.

"Acho que as pessoas não estão querendo mais passar tanto tempo no escritório. Elas estão dizendo ‘não curto usar máscara. Vou vir para cá, fazer o que preciso fazer e sair daqui o quanto antes.’"

Tradução de Clara Allain

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