Duas taças de vinho por semana são o suficiente para causar alterações no cérebro

Pesquisa da Universidade Oxford mostra que consumo moderado de álcool pode causar declínio cognitivo

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Ribeirão Preto

Um estudo científico publicado nesta quinta-feira (14) mostrou que o consumo moderado de álcool – cerca de 2 taças de vinho por semana – é suficiente para causar acúmulo de ferro no cérebro. Essa condição está associada ao declínio cognitivo. Até agora, acreditava-se que apenas o consumo abusivo de bebidas alcoólicas poderia ter esse efeito.

No estudo, que foi desenvolvido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, 21 mil participantes responderam a um questionário sobre seus hábitos de bebida, fizeram ressonância magnética para medir a quantidade de ferro no cérebro e realizaram testes cognitivos (quebra-cabeças, por exemplo).

A pesquisa mostrou que o consumo de sete unidades de álcool semanalmente – o equivalente a duas taças de 250 ml de vinho – está associado ao aumento de ferro numa região cerebral chamada de gânglios da base.

Imagem mostra três taças de vinho branco uma ao lado da outra sobre um balcão de maneira. A primeira taça está 1/4 completa com vinho translucido, a segunda está sendo completada com um vinho cuja garrafa aparece na parte superior da imagem e a terceira está 1/4 completa com um vinho branco parcialmente opaco.
Estudo mostra que o consumo moderado de álcool é suficiente para causar danos cerebrais e declínio cognitivo - 01.mar.2018 - Rafael Roncato/Folhapress

​​Publicado na revista científica Plos Medicine, o estudo foi o maior que investigou a relação entre consumo moderado de álcool e o acúmulo de ferro.

De acordo com José Gallucci Neto, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), essa região cerebral é responsável por diversas atividades, mas as principais são funções motoras e cognitivas.

Esse fenômeno é observado em condições neurodegenerativas, como nas doenças de Parkinson e Alzheimer, mas também está muito ligado à dependência e ao consumo abusivo de álcool. Segundo Anya Topiwala, médica psiquiatra que conduziu o estudo, já se sabe que o beber por um longo período pode causar demência e danos cerebrais.

Entretanto, até hoje não se sabia que o consumo moderado de álcool também tem esse efeito. O que o estudo mostra é que pacientes que bebem moderadamente não somente têm maior acúmulo de ferro, como também têm maior dificuldade nos testes cognitivos. ​

Segundo Gallucci, cognição é "um conjunto de funções superiores que envolvem, principalmente, memória, atenção e rendimento". Na prática, declínio cognitivo significa uma maior dificuldade para executar tarefas simples como trabalhar e aprender coisas novas.

Para Jerusa Smid, médica neurologista e coordenadora do departamento de neurologia cognitiva e do envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia, a principal novidade nesse artigo é que ele sugere uma possível explicação para os distúrbios cognitivos associados ao álcool que ainda não são bem compreendidos.

O estudo também mostrou uma relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e o acúmulo de ferro no fígado, mas o efeito só foi observado em participantes que consumiam pelo menos 11 unidades de álcool por semana – o equivalente a quatro latas e meia de cerveja.

O fígado é o principal órgão afetado pelo consumo de álcool. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 48% das mortes provocadas pela bebida são por cirrose hepática, condição em que o órgão deixa de ser funcional devido à ocorrência constante de lesões.

Para Gallucci, é importante reforçar que os danos do álcool são sistêmicos. Embora os principais efeitos sejam observados em órgãos específicos, a substância é tóxica para todo o organismo e pode afetar, além do corpo, o juízo de valor e as emoções.

Segundo Topiwala, psiquiatra que conduziu o estudo, mais trabalhos precisam ser conduzidos para entender se o acúmulo é reversível e como ele impacta na cognição, mas, de acordo com ela, essa é mais uma evidência de que "até o consumo moderado de álcool é ruim para o cérebro".

Saúde Pública

De acordo com dados da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), o consumo de álcool é responsável por 380 mil mortes ao ano nas Américas – cerca de 5% do total de mortes por todas as causas.

Apesar da maior parte dessas mortes ocorrer devido a cirrose hepática, a bebida também causa doenças como câncer, hipertensão e tuberculose. As mortes também estão relacionadas com a ocorrência de lesões como acidentes de carro e homicídios.

Para Smid, as políticas públicas para o combate ao álcool não são boas. "O álcool é uma droga licita que deve ser combatida, como o cigarro". Segundo ela, justamente por ser lícita, as políticas deveriam ser mais rígidas.

Segundo dados da Vigitel 2021 (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico), uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras, 18,3% dos adultos entrevistados relataram consumo abusivo de bebidas alcoólicas. A frequência é maior nos homens (25%), nos jovens (25,5%) e nas pessoas com maior escolaridade (22,5%).

Durante a pandemia, o uso de substâncias de abuso aumentou, o que fez com que a OMS recomendasse que os governos regulassem a venda de bebidas. Ainda de acordo com a OPAS, 42% dos adultos brasileiros entrevistados relataram alto consumo de álcool no período de quarentena.

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