Descrição de chapéu Sexo

Orgasmo como objetivo principal pode tornar o sexo menos prazeroso

Especialistas afirmam que a experiência sexual completa deve ser satisfatória, não apenas o clímax

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Gabriella Feola
São Paulo

Gozar, ejacular, chegar ao orgasmo uma, duas ou três vezes pode ser bom, mas não é sinônimo de ter uma vida sexual cheia de qualidade e satisfação. A cobrança por performance pode transformar esse prazer em obrigação e pressão.

Neste Dia Mundial do Orgasmo (31), especialistas lembram que atingir o clímax não deve ser o objetivo final do sexo, mas sim a busca por aproveitar a experiência sexual como um todo.

Um orgasmo nada mais é do que é uma das fases do ciclo de resposta sexual que independe do gênero da pessoa, e representa ao mesmo tempo o pico, o alívio e o fim de uma tensão sexual, afirma Teresa Embiruçu, médica ginecologista do Ambulatório de Sexualidade da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e sexóloga pela Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

A influenciadora digital Jacy Lima em seu apartamento, no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/ Folhapress

"Às vezes a pessoa deflagra essa descarga da energia sexual, mas é quase um orgasmo mecânico. Você pode chegar num orgasmo físico e ter a sensação que aquela relação não foi tão legal", diz a ginecologista. "Uma relação sexual prazerosa se define não pela presença ou ausência do orgasmo, mas pela conclusão de que aquele contato foi bom como um todo."

Fatores com gênero e orientação sexual, assim como as expectativas e estigmas relacionadas a diferentes grupos sociais também podem atravessar a qualidade do prazer.

Uma pesquisa americana divulgada no Archive of Sexual Behavior aponta que enquanto 95% dos homens heterossexuais alcançam o orgasmo em todas as relações, apenas 65% das mulheres heterossexuais dizem o mesmo. Já no caso de mulheres lésbicas, essa porcentagem chega a 86%.

Jacy Lima, criadora de conteúdo sobre saúde íntima e sexualidade, destaca que "a corrida pelo orgasmo" gera pressões. "Estar numa relação sexual pensando só que tem que gozar, que tem que agradar, não ajuda. Hoje eu prezo muito pelo meu prazer durante o sexo. Se eu atingir ou não o orgasmo, tanto faz, eu tenho que sair dali satisfeita", diz.

Cultivar uma relação de qualidade com o corpo e prazer também significa superar traumas. Jacy, que foi abusada sexualmente dos 5 aos 8 anos de idade, reforça que garantias de direitos básicos e de bem-estar são pré-requisitos para o cultivo do prazer individual.

"Não adianta eu tentar empoderar uma mulher empurrando um vibrador e cobrando um orgasmo. A gente precisa entender o que é importante para aquela mulher. Às vezes ela precisa lidar com traumas, com violências sexuais sofridas, questões religiosas, problemas de autoestima ou falas depreciativas que ouviu a vida inteira."

Do outro lado estão os homens heterossexuais e cisgênero, que possuem alto índice de orgasmo por relação sexual. No entanto, uma vez que orgasmo não é métrica de qualidade, será que eles têm uma boa relação com seu prazer?

O médico urologista Osei Akuamoa Jr., especialista em saúde do homem e cirurgias minimamente invasivas, afirma que a frequência sexual do homem brasileiro é boa, mas isso não indica qualidade.

"O universo de disfunções erétil e ejaculatória entre os homens é muito grande. Temos dados de que 40% dos pacientes que iniciam as atividades sexuais enfrentam alguma dificuldade, e isso tem muito a ver com os conceitos de performance e de masculinidade", afirma.

Rodrigo Roque Rabelo, 40, projetista e coordenador do grupo que discute masculinidade Respeito Todo Dia, conta que cresceu acreditando nestas metas de performance. No passado, pensava que o bom era a quantidade, mas hoje vê que essa métrica não é a ideal.

"Depois de um tempo, com a idade, você entende que não é uma questão de alta performance. Se antes eu tentava várias, hoje é uma. Mas com certeza essa uma é de maior qualidade. Eu gosto muito mais do ato em si. Para mim o foco é o caminho, não a chegada."

Segundo a médica Teresa Embiruçu, tentar explorar e alcançar mais orgasmos pode ser saudável, mas é preciso entender de que forma isso é feito. É importante que as pessoas ampliem seus repertórios, busquem se explorar e se conhecer. O que não é ideal é fazer disso uma obrigação, uma norma que, caso não seja atendida, se converta em frustração.

Ela também chama atenção para uma segunda etapa do desafio: quando as pessoas conseguem desenvolver uma boa relação com o seu próprio prazer, mas ainda precisam comunicar aos parceiros.

"Existe a dificuldade de falar de que jeito a pessoa gosta, com medo de desagradar o outro, com medo do julgamento. E se outro me perguntar onde eu aprendi isso? Tem pessoas com pênis que gostam de ser tocadas na região anal, mas como numa relação hetero você conta isso para sua parceira? Eu vou colocar meu relacionamento em risco porque eu quero fazer um sexo diferente?"

Para Jacy Lima, o Dia do Orgasmo é uma oportunidade para pensar e cultivar o bem-estar de todas as pessoas, indo além do sexual. "Ninguém vai ter prazer se estiver com autoestima baixa, com problema financeiro, familiar, profissional. O sexo, o prazer, o orgasmo, tudo isso faz parte do nosso bem-estar, mas têm outros fatores que também precisamos cuidar."

Não existe fórmula capaz de contemplar a todos nessa jornada por uma relação mais autêntica e verdadeiramente boa com seu próprio prazer. No entanto, os entrevistados sugerem algumas práticas que ajudam a entender o que funciona em cada contexto.

Rompa com roteiros prontos

A busca por um padrão de sexo ou orgasmo pode gerar uma relação de cobrança e frustração com a experiência sexual. "A gente precisa parar de cobrar que o outro viva o corpo dele através da minha visão pessoal", diz Lima

Cultive a intimidade com o seu corpo

Embiruçu aconselha explorar o próprio corpo e as sensações para além dos genitais. "A gente foca muito em pênis, vagina e ânus, mas a gente tem que explorar os cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar e o toque."

Amplie seu repertório

A médica ginecologista sugere as seguintes perguntas exploratórias: "Que tipo de sexos existem? Oral ou sem penetração, em diferentes posições… Que acessórios eu posso usar? Com que música? Não necessariamente você vai precisar experimentar ou gostar de tudo, mas se você nem sabe que isso existe, você não vai ter chance de explorar."

Identifique e repense suas barreiras

As expectativas impostas ao papel do homem e da mulher criam inseguranças que podem impedir pessoas de viverem seu prazer com mais liberdade e autenticidade. Em relação aos homens, Rabelo afirma que muitos ficam em um espaço de conforto que não permite o autoconhecimento.

"Entender a si mesmo é uma grande dificuldade, quebrar os paradigmas da masculinidades, parar de mentir por medo de dizer que brochou", exemplifica.

Respeite seu tempo

Ao viver um processo em que você repensa sua vida sexual, que é atravessada por questões emocionais e relacionais, é importante entender que as barreiras não vão desaparecer imediatamente. Cultivar um autocuidado que respeite seu tempo evita um ciclo de frustração.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.