Sobrepeso afeta a eficácia da pílula do dia seguinte? Parte da ciência diz que sim

Estudos não são conclusivos, mas pesquisadores observam que o efeito tende a ser menor em quem tem IMC maior

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Alisha Haridasani Gupta Dani Blum
The New York Times

Em 2011, uma equipe de pesquisadores na Escócia estava investigando por que a pílula anticoncepcional de emergência, popularmente conhecida coma pílula do dia seguinte, parecia não funcionar para uma pequena parcela da população e fez uma descoberta alarmante: a pílula falhou em porcentagens mais altas entre as mulheres com maior IMC (índice de massa corporal).

Desde então, vários pesquisadores analisaram por que e como o peso influencia a eficácia da pílula do dia seguinte, mas se depararam com muitas incógnitas: não está claro o quanto ela pode ser menos eficaz para pessoas com sobrepeso ou obesidade, e não há pesquisas claras sobre como ajudar alguém a resolver o problema.

Especialistas dizem que também é difícil definir um peso específico no qual a eficácia da pílula do dia seguinte diminui.

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Psquisadores observam risco da eficácia da pílula do dia seguinte ser comprometida em pessoas com IMC alto - Adobe Stock

"Alguns estudos dizem que não há efeito acima de um IMC de 25, outros dizem que há alguns efeitos –estudos diferentes dizem coisas ligeiramente diferentes", disse Siripanth Nippita, professora clínica associada de obstetrícia e ginecologia na Langone Health da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos. Mas em geral, disse ela, à medida que o IMC aumenta a eficácia dos contraceptivos orais de emergência diminui.

Parte da razão dessa grande brecha no entendimento geral do anticoncepcional de emergência é porque grande parte da pesquisa que levou à sua criação, em meados da década de 1990, não considerou inicialmente as diferenças de peso corporal.

"Quando a contracepção foi desenvolvida, era realmente um modelo único para todas", disse Alison Edelman, professora de obstetrícia e ginecologia na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, que também estudou a eficácia dos contraceptivos de emergência.

"Mas nossa população hoje é muito diferente daquela quando os medicamentos foram desenvolvidos. Aumentamos em tamanho e tememos que o tipo mais comum de anticoncepcional de emergência possa não funcionar para mulheres com IMC mais alto."

Mas, em geral, a pílula do dia seguinte reduz amplamente as chances de gravidez. Aqui está o que sabemos.

A pílula do dia seguinte tem limite de peso?

Existem dois tipos de pílulas anticoncepcionais de emergência disponíveis nos EUA: as que contêm levonorgestrel –também disponíveis no Brasil–, e as com acetato de ulipristal.

A FDA (Agência de Alimentos e Drogas dos EUA) autoriza esses medicamentos para todas as mulheres, independentemente do peso.

Em 2016, a agência disse que tinha completado uma revisão da pesquisa disponível sobre contraceptivos de levonorgestrel e descobriu que os dados eram "conflitantes e muito limitados para se chegar a uma conclusão definitiva" sobre se as pílulas eram menos eficazes em mulheres que pesam mais de 75 kgs ou com IMC superior a 25. O IMC usa a altura e o peso da pessoa para criar uma medida de saúde geral. Alguns médicos o consideram uma avaliação falha da saúde.

Estudos como o da Escócia parecem indicar que a pílula do dia seguinte pode ser menos eficaz em mulheres que pesam mais de 77 kgs, que é o peso médio das mulheres americanas com mais de 20 anos, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

"Em alguns estudos, observamos alguma redução da eficácia em pessoas com IMC maior que 25", disse a Nisha Verma, membro do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas. "Mas isso não significa que não a usemos nessas pessoas."

O acetato de ulipristal não tem tanta diminuição na eficácia para mulheres com IMC mais alto, ela acrescentou. Mas a pílula ainda pode não funcionar tão bem em pessoas com sobrepeso ou obesidade.

"A evidência não é absolutamente clara e consistente", disse David K. Turok, professor de obstetrícia e ginecologia na Universidade de Utah.

​Por que um IMC maior tornaria a pílula menos eficaz?

Novamente, a ciência sobre isso não é clara. Edelman disse que os pesquisadores observam quatro coisas ao examinar a eficácia de uma droga: absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Um IMC mais alto pode afetar os quatro processos de maneiras diferentes.

Em indivíduos com IMC mais alto, as drogas podem ser absorvidas na corrente sanguínea a uma taxa mais lenta, por exemplo, ou uma droga pode acabar acumulando gordura, em vez de "agir a seu favor", disse ela.

Monica Woll Rosen, ginecologista na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, apontou outros mecanismos potenciais, como a presença de estrogênio extra nos tecidos periféricos de pessoas com excesso de peso, o que pode anular os efeitos de um contraceptivo, ou que a dosagem talvez não seja forte o suficiente.

​Alguém com IMC elevado pode tomar uma dose maior?

No início deste mês, Edelman e sua equipe publicaram um estudo analisando se uma dose dupla da pílula do dia seguinte seria eficaz para alguém com IMC acima de 30.

Eles deram a 70 mulheres com IMC maior que 30 uma dose dupla ou uma dose única de levonorgestrel e as monitoraram durante uma semana. Infelizmente, a equipe não encontrou diferença estatisticamente significativa na supressão da ovulação –a principal função da pílula do dia seguinte– entre os dois grupos, o que significa que uma dose dupla pode não ser a solução.

Em uma emergência, no entanto, uma dose dupla de levonorgestrel pode ser tentada. "Não é inseguro fazer isso", disse Edelman.

Quais são as opções, então?

Os médicos recomendam o acetato de ulipristal como contraceptivo oral de emergência mais eficaz que o levonorgestrel para todas as mulheres, mas especialmente para aquelas com IMC mais alto.

Você pode tomar o primeiro durante até cinco dias após o sexo desprotegido. Alguns médicos recomendam ter à mão, caso você precise usá-lo. "As pessoas devem solicitar com antecedência e os fornecedores devem oferecê-lo com antecedência", disse Turok.

Um dispositivo intrauterino, se inserido dentro de cinco dias após a relação sexual desprotegida, é uma forma ainda mais eficaz de contracepção de emergência.

O CDC considera o DIU de cobre, que não contém hormônios, um método eficaz de contracepção de emergência, mas pesquisas mostram que os DIUs hormonais também podem funcionar. Esses dispositivos agem localmente no útero, disse Rosen, o que significa que "o peso não deve fazer diferença" em sua eficácia. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas também recomenda o DIU de cobre como alternativa à contracepção oral para mulheres obesas.

Nem todas as mulheres que procuram contracepção de emergência vão querer um método de controle de natalidade de longa duração –o DIU pode durar de três a 12 anos. Mesmo para as que quiserem, o processo de obter uma consulta em cinco dias e reservar tempo para o procedimento de implantação pode ser difícil, se não impossível.

"Podemos passar o dia todo falando sobre a eficácia de um método, mas se alguém não pode acessá-lo, não funciona", disse Wing Kay Fok, ginecologista na Weill Cornell Medicine.

Se você não puder tomar o acetato de ulipristal ou colocar um DIU, os médicos disseram que tomar o levonorgestrel ainda vale a pena, independentemente do seu peso ou IMC.

Uma análise de quatro estudos da OMS (Organização Mundial de Saúde) mostrou que as taxas de gravidez de mulheres que tomaram a pílula do dia seguinte em diversas categorias de IMC permaneceram abaixo de 3%, indicando que a medicação reduz suas chances de engravidar, embora não seja garantia de prevenção da gravidez.

"Antes cedo do que tarde, e alguma coisa é melhor que nada", disse Nippita.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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