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Filhos de pacientes com Alzheimer temem futuro diagnóstico

Especialistas recomendam não superestimar o risco e converter o medo em proteção

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Dawn MacKeen
The New York Times

Quando vai buscar seu filho Jayden, 6, na escola, Janet Perez sempre procura a mochila cor de laranja néon que o torna tão fácil de localizar. Mas numa manhã recente em Perris, Califórnia, ela não encontrou seu filho. Sua primeira reação foi instintiva: pensou que alguém o tivesse sequestrado.

Então ela tentou recordar o que Jayden estava vestindo e percebeu que não tinha certeza se era ela quem o levara à escola naquela manhã. Um pavor familiar a acometeu: será que estava acontecendo? Seu esquecimento seria um sinal precoce de que ela estava com a mesma doença que sua mãe, o mal de Alzheimer?

Dez longos minutos depois de Janet chegar à escola, Jayden apareceu. Ele havia ido ao banheiro. Janet então lembrou que era sua irmã quem o levara à escola naquela manhã. Ela ficara em casa com a mãe delas.

Uma mulher idosa sendo cuidada pela filha
Rita Perez era dona de um salão de beleza, hoje ela precisa de assistência diária da filha - Mark Abramson/The New York Times

Mais tarde, uma enfermeira atribuiu seus lapsos de memória ao estresse. Mas Janet ainda tem muito medo de esquecer coisas.

"E se for este meu destino, se for isso que vai acontecer comigo?", ela especulou numa manhã recente, sentada ao lado de sua mãe, Rita Perez, com quem vive desde 2019. Janet começou a cuidar de sua mãe, viúva de 74 anos, depois que esta começou a deixar as bocas do fogão ligadas e ficou tão paranoica que colocava uma cadeira atrás da porta para que ela não pudesse ser aberta por fora.

Desde então, a família vem observando Rita Perez, uma pessoa que no passado era dona de seu próprio salão de beleza, ir perdendo a habilidade de pentear o próprio cabelo ou escovar os dentes sozinha. Ela passa boa parte do tempo numa cadeira de rodas e não reconhece mais nem Janet, nem seus quatro outros filhos.

Janet Perez tem 35 anos e seria extremamente jovem para ter o mal de Alzheimer –na maioria dos casos os sintomas aparecem após os 65 –, e ninguém mais em sua grande família mexicano-americana sofre do problema. ​

Mesmo assim, ela conhece o impacto da demência em sua comunidade. Segundo estudo recente do conceituado periódico médico JAMA, a demência, termo que abrange muitas doenças que causam a deterioração da função cerebral, atinge os idosos hispânicos com quase o dobro da frequência que os brancos.

Com o declínio de sua mãe, e com seus próprios lapsos de memória, Perez frequentemente fica acordada à noite repassando na cabeça o pensamento que, para ela, é o mais tenebroso de todos: e se, um dia destes no futuro próximo, ela esquecer quem é Jayden?

A doença de Alzheimer afeta 6,5 milhões de adultos de mais de 65 anos nos Estados Unidos. Esse número está projetado para quase dobrar até 2050, segundo a Alzheimer’s Association, principal organização de defesa das pessoas que têm esse problema.

Mas, graças à consciência crescente da doença, a forma mais comum de demência, o Alzheimer aparece regularmente nas pesquisas feitas com consumidores como uma das doenças mais temidas. Pesquisas revelam que a percepção do risco pode ser ainda maior entre pessoas que acompanharam a progressão da doença em um ente querido.

Em alguns casos, elas monitoram sua própria memória com afinco extremo: cada nome esquecido ou molho de chaves que a pessoa não se lembra onde deixou são vistos como sinal de algo mais grave.

A bibliotecária assistente Shannon Spindler, 47, começou a chorar recentemente quando não se lembrou onde deixara um livro. Seu pai tem Alzheimer, doença que matou o pai dele. "Meu Deus, será que agora é minha vez?", perguntou-se Shannon, que vive em Springfield, Missouri.

Cada aniversário leva Mark Applegate, 51, para mais perto dos 65, a idade em que sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer. Ela agora vive numa clínica de cuidados paliativos e passa a maior parte do tempo dormindo.

Applegate, que é diretor de informática e vive em Bolivar, Missouri, não fica pensando em Alzheimer constantemente, "mas no segundo plano de minha mente está o pensamento de que isso já está previsto para mim", ele disse.

Para Amber Barber, de Lebanon, Oregon, é a imagem de seu pai de 77 anos em seu leito de morte no ano passado que a assombra, além do medo de que ela será a próxima. "Não tenho os problemas de memória, mas o mais assustador para mim foi ver como ele deteriorou rapidamente", ela revelou.

Amber tem 46 anos e é diretora de gerência de programas numa empresa de consultoria de softwares. "Não quero que meus filhos sejam obrigados a me ver morrendo por não querer me alimentar", explicou.

É claro que nem todos que têm um histórico familiar de Alzheimer vivem com medo constante da doença. Mas para aqueles que a temem, a preocupação pode ser avassaladora. Cristiane Passarela, terapeuta licenciada de saúde mental na NYC Cognitive Therapy, conta que já viu clientes hiperventilarem com o medo de terem a mesma doença que alguém de sua família. "O pior é quando as pessoas nos procuram e não estão conseguindo viver normalmente", ela disse.

Quando as pessoas relatam pioras de memória e cognição, mas testes não revelam qualquer deterioração, as queixas são descritas coletivamente como declínio cognitivo subjetivo. Esses sintomas autorrelatados podem ser sinais precoces do mal de Alzheimer, mas acompanhamentos de longo prazo sugerem que em muitos casos não o são.

Mesmo assim, algum grau de medo pode ser benéfico. A preocupação já levou muitas pessoas a buscar avaliação médica. E já inspirou pessoas a adotar mudanças em seu estilo de vida, por exemplo aumentando sua atividade física e cognitiva, algo que sempre foi associado a uma redução no risco de declínio cognitivo.

"Há pessoas que convertem seus temores em algo positivo, praticando atividades de estilo de vida que podem beneficiá-las", comentou o Dr. David Wolk, professor of neurologia na Universidade da Pensilvânia e diretor do centro Penn de pesquisas sobre o mal de Alzheimer.

Mas o medo também pode tornar mais difícil para as pessoas hoje saudáveis sentirem prazer em sua vida agora. Como viver bem não obstante o que pode –ou não—estar por vir?

NÃO SUPERESTIME SEU PRÓPRIO RISCO

Pessoas que têm pelo menos um parente próximo com o mal de Alzheimer correm risco maior de morrer da condição, segundo um estudo que examinou residentes do Utah, usando um banco de dados genealógicos. Mas a maioria das pessoas com histórico familiar de Alzheimer não chegará a desenvolver a doença.

A genética exerce um papel mais importante nas pessoas com casos de Alzheimer precoce na família. Essa é uma forma mais rara da doença, que se manifesta antes dos 65 anos e afeta apenas 1% a 2% da população geral. Metade dos filhos de pai ou mãe com a condição também vão desenvolver a doença, que pode ser detectada com um teste genético.

Mas o maior fator de risco para a forma mais comum da doença, o Alzheimer de início tardio, não é o histórico familiar –é simplesmente o fato de envelhecer. O Alzheimer afeta um terço dos adultos acima dos 85 anos. Muitos médicos desaconselham o teste genético, que não é a maneira mais precisa de prever ou confirmar um diagnóstico de Alzheimer de início tardio.

Segundo Kristine Yaffe, professora de psiquiatria, neurologia, epidemiologia e bioestatística na Universidade da Califórnia em San Francisco, as pessoas com histórico familiar de Alzheimer se beneficiarão se lembrarem a si mesmas: "Posso correr um risco ligeiramente maior, mas isso não quer necessariamente dizer que terei a doença. Posso contrair outras coisas, posso viver até os 100 anos e posso ficar muito bem."

Para as pessoas que constatam sofrer lapsos persistentes de memória, o próximo passo pode ser buscar uma avaliação médica. "Você só deve ir ao médico se achar que a perda de memória é uma alteração persistente", disse Frank Jessen, pesquisador do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas, na Alemanha, e estudioso do declínio cognitivo subjetivo.

Pense em consultar o médico "apenas se tiver a impressão persistente de que sua memória não vem funcionando tão bem há vários meses, e se seus familiares também notam isso", ele recomendou.

Os médicos dizem que fazer os exames muitas vezes alivia o medo. Muitos problemas de saúde tratáveis –como problemas de tireoide, infecções do trato urinário, deficiências vitamínicas, depressão e mudanças na medicação— podem ter sintomas semelhantes aos do Alzheimer. A própria ansiedade pode afetar a memória, e o esquecimento, por sua vez, alimenta ainda mais ansiedade. "Cria-se um certo círculo vicioso", explicou Wolk.

Quando uma avaliação médica revela a presença de Alzheimer, um diagnóstico precoce permite que o paciente participe de ensaios clínicos e modifique seu estilo de vida de modo a potencialmente desacelerar a progressão da doença.

Os pacientes também têm a oportunidade de organizar seus assuntos financeiros, legais e seus planos pessoais de cuidados médicos e de transmitir seus desejos a seus entes queridos.

CONVERTA O MEDO NA PROTEÇÃO POSSÍVEL

Três anos atrás, quando mal se reconheceu numa foto, Janet Perez se deu conta pela primeira vez do impacto que a doença de sua mãe estava tendo sobre ela. Exausta com a ideia de perder sua mãe, ela estava com olheiras e ficara mais sedentária, contribuindo para sua pressão alta limítrofe. Ela estivera tão focada sobre o bem-estar de sua mãe e seu filho que havia descuidado dela própria. "Estava quase deixando isso acabar comigo", comentou.

Em vez disso, ela decidiu parar de beber e começar a exercitar-se regularmente.

Trabalhar sobre os chamados "fatores de risco modificáveis", como hipertensão, pouca atividade física e consumo frequente de álcool, pode prevenir ou adiar até 40% dos casos de demência, segundo estudo de 2020 da Comissão Lancet sobre demência, prevenção e tratamento, que identificou e classificou num ranking 12 fatores ligados à redução do risco de declínio cognitivo.

Corrigir qualquer perda auditiva e parar de fumar também ocupam posições importantes na lista.

Vale destacar que não há muitas evidências de que vitaminas ou suplementos dietéticos beneficiem a cognição ou previnam a demência. Os dados sobre dieta são limitados, mas sugerem que uma dieta saudável para o coração, como a dieta mediterrânea, pode ter efeito protetor.

Especialistas enfatizam especialmente a importância de as pessoas se manterem cognitivamente ativas ao longo da vida: aprender a tocar um instrumento, viajar a lugares novos ou simplesmente fazer trabalho estimulante – "mobilizar seu cérebro de qualquer maneira", recomendou Gill Livingston, autor principal do estudo da Comissão Lancet e professor de psiquiatria de idosos no University College London.

A doença de Alzheimer é caracterizada tanto pela perda de sinapses, as conexões entre os neurônios, quanto pela morte de neurônios em todo o cérebro. Os pesquisadores acreditam que o aprendizado constante pode preparar o cérebro para resistir melhor a essas alterações.

Atividades estimulantes "podem atuar quase como um amortecedor", disse Yaffe. Apesar disso, ela tem pacientes que tomaram todas as medidas preventivas possíveis e ainda assim desenvolveram a doença.

ENVOLVA-SE NA VIDA QUE VOCÊ TEM HOJE

Segundo Timothy Scarella, professor de psiquiatria na Harvard Medical School e no Beth Israel Deaconess Medical Center, quando as pessoas enfrentam qualquer medo recorrente, "parte do que precisam fazer é aceitar um certo grau de impotência e ausência de controle. É o caso especialmente com o mal de Alzheimer: é possível que você fique com a doença, não obstante todos seus esforços."

Mas preocupar-se com isso, antes de acontecer, pode reduzir o prazer que a pessoa pode sentir em viver seus anos saudáveis.

Como é o caso com muitos outros tipos de preocupação, os psicólogos recomendam uma prática básica de mindfulness. Muitas atividades podem ser feitas como mindfulness: meditação, oração, movimentação física como ioga ou qigong, até mesmo caminhadas –qualquer coisa que incentive a pessoa a se acalmar e observar o momento presente, sem fazer julgamentos e sem sentir vergonha.

Quando um medo provoca sofrimento importante ou atrapalha o cotidiano da pessoa, pode ser preciso buscar ajuda profissional. Quando Cristiane Passarela, uma terapeuta de saúde mental, atende clientes que estão convencidos de estarem apresentando sintomas de Alzheimer, ela contesta esse pensamento: que evidências você tem de que essa ideia é verdadeira? Que evidências você tem de que não é verdadeira?

Com a ajuda de terapia, Amber Barber, a gerente consultora de softwares no Oregon, aprendeu a usar ferramentas para controlar sua preocupação. Às vezes ela caminha por seu bairro. Se os pensamentos persistem, ela os coloca no papel, para reconhecer o que está sentindo. E então empurra o papel de lado, como um sinal físico de estar deixando isso para trás.

Quando Janet Perez está ansiosa, ela reza um terço e então se acalma. Recentemente ela percebeu que, além do sofrimento que acompanha a doença de sua mãe, ela vem recebendo dádivas inesperadas.

Aconteça o que acontecer no futuro, ela está mais saudável agora graças às mudanças em seu estilo de vida que sua mãe e a doença dela a inspiraram a fazer, contou Janet. "Mesmo ela não estando mentalmente presente, minha mãe ainda está me ajudando."

Tradução de Clara Allain

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