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'Gaslighting' médico atrasa diagnóstico e prejudica tratamento; veja como lidar

Minimizar ou desdenhar dos sintomas, não escutar o que o paciente diz e deixar de pedir exames são alguns dos sinais

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Christina Caron
The New York Times

Christina, que mora em Portland, no estado do Maine (leste dos Estados Unidos), disse que se sentiu ignorada pelos médicos durante anos. Quando ela estava com 22 kgs a mais, seus provedores de saúde às vezes culpavam seu tamanho corporal quando ela falava sobre seus problemas.

Um caso ocorreu semanas depois que ela caiu da bicicleta. "Meu cotovelo ainda estava doendo", disse Christina, 39, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado ao falar sobre seu histórico médico. "Fui à minha médica de cuidados básicos e ela fez um gesto com a mão como que dizendo: 'Bem, você está acima do peso e está forçando suas articulações.'"

Tempos depois, Christina visitou um centro de atendimento de urgência, onde os profissionais fizeram um raio-X e descobriram que ela tinha trincado um osso do braço.

Ilustração de duas pessoas sendo apenas a silhueta do rosto. Atrás uma mulher em azul e na frente um médico, com estetoscópio, em vermelho
Gaslighting médico pode ser mais comum entre grupos minorizados - Lucy Jones/The New York Times

A experiência de ter suas preocupações descartadas por um médico, muitas vezes chamada de "gaslighting" médico, uma espécie de manipulação mental, pode acontecer com qualquer pessoa.

Um artigo recente no New York Times sobre o tema recebeu mais de 2.800 comentários: algumas pessoas relataram erros de diagnóstico que quase custaram suas vidas ou retardaram o tratamento, levando a um sofrimento desnecessário. Alguns pacientes com Covid longa escreveram como se sentiram ignorados pelos médicos a quem pediram ajuda.

Ultimamente, o problema vem chamando a atenção –tanto na comunidade médica como no público em geral– por afetar desproporcionalmente mulheres, pessoas não brancas, pacientes geriátricos e pessoas LGBTQIA+.

Por exemplo, estudos descobriram que as mulheres são mais propensas que os homens a ser diagnosticadas erroneamente com certas condições –como doença cardíaca e distúrbios autoimunes–, e muitas vezes esperam mais tempo pelo diagnóstico.

Um grupo de pesquisadores descobriu que os médicos tendem a usar mais formas descritivas negativas como "desobediente" ou "agitado" nos prontuários de pacientes negros do que nos de brancos –prática que pode levar a disparidades na assistência à saúde.

"O 'gaslighting' é real, acontece o tempo todo. Os pacientes –especialmente as mulheres– precisam estar cientes disso", disse Jennifer H. Mieres, professora de cardiologia na Escola de Medicina Donald e Barbara Zucker em Hofstra/Northwell e coautora do livro "Heart Smarter for Women" (Corações mais inteligentes para mulheres, em português).

Aqui estão algumas dicas sobre como se defender em um ambiente médico.

Quais são os sinais de gaslighting?

O gaslighting pode ser sutil e nem sempre é fácil de detectar. Ao procurar atendimento médico, os especialistas recomendam observar os seguintes sinais de alerta:

  • Seu provedor o interrompe continuamente, não permite que você explique direito e não parece ser um ouvinte engajado.
  • Seu médico minimiza ou desdenha de seus sintomas, por exemplo, questionando se você sente dor.
  • Seu provedor se recusa a discutir seus sintomas.
  • Seu provedor não solicita exames de imagem ou de laboratório para descartar ou confirmar um diagnóstico.
  • Você sente que seu provedor está sendo rude, condescendente ou depreciativo.
  • Seus sintomas são atribuídos à doença mental, mas você não recebe um encaminhamento de saúde mental ou é examinado para tal doença.

"Sempre digo aos meus pacientes que eles são especialistas em seu corpo", disse Nicole Mitchell, diretora de diversidade, equidade e inclusão no departamento de obstetrícia e ginecologia da Escola de Medicina Keck na Universidade do Sul da Califórnia. "Trabalhamos juntos para descobrir o que está acontecendo e o que podemos fazer a respeito. Realmente deve ser uma tomada de decisão em conjunto."

O que você pode fazer para se defender?

Mantenha anotações e registros detalhados

Mitchell recomenda manter um diário onde você registre o maior número possível de detalhes sobre seus sintomas. As sugestões incluem: "Quais são os sintomas? Quando você sente esses sintomas? Você percebe algum gatilho? Se sente dor, qual é a sensação? Ela aumenta e diminui, ou é constante? Em que dias você percebe a dor?"

Além de suas anotações, mantenha registros de todos os resultados de laboratório, exames de imagem, medicamentos e histórico médico da família. É como ir ao contador para fazer o imposto de renda, disse Mieres: "Você certamente não chega lá sem os recibos".

Pergunte. Depois pergunte mais

Prepare antes da consulta uma lista de perguntas que você gostaria de fazer e esteja preparado para fazer outras à medida que novas informações forem apresentadas. Se você não tem certeza por onde começar, Mitchell recomenda perguntar ao médico: "Se você fosse eu, que perguntas faria agora?"

Leve uma pessoa de apoio

Às vezes pode ajudar levar consigo um amigo ou parente de confiança, especialmente para discutir um plano de tratamento ou um problema médico difícil.

Quando as pessoas estão doentes, assustadas ou ansiosas, isso pode facilitar o "congelamento cerebral", disse Mieres. "Paramos de pensar, não ouvimos adequadamente, não processamos as informações."

Fale com seu acompanhante para esclarecer seu papel e discutir suas expectativas, acrescentou ela. Você quer que ele tome notas e seja um segundo par de ouvidos? Ou você precisa dele principalmente para apoio emocional? Há momentos em que você prefere que seu amigo ou parente saia da sala para que você possa falar sobre assuntos particulares?

Foque no seu problema mais preciso

Os provedores geralmente têm pouco tempo, e o exame médio de atenção primária dura apenas 18 minutos, de acordo com um estudo publicado em 2021. Mieres recomenda usar dez minutos antes da consulta para anotar pontos que descrevem de forma concisa o motivo de sua visita, para que você possa se comunicar com o médico de forma eficiente.

Defina os próximos passos

Idealmente, você deve sair da consulta se sentindo tranquilo. Diga ao médico que você gostaria de entender três coisas: o melhor palpite sobre o que está acontecendo; planos para diagnosticar ou descartar diferentes possibilidades; e opções de tratamento, dependendo do que for encontrado.

Se você ainda está sendo ignorado, quais as opções?

Troque de provedor

Um estudo usando dados de 2006 e 2007 calculou que aproximadamente 12 milhões de adultos são diagnosticados erroneamente nos EUA a cada ano, e cerca da metade desses erros podem ser prejudiciais. Se você estiver preocupado que seus sintomas não estejam sendo abordados, você tem o direito de procurar uma segunda opinião, uma terceira ou mesmo uma quarta.

Mas em muitos casos isso pode ser mais fácil dizer do que fazer. Nem sempre é rápido ou simples encontrar outro especialista que atenda ao seu seguro e tenha consultas imediatas disponíveis. Se possível, tente obter uma referência na rede do seu médico atual.

Por exemplo, você pode dizer: "Obrigado pelo seu tempo, mas eu realmente gostaria de buscar outra opinião sobre isso. Você poderia me encaminhar para outro especialista em sua área?"

Se você não se sentir à vontade para pedir uma referência ao médico, também pode falar com o atendimento ao paciente ou o gerente de enfermagem. Como alternativa, você pode perguntar a amigos e familiares ou ligar para sua companhia de seguros para encontrar alguém na rede.

Reformule a conversa

Se você decidir ficar com seu provedor atual, mas essa pessoa não parece estar escutando, Mieres recomenda que os pacientes tentem redirecionar a conversa, dizendo algo como: "Vamos apertar o botão de pausa aqui, porque temos uma desconexão. Você não está ouvindo o que estou dizendo. Deixe-me começar de novo".

Ou, alternativamente: "Estou com esses sintomas há três meses. Você pode me ajudar a encontrar o que está errado? O que podemos fazer para descobrir isso juntos?"

Procure grupos de apoio

Existem grupos de apoio para diversas condições que podem fornecer recursos e informações úteis.

Tami Burdick, que foi diagnosticada em 2017 com mastite granulomatosa, uma doença inflamatória rara e crônica da mama, encontrou ajuda em um grupo de apoio online para mulheres com a mesma condição. Inicialmente, ela foi encaminhada a um especialista em doenças infecciosas, que desprezou uma biópsia de mama que continha bactérias.

"Desenvolvi abscessos horríveis e dolorosos que se abriam e drenavam por conta própria", disse Burdick, 44.

Em busca de respostas, ela realizou uma extensa pesquisa sobre a doença. E com o grupo de apoio soube de um teste de sequenciamento genético que poderia identificar potenciais patógenos. Burdick pediu ao seu oncologista cirúrgico para solicitar o teste e descobriu que ela havia sido infectada com um microrganismo associado a mastite granulomatosa e abscessos mamários recorrentes.

Levou sete meses de investigação, mas finalmente teve uma resposta. Para ajudar outras mulheres, ela publicou um livro sobre sua experiência em colaboração com o oncologista.

"Se o especialista em doenças infecciosas tivesse investigado mais a fundo", continuou ela, "talvez eu pudesse ter iniciado os antibióticos imediatamente, naquele momento, e não ter precisado de cirurgia."

Recorra a uma autoridade superior

Se você estiver sendo tratado em um ambiente hospitalar, pode entrar em contato com a equipe de defesa do paciente, que poderá ajudá-lo. Você também pode resolver o problema com o supervisor do seu médico.

Finalmente, se estiver insatisfeito com os cuidados que está recebendo, disse Mitchell, pode considerar relatar sua experiência ao conselho regional de medicina

"Quaisquer casos de abuso, manipulação, gaslighting, demora no diagnóstico são eventos reportáveis que os provedores precisam conhecer", disse Mitchell. "Os médicos precisam ser responsabilizados."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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