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Por que a geração Z evita rotular relações amorosas

Pesquisas mostram que a postura deste grupo frente ao namoro e sexo evoluiu em relação aos seus pais e avós

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Casey Noenickx
BBC News Brasil

Já se foi o tempo em que assistir a um filme ou tomar um sorvete era tudo o que um casal precisava para se firmar como casal. O namoro moderno mudou ao longo do tempo, até tornar-se uma série delicada (e, às vezes, complicada) de "primeiros passos" para pessoas jovens.

Pesquisas demonstram que a postura da geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010; os anos são aproximados, porque não há um consenso claro desta classificação) frente ao namoro e ao sexo evoluiu com relação às gerações anteriores. Eles adotam uma abordagem bastante pragmática sobre amor e sexo e, por isso, não priorizam compromissos românticos da mesma forma que as gerações anteriores.

Casal se abraça em uma festa
Com 26 anos de idade, Amanda Huhman está em uma 'situação', que ela acredita ser mais adequada à sua vida no momento - Amanda Huhman via BBC

Mas isso não quer dizer que eles não tenham interesse em romance e relacionamentos íntimos. Na verdade, eles estão descobrindo novas formas de satisfazer esses desejos e necessidades com formas que se encaixem melhor nas suas vidas.

Esta mudança gerou um novo termo em inglês – situationship (algo como "estar em uma situação"), que descreve exatamente a área cinzenta entre a amizade e o relacionamento amoroso.

E os especialistas afirmam que a popularidade deste estágio do namoro, que é difícil de definir e acabou designado pelo termo "situação", disparou entre a geração Z.

"Atualmente, esses acordos resolvem algum tipo de necessidade de sexo, intimidade, companheirismo – o que seja – mas não têm necessariamente um horizonte de longo prazo", segundo Elizabeth Armstrong, professora de Sociologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Suas pesquisas concentram-se especificamente na sexualidade e nas "situações".

E as pessoas vêm adotando cada vez mais esta nova classificação de relacionamento. O termo situationship começou a ganhar força em inglês no final de 2020, até atingir recorde de pesquisas no Google em 2022.

Segundo Armstrong, o interesse pelas "situações" é mundial e independe de etnias, gêneros e orientações sexuais. A criação e o crescimento contínuo dessa expressão, especialmente entre os jovens, revelam muito sobre como a geração Z está redefinindo o significado do amor e do sexo, de forma diferente das gerações que a antecederam.

Sem necessidade de 'dar em alguma coisa'

Uma "situação" é um acordo informal, tipicamente entre duas pessoas que compartilham conexões físicas e emocionais, fora da ideia convencional de um relacionamento comprometido e exclusivo.

Em alguns casos, as "situações" são restritas a um certo tempo e pela ideia de que um acordo casual é a melhor opção naquele momento. Pode ser o caso de dois universitários cursando o último ano, por exemplo, que não querem progredir para um relacionamento comprometido, já que novos empregos podem levá-los para cidades diferentes após a formatura.

Armstrong defende que as "situações" são populares porque elas desafiam o "elevador do relacionamento": a ideia de que as parcerias íntimas precisam ter uma estrutura linear com o objetivo de atingir marcos convencionais, como morar juntos, o noivado e o casamento.

O conceito da "situação" contraria "essa noção de que estar com alguém em algo que não dará em nada é 'perda de tempo'", afirma a professora – um sentimento que, segundo ela, a geração Z vem abraçando cada vez mais.

As pessoas que adotam esses acordos decidem voluntariamente entrar na área cinzenta dos relacionamentos indefinidos. Segundo Armstrong, eles acreditam que "a 'situação', por alguma razão, funciona no momento. E, no momento, não vou me preocupar em ter algo que 'dê em alguma coisa'."

Pesquisas confirmam essas observações. Em entrevistas com 150 estudantes de graduação, a professora de Sociologia Lisa Wade, da Universidade Tulane, nos Estados Unidos, observou que a geração Z é mais relutante a definir o relacionamento ou mesmo admitir que deseja seu progresso.

Wade afirma que sua pesquisa demonstrou que "esconder as cartas não é algo exclusivo dos jovens de hoje em dia", mas a geração Z está mais disposta a ocultar seus sentimentos.

Nas redes sociais TikTok e Twitter, os participantes – especialmente os da geração Z – compartilham muitas histórias de "situações".

No TikTok, vídeos com a hashtag #situationship foram vistos mais de 839 milhões de vezes. Existem também muitas referências na cultura pop. O termo "situationship" aparece em programas populares de namoro na TV como o britânico Love Island UK e em músicas como Situationship, da cantora millennial sueca Snoh Aalegra.

"Nós brincamos, eu e meus amigos, que estamos todos vivendo a mesma vida", afirma Amanda Huhman, do Texas, nos Estados Unidos, sempre que ela e seus amigos comparam as observações sobre suas "situações".

Com 26 anos de idade, Huhman documentou no TikTok sua experiência em uma "situação". Pelas suas próprias interações e pelo engajamento que vem observando, ela acredita que esse tipo de acordo seja comum. "Acho que está se tornando uma parte muito popular da cultura do namoro, pelo menos para a geração Z e para os millennials (nascidos entre 1981 e 1995) mais jovens."

Huhman está há mais de um ano no que ela descreve como uma "situação". E, quando postou sua experiência no TikTok, ela conseguiu cerca de 8 milhões de visualizações e dezenas de milhares de comentários - muitos deles, de pessoas compartilhando suas próprias situações.

Huhman é consultora de saúde e seu trabalho é remoto. Ela viaja muito e se muda para novas cidades onde mora por alguns meses de cada vez. Ela afirma que estar em uma "situação" oferece mais liberdade e autonomia.

"Nossa cultura de namoro hoje em dia é muito caótica e confusa", acredita Huhman. "[A geração Z] vive este... estilo de vida atribulado e acho que meio que adaptamos o namoro a isso."

Prioridade é a trajetória pessoal

Encontrar o amor nos tempos atuais traz uma série de desafios. A pandemia, por exemplo, mudou completamente a forma como as pessoas conhecem parceiros e namoram. E a mudança em larga escala para o namoro online também traz suas próprias dificuldades.

Além disso, muitos jovens simplesmente não estão enfatizando intencionalmente o namoro como no passado. A crise climática, a economia instável com inflação crescente e a atual convulsão política e social fizeram com que os jovens ficassem mais envolvidos com o ativismo e buscassem sua estabilidade pessoal, profissional e financeira em primeiro lugar.

"Os jovens diriam que os relacionamentos os distraem dos seus objetivos educacionais e profissionais - e que é melhor não se comprometerem demais, para não sacrificar sua própria trajetória de vida por outra pessoa", afirma Wade.

Por isso, as "situações" podem ser a melhor opção para os jovens da geração Z que desejam explorar suas identidades românticas e sexuais sem prejudicar outros compromissos. Este fenômeno "diversifica as opções disponíveis para uma pessoa", segundo Armstrong, e tornou cada vez mais normal optar por essa área cinzenta, em vez de evitá-la.

Mas é claro que este acordo – obscuro, por definição – traz certa precariedade e até algum grau de risco.

Teoricamente, as "situações" podem funcionar como um abrigo de "honestidade radical", segundo Wade, quando duas pessoas se abrem sobre o que realmente querem e concordam com os termos de uma situação transparente.

Mas, na prática, pode ser difícil alinhar as prioridades das duas pessoas e as "situações" podem acabar mal quando as duas partes estão fora de sintonia sobre o que querem da situação. O mais comum, segundo ela, é que isso aconteça quando uma pessoa está pronta para progredir para um compromisso, mas o medo da mudança pode impedir que os dois cheguem até mesmo a discutir esta possibilidade.

De qualquer forma, no mundo atual do namoro, o interesse crescente pelas "situações" indica uma mudança da forma em que os jovens podem redefinir o progresso do amor e do sexo - aceitando que o seu sentimento é um campo intermediário satisfatório que muitas pessoas das gerações anteriores costumavam evitar.

Com relação a Huhman, ela está perfeitamente satisfeita em viver na zona cinzenta.

"A escolha é minha, é uma decisão que tomei e estou feliz. Está funcionando para mim", ela conta. "Se as pessoas estiverem confortáveis e se para elas parecer certo, não se preocupem com as expectativas."

Texto originalmente publicado aqui

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