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Iniciantes devem sentir prazer e desconforto em treinos para criarem hábito

Dividir os exercícios entre alta e baixa intensidade pode ajudar, mas gostar do que se faz é ainda melhor

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Alex Hutchinson
The New York Times

A primeira tentativa de Katy Kennedy de desenvolver o hábito de correr foi um fracasso. Ela se inscreveu em uma meia maratona, sofreu subindo e descendo as ladeiras de seu bairro para se preparar, depois lutou durante toda a corrida.

"Eu andei no último quilômetro, e alguém gritou para mim: 'Corra!'. Eu fiquei tipo 'não consigo'", lembrou Kennedy, hoje professora na Universidade de Chichester, na Grã-Bretanha. "Foi horrível, na verdade. Achei que ia morrer. Então eu desisti de correr durante dez anos."

Na oportunidade seguinte, ela decidiu fazer as coisas de modo diferente. "Eu queria ter uma experiência mais agradável", disse. "E pensei: como posso aprender a curtir a corrida?"

Especialistas recomendam ter doses de prazer e desconforto na rotina de exercícios para criar o hábito de fazer atividades físicas - Al Bello/AFP

Essa pergunta acabou impulsionando sua pesquisa de doutorado sobre as experiências de corredores iniciantes –como eles se sentem e como isso afeta sua capacidade de manter o novo hábito. E segundo seus colegas no campo emergente da psicologia do exercício as respostas são muito mais importantes para a saúde física e mental em longo prazo do que os detalhes monótonos de quanto tempo, com que intensidade ou com que frequência você se exercita. Afinal, nenhum regime de exercícios é eficaz se você não o seguir.

Mas a conexão entre como uma rotina de exercícios faz você se sentir e se a continuará fazendo daqui a seis meses não é tão simples quanto parece.

Se isso o deixa infeliz, como a primeira experiência de Kennedy com a corrida, você provavelmente vai desistir. Se for muito fácil, por outro lado, pode achar chato –ou, talvez pior, inútil. Os praticantes mais comprometidos geralmente anseiam por uma certa quantidade de desconforto.

Então, se você está tentando formar um hábito de exercício, como sabe quando deve evitar o sofrimento e quando aceitá-lo?

Por que o prazer é útil

De acordo com uma estimativa, 97% das pessoas concordam que a atividade física é importante para a saúde. E um estudo com 3.500 americanos adultos que usaram dispositivos portáteis para rastrear hábitos de exercícios descobriu que apenas 3,2% deles realmente atingiram o limite recomendado de 150 minutos de atividade moderada por semana.

Uma teoria para essa lacuna entre intenções e ações é que estamos muito ocupados para nos exercitar, o que propiciou o aparecimento dos treinos de alta intensidade ultracurtos e intervalados ao longo da última década.

Mas Panteleimon Ekkekakis, psicólogo do exercício e presidente do departamento de cinesiologia da Universidade Michigan State, acredita que a explicação é mais visceral: para muitas pessoas, o exercício parece realmente desagradável.

Claro, no meio de um treino cansativo, até os amantes da academia muitas vezes classificam sua experiência como desagradável, e novos praticantes geralmente a odeiam. Mas depois, de acordo com Ekkekakis, praticamente todo mundo se sente bem.

Essa sensação pode acontecer simplesmente porque é muito bom terminar o treino. Ou talvez seja porque seu corpo produz sua própria versão de analgésicos opioides –as endorfinas– durante exercícios intensos, o que te deixa com uma sensação positiva persistente e desejo de voltar à academia.

Pesquisas, entretanto, sugerem que a sensação de leveza após o treino não se correlaciona com a prática de uma rotina de exercícios em longo prazo. Em vez disso, como você se sente durante o treino é um preditor mais forte. Se os primeiros treinos na piscina ou na academia forem muito duros, você pode supor que a dureza é inevitável.

Kennedy costuma ver isso entre os corredores iniciantes: "Eles diziam: 'Bem, estou me sentindo mal, mas correr supostamente faz você se sentir mal. Portanto, continuarei nesse ritmo, em vez de apenas desacelerar ou caminhar'."

Essa é a atitude errada, disse Kennedy; se você está tendo dificuldade, relaxe um pouco. E considere o que poderia tornar sua experiência mais agradável. Quando ela mesma retornou à corrida, por exemplo, deu prioridade para correr com outras pessoas, dando a si mesma permissão para andar ao subir ladeiras, e comprou calçados confortáveis e um sutiã de apoio.

Distrair-se com música, vídeo ou até realidade virtual também pode diminuir o desconforto. E ajustes sutis em seu ambiente, como remover espelhos e evitar observadores críticos, podem tornar a experiência de treino mais agradável, disse Ekkekakis.

Como você pensa sobre seu treino faz diferença. Por exemplo, um estudo de 2018 de pesquisadores da Universidade Tufts e da Equipe de Ciência Cognitiva do Exército dos Estados Unidos descobriu que correr parecia mais fácil quando os sujeitos pensavam sobre isso de uma maneira desapaixonada e menos negativa, como imaginar que eram cientistas ou jornalistas examinando a corrida objetivamente no momento.

Por que a dor é útil

A suposição subjacente é que os humanos estão programados para buscar o prazer e evitar o sofrimento. No entanto, isso é habitualmente desmentido por nossos comportamentos: comer pimenta malagueta, escalar montanhas geladas, suar em saunas superaquecidas.

Paul Bloom, psicólogo da Universidade de Toronto cujo livro de 2021 "The Sweet Spot" (O ponto delicado, em português) explorou esse paradoxo, sugeriu que um treino desagradavelmente intenso pode servir a vários propósitos. Não só a boa sensação ao parar, mas se esforçar é uma fuga temporária de distrações e preocupações.

Bloom também argumentou que os humanos não são hedonistas puros –nós também buscamos significado. E o significado, disse ele, muitas vezes está intimamente ligado ao sofrimento.

Eventos significativos da vida, como ter filhos, ou ocupações, como ser professor ou fazer o serviço militar, muitas vezes envolvem sacrifícios e lutas consideráveis. De forma similar, pesquisadores descobriram que as pessoas valorizam os móveis que elas mesmas montaram 63% mais do que os mesmos móveis pré-montados.

"As pessoas evitam o esforço, mas também é algo que podemos aprender a gostar", disse Michael Inzlicht, colega de Bloom na Universidade de Toronto. Além do prazer, os humanos buscam coisas como competência, maestria e autocompreensão. "Você não pode conseguir isso sem se esforçar", disse ele.

As dezenas de milhares de pessoas que se inscreveram para a Maratona de Nova York neste outono podem concordar com a cabeça, mas os praticantes mais novos geralmente estão menos dispostos a buscar desconforto. Até que ponto o apetite pela dor pode ser cultivado?

Inzlicht e seus colegas criaram uma escala do significado do esforço para medir o quanto as pessoas derivam propósito de fazer coisas difíceis.

Algumas realizam tarefas difíceis de má vontade, arrastando-se até a academia só porque sabem que fará bem a elas. "Mas outras, talvez você possa chamá-las de trabalhadores alegres, é para isso que elas vivem", disse ele. "É o que as ajuda a dar sentido ao mundo."

O argumento a favor do sofrimento no treino, então, é que adquirir o gosto por ele, o que oferece um incentivo mais duradouro para manter a rotina.

Novos trabalhos não publicados do laboratório de Inzlicht sugerem que, com o incentivo certo, as pessoas podem adotar gradualmente a perspectiva do "trabalhador alegre". Para começar, Inzlicht sugeriu "engatinhar no esforço": inclua alguns picos de 30 segundos, por exemplo. Então siga a dica dos designers de videogames, disse ele, e continue aumentando a dificuldade dos treinos futuros apenas o suficiente para se manter interessado sem desanimar.

Encontre um meio termo

Mesmo os atletas de elite não buscam sofrimento toda vez que saem pela porta. Na verdade, raramente o fazem.

No início dos anos 2000, Stephen Seiler, um cientista esportivo do Texas que recentemente se mudou para a Noruega, começou a analisar os hábitos de treinamento de atletas de elite em diversos esportes de resistência, incluindo remo, esqui cross-country, ciclismo e corrida.

O que ele encontrou contradizia a filosofia "sem dor não há ganho" que ele havia encontrado em sua própria carreira como remador competitivo.

Em todos os esportes, os melhores atletas pareciam gastar cerca de 80% do tempo de treinamento com um esforço relativamente baixo. Os outros 20% eram muito puxados. Essa distribuição de treino "polarizada", como ficou conhecida, permitiu que os atletas acumulassem grandes quantidades de exercício sem se esgotarem, enquanto ainda colhiam os benefícios dos treinos de alta intensidade.

Essa divisão 80/20 permite que os profissionais e os guerreiros de fim de semana equilibrem igualmente prazer e significado.

Durante os treinos de baixa intensidade, os atletas conversam com amigos, apreciam a paisagem e geralmente se divertem. O treinamento de alta intensidade é difícil, mas os pesquisadores descobriram que os atletas de elite consideram esses exercícios os mais satisfatórios. Se você estiver se exercitando quatro vezes por semana, por exemplo, escolha um dia para se esforçar e mantenha os outros três fáceis.

Um teste simples para saber se você está indo com calma nos dias mais leves é a capacidade de falar em voz alta frases completas –o que pode exigir que você diminua a velocidade mais do que esperava. Quanto aos dias difíceis, isso depende do seu nível de experiência e seus gostos, mas devem incluir, pelo menos, breves períodos de desconforto prolongado.

No fim das contas, a questão de saber se seu treino deve ser doloroso ou prazeroso pode ser equivocada, disse Inzlicht: "Eu realmente acho que é as duas coisas", disse.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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