Carne folheada a ouro não traz benefícios à saúde

Prato consumido por jogadores da seleção em restaurante luxuoso no Qatar provocou críticas; nutricionistas comentam

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Giovanna Balogh
São Paulo

Uma das cenas que chamaram atenção nesta Copa do Mundo foi a de parte dos jogadores da seleção brasileira comendo carne folheada a ouro. Os atletas Vinícius Jr, Éder Militão e Gabriel Jesus, acompanhados do ex-jogador Ronaldo Fenômeno, jantaram no restaurante Nusr-Et, do chef turco Nusret Gökçe, onde o preço da carne pode chegar a R$ 9.000. Mas, afinal, comer ouro traz algum benefício à saúde?

A nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), Viviane Laudelino Vieira, explica que comer o ouro é mais por status e glamour do que benefícios. "O ouro já vem sendo usado na confeitaria para dar um toque de requinte, sofisticação, mas não temos literatura sobre os benefícios do seu consumo", diz a nutricionista.

Balcão com pedaços de carne
Restaurante que recebeu a seleção brasileira, Nusr-ET, do chefe Salt Bae; na imagem, bancada de carne com carne folheada a ouro - Gabriela Biló - 1º.dez.2022/Folhapress

Ela explica que a quantidade consumida pelos atletas é pouca e o ouro não é absorvido pelo organismo. "Eles consumiram ouro de 24 quilates, mas é preciso ficar atento sobre a pureza do ouro pois haver ter outros elementos químicos e metais que podem, sim, oferecer risco à saúde", explica.

O oncologista e oncogeneticista Bruno Filardi, do Instituto do Câncer de Ribeirão Preto, concorda. Ele comenta que a EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) considera seguro o consumo de até 0,33 micrograma por quilo por dia e diz que o ouro deve ser o E175, que é mais puro. "O ouro em seu estado natural é muito pouco absorvido e o consumo, como foi com os jogadores, de forma esporádica e em local confiável não faz mal à saúde."

"O problema é se o consumo virar um modismo e estar presente em doces de festas e bebidas sem sabermos se esse ouro é puro ou em partículas muito pequenas que podem ser absorvidas pelo organismo", explica o médico.

Ele diz que é facilmente encontrada na internet a folha de ouro comestível, mas que não há regulação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e não existe qualquer informação sobre a pureza e procedência desse material. "A longo prazo ele pode ser absorvido e causar problemas tanto no fígado como no baço, por exemplo", diz Filardi, que explica que não há estudos conclusivos sobre se há relação do consumo de ouro com algum tipo de câncer.

A nutricionista Desire Coelho diz que praticamente não há estudos em humanos, principalmente, em razão de uma possível citotoxicidade. "O nosso corpo não metaboliza o ouro. Por isso, um consumo aumentado ou frequente pode ser tóxico ao organismo", relata.

Ela explica que há estudos em modelos animais mostrando que mesmo o consumo de nanopartículas pode trazer malefícios. "Pode se acumular no fígado e baço trazendo toxicidade. Mas isso se o consumo for aumentado ou frequente. Então, partindo do princípio que não tem nenhum respaldo à saúde, seu consumo esporádico e em pequenas quantidades não traz prejuízos nem benefícios, seria mais uma questão cultural e de ostentação", diz.

Outros minerais

Vieira comenta que na nossa alimentação consumimos naturalmente minerais, como ferro, cobre e zinco. "O ferro, por exemplo, tem importância fundamental para a nossa saúde. Na infância pode causar atraso de desenvolvimento e a baixa ingestão está associada a anemia", diz. O ferro está presente, por exemplo, em carnes, gema do ovo, leguminosas e vegetais verde-escuro.

"O cobre é um nutriente parceiro do ferro e ajuda na constituição do nosso sangue e é importante para a nossa imunidade. Está presente em carnes, sementes, laticínios, algumas sementes e oleaginosas. Já o zinco tem uma função antioxidante e participa de algumas reações para as sínteses das proteínas, das gorduras e dos carboidratos e também está presente nos alimentos de origem animal, na ervilha, lentilha, cacau, castanhas etc. Dá para obtê-lo tanto em alimentos de origem animal como vegetal."

Coelho diz que indiretamente consumimos metais, como mercúrio e alumínio, que em grandes concentrações podem trazer toxicidade para o nosso organismo. "A contaminação de mercúrio pode ocorrer com o consumo de peixe; o alumínio é comum ser usado em alguns desodorantes", explica a nutricionista.

Repercussão do caso

O consumo dos jogadores gerou críticas nas redes sociais após o vídeo ser compartilhado. Uma delas foi feita pelo padre Julio Lancellotti, que escreveu: "Enquanto milhões pelo mundo passam fome, nos chega um vídeo deste, acintoso, e que causa indignação e tristeza."

Em entrevista ao podcast PodPah, o ex-jogador Ronaldo rebateu as críticas dizendo que o consumo do prato "não tem nada de errado e inclusive pode ser inspirador para outras pessoas".

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