Descrição de chapéu The New York Times Viver

Consumo de bebidas alcóolicas cai com Ozempic e cientistas buscam respostas

Pacientes relatam mudança nas sensações oferecidas pelo álcool; relação ainda é investigada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dani Blum
The New York Times

Na fase em que Eva Monsen estava bebendo mais –no período exaustivo da pandemia de coronavírus—, ela tomava meia garrafa de vinho por dia. Antes da pandemia, Monsen, 46, não bebia regularmente, mas ela acabou ficando dependente de várias taças diárias de vinho para conseguir relaxar e amenizar a tensão da vida em isolamento.

Em agosto de 2022, seu endocrinologista lhe prescreveu Ozempic para tratar o diabetes. Monsen diz que quase imediatamente perdeu o desejo de beber. Quando ela se servia de um cálice de vinho, "não me dava prazer algum".

Por um lado, sentia falta da sensação reconfortante de estar levemente embriagada. Mas quando tentou beber, quando estava tomando Ozempic, sentiu tontura e náuseas –e não a sensação de estar um pouco bêbada. "Eu simplesmente não conseguia mais ter aquela sensação prazerosa de relaxar", conta Monsen, que hoje vive em Seattle. Hoje ela praticamente não bebe mais.

Bebidas
Pacientes que utilizam Ozempic relatam alterações em sua relação com o álcool - Adobe Stock

Com o Ozempic ganhando atenção crescente, e cada vez mais pessoas usando esse medicamento para diabetes com a finalidade de perder peso, médicos dizem que muitos pacientes vêm relatando experiências semelhantes: "Eles começam a tomar o medicamento e perdem a vontade de tomar bebida alcoólica".

"Muitos de meus pacientes já me disseram isso, e geralmente encaram como algo positivo", diz Robert Gabbay, diretor científico e médico da ONG de combate ao diabetes American Diabetes Association.

Tina Zarpour, 46, trabalha num museu em San Diego. Ela tinha o hábito de tomar um cálice de vinho algumas vezes por semana enquanto preparava o jantar. Mas em 2021, depois de começar a usar Wegovy –medicamento para perda de peso contendo semaglutida, o princípio ativo do Ozempic--, passou a sentir aversão ao álcool. Ela tentava tomar um drinque, mas tinha dificuldade em tomar tudo.

Mesmo durante um almoço para festejar um aniversário, o tipo de evento social em que ela normalmente tomaria um ou dois coquetéis, ela não conseguia beber nada alcoólico. Acabava pedindo um chá. "Eu não esperava por isso", comenta, mas afirma estar grata porque isso a ajudou a reduzir seu consumo de álcool.

Cientistas estão investigando por que pessoas como Zarpour apresentam esse efeito colateral. Há algumas pistas: a semaglutida faz parte de uma classe de medicamentos chamados agonistas dos receptores do "peptídeo semelhante a glucagon 1", que imitam a ação de um hormônio que provoca a sensação de saciedade.

A semaglutida ajuda a controlar os níveis de insulina e glicose no sangue e pode também afetar as áreas do cérebro que regulam o desejo por comida, aponta Janice Jin Hwang, diretora da divisão de endocrinologia e metabolismo da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte. Algumas pessoas que usam Ozempic relatam sentir menos desejo dos alimentos que antes gostavam, ou mesmo sentir aversão a eles. Não está claro por que essa reação pode se estender também ao álcool.

Quase todas as pesquisas dos últimos dez anos sobre os agonistas dos receptores do GLP-1 e bebida alcoólica foram feitas com animais e com compostos semelhantes à semaglutida, mas não idênticos. Foi demonstrado que ratos, camundongos e macacos que receberam agonistas dos receptores do GLP-1 consumiram menos álcool e demonstraram sentir menos desejo por ele do que os animais que não recebem o medicamento. (Estudos realizados com animais envolvendo essas substâncias e drogas como nicotina, opiáceos e cocaína tiveram resultados semelhantes.)

Contudo, descobertas feitas em pesquisas com animais muitas vezes não são as mesmas quando feitas com humanos, indica Christian Hendershot, professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte que estuda se a semaglutida pode afetar o consumo de álcool de pessoas com alcoolismo. Mesmo assim, diz ele, quando pacientes relatam efeitos semelhantes aos obtidos em estudos com animais, "isso é sinal de que há alguma coisa concreta ali".

Estão sendo conduzidos alguns estudos com humanos sobre álcool e medicamentos com o Ozempic. Pesquisadores na Dinamarca (alguns dos quais tiveram no passado pesquisas financiadas pela Novo Nordisk, a empresa que fabrica o Ozempic) publicaram recentemente os resultados de um ensaio clínico que testou outro agonista dos receptores de GLP-1 em pacientes com alcoolismo. O estudo incluiu quase 130 pessoas e examinou se as que receberam o fármaco e ao mesmo tempo fizeram TCC (terapia cognitiva comportamental) beberam menos que pessoas que tomaram um placebo e fizeram a terapia.

O consumo de álcool diminuiu nos dois grupos, mas pacientes diagnosticados com obesidade que foram tratados com o composto de GLP-1 e a TCC reduziram fortemente seu consumo de álcool, em comparação com os que receberam apenas o placebo e a terapia.

Enquanto não houver uma orientação científica mais definitiva, as pessoas que usam Ozempic terão que encarar por conta própria os efeitos às vezes inesperados da droga. Mesmo algumas que bebiam apenas moderadamente antes de começar o medicamento acabam evitando o álcool.

J. Paul Grayson, 73, de Clayton, Oklahoma, costumava sempre ter um pacote de seis cervejas na geladeira. Mas três meses depois de começar com Ozempic parou de comprar bebida alcoólica, exceto quando come fora de casa. Antes ele tomava duas cervejas com o jantar –uma quando se sentava à mesa e outra na metade da refeição--, mas hoje, conta, mal consegue tomar a primeira cerveja aos golinhos.

Ele previa que seus hábitos alimentares mudassem depois de começar com o medicamento –seu desejo de alimentos com alto teor de gordura e açúcar diminuiu, e ele passou a comer porções menores–, mas não havia imaginado que teria aversão ao álcool.

"Foi isso que me surpreendeu", ele diz. "Você passa a ter vontade de fazer aquelas coisas que os médicos sempre lhe recomendaram."

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.