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Como envelhecer e continuar gay?

Faltam exemplos de homossexuais que ganharam cabelos brancos e continuaram bem

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Cris Beam
The New York Times

Uma tarde, não muito tempo atrás, eu estava caminhando com minha parceira perto da Times Square, em Nova York, e fomos abordadas por um homem que distribuía panfletos. "Pegue um para sua mãe", disse ele à minha companheira. Eu parei, gelada.

"O que você disse?" O braço de Sonja estava sobre meus ombros, e eu me livrei dele para encarar o homem de frente. "Você acha que eu sou a mãe dela?"

O homem olhou nos meus olhos. Ele provavelmente tinha 40 anos –dez menos que eu. Eu estava usando máscara. Puxei-a para baixo.

"Desculpe, desculpe", ele gaguejou.

Não há receita para o envelhecimento de uma mulher lésbica - Alberto/Adobe Stock

Sonja me puxou para ir embora. Fomos, mas quando estávamos no meio do quarteirão o homem nos seguiu para tentar mais uma vez a reconciliação.

Ele apontou para o meu traseiro e disse que parecia um pêssego.

O preço da passagem de volta ao reino da juventude era a objetificação.

Fiquei chateada e, para me acalmar, Sonja disse que o erro poderia ser atribuído à ocupação dele. O homem tinha que escanear centenas de rostos em uma hora, talvez milhares. Ele não estava realmente olhando para ninguém. Ele só viu meu cabelo, que é grisalho, e fez um cálculo rápido. Sonja é dois anos mais velha que eu, mas seu cabelo é quase todo loiro avermelhado. "Você ainda tem cara de bebê", disse ela. "Pensar que você poderia ser minha mãe é loucura."

Mas então aconteceu de novo. Outro homem, outra esquina. "Você e sua mãe parecem dois docinhos", disse ele. Desta vez, comecei a pensar seriamente em pintar o cabelo.

Sonja me pediu para não pintar. Ela gosta das minhas mechas prateadas. Eu uso meu cabelo bagunçado e acho que pareço legal, mas talvez esteja confusa. Talvez eu apenas pareça uma daquelas mulheres mais velhas que usam tesouras para se agarrar à juventude. Eu sou uma mulher mais velha? As palavras parecem bolas de gude na minha boca.

Os homens na rua podem ter me confundido com a mãe de Sonja por causa do preconceito heterossexual: eles simplesmente não conseguiam ver a situação gay, mesmo com as pistas, mesmo que meu braço estivesse em volta da cintura dela. A pergunta é: por que eu me importo? Suponho que seja o seguinte: o problema de não sermos vistas é que nem sempre sabemos nos ver.

Lembro-me de quando eu era criança e todas as outras meninas falavam sobre crescer e se casar. Elas fantasiavam sobre seus futuros maridos, e eu sentia um frio na barriga por saber que, de alguma forma, eu não teria aquela vida. O problema não era que eu não pudesse me encaixar, mas sim que simplesmente não conseguia me imaginar. Eu não conhecia nenhuma pessoa gay, não tinha a palavra para o que eu certamente me tornaria. Meu futuro não tinha uma visão.

Algo semelhante está em jogo agora. Não tenho contexto cultural para imaginar meu próprio envelhecimento. Existem poucos filmes americanos sobre lésbicas de meia-idade ou mais velhas –significativamente, "Minhas Mães e Meu Pai" de 2010, e um pequeno filme chamado "Cloudburst", de 2011, sobre um casal de lésbicas que foge de sua casa de repouso para fazer uma viagem até a fronteira do Canadá.

Existem filmes de arte muito menores que capturam mulheres gays mais velhas –notavelmente, "Nitrate Kisses" de Barbara Hammer, de 1992. Esse saiu quando eu estava na faculdade, embora só o tenha visto muito mais tarde. "Nitrate Kisses", ao que parece, só está disponível em DVD agora, então não está no grande circuito, mas contém cenas de um casal mais velho fazendo sexo. Era subversivo na época, e ainda é.

Quando eu estava na faculdade, na Universidade da Califórnia em Santa Cruz, conheci uma professora lésbica mais velha por quem me apaixonei. Ela estava na casa dos 70 anos e eu na dos 20, e ela me ofereceu uma visão de envelhecer que ainda conservo. Marge Frantz usava o cabelo curto e branco (não consigo imaginar que ela se preocupasse em tingi-lo) e morava perto do campus com sua antiga parceira, Eleanor.

Marge lecionava no que era então chamado de departamento de estudos femininos, e aprendi com ela sobre a intersecção do marxismo com o feminismo. Eu a seguia por toda parte, não só porque ela era brilhante, mas porque me oferecia um caminho que eu nunca tinha visto, nem na minha família, nem na vizinhança ou em qualquer mídia. Marge era intelectual, velha e gay. Parecia que eu poderia ter uma vida.

Marge morreu em 2015, muito depois de eu ter me mudado para Nova York e nós termos perdido o contato. Ela estava em uma casa de repouso no final, e li que Eleanor, que viveu até os 108 anos, estava ao seu lado.

Eu me pergunto como Marge e Eleanor, quando ela a visitava, eram tratadas na casa de repouso. Isso foi em Santa Cruz, cidade famosa como esquerdista, então talvez elas fossem respeitadas como as parceiras que eram. Eu odiaria pensar que foram rebaixadas para amigas, mas aparentemente apenas 18% das instituições de longa permanência em todo o país têm políticas de não discriminação por orientação sexual.

Enquanto penso em Marge e no homem da rua me confundindo com alguém da idade dela, percebo que não é o medo de parecer uma pessoa mais velha, mas de me tornar uma pessoa mais velha, que corrói por dentro. Envelhecer e ser gay parece uma queda livre. Tenho medo de perder minha comunidade, meu senso de identidade e, francamente, meu sustento.

A verdade é que vivi uma vida não tradicional –preenchi com uma família que escolhi, criei um adolescente da minha comunidade que não está em condições de cuidar de mim no futuro, tive muitos empregos ilógicos para sobreviver como escritora. (O bom de ser gay é que isso quebra os elos da expectativa; você já está fazendo algo surpreendente, que permite que você viva sua vida de outras maneiras além do cercadinho.) Mas não é tão bom para planejamento em longo prazo.

Quase não há estudos sobre gays e lésbicas mais velhos, e os poucos que existem parecem terríveis. Temos uma economia significativamente menor do que nossas contrapartes normais, e temos 20% menos probabilidade de acessar os serviços do governo, como assistência habitacional, programas de alimentação, centros de idosos e assim por diante. É menos provável que tenhamos seguro-saúde, menos provável que procuremos médicos. Enfrentamos mais condições médicas. Um número maior de nós vive sozinho. E assim por diante.

Talvez minha parceira e eu possamos entrar em uma das dez ou mais comunidades de aposentados específicas para LGBTQIA+, embora eu duvide que possamos pagar por isso (salário de escritora). E além disso, pelo que sei, são apenas dez. Não consigo imaginar muitas lésbicas mais velhas andando por aí em carrinhos de golfe, mas talvez todas tenham feito as malas e ido para o deserto. Não sei.

Como eu disse, não vejo muitas delas por aí. Talvez não haja a massa crítica de gays e lésbicas mais velhos visíveis porque, simplesmente, os mais velhos não tiveram a mesma oportunidade de viver de maneira óbvia em sua juventude. Com leis e cultura mais homofóbicas, eles e elas eram mais frequentemente forçados a entrar no armário, e assim permaneceram. Minha geração é a primeira a esperar tratamento igualitário, ou algo parecido, à medida que envelhecemos.

Não é que eu queira algo específico que as pessoas heterossexuais têm e eu não –eu quero algo que ainda não consigo ver ou entender. Assim como tive uma maneira gay de ser jovem, quero um caminho gay para envelhecer.

É difícil não ter um roteiro. Afinal, se deixamos de ser vistos como sexuais na meia-idade, como podemos ser vistos por nossa sexualidade? As mulheres heterossexuais ainda são marcadas com precisão como as esposas ou mães que são –há um lugar para elas na imaginação popular. Mas nós, lésbicas, somos mal identificadas. Nós nos tornamos mães, irmãs ou amigas de nossas parceiras, e não consigo suportar isso. Eu construí uma vida inteira marcando orgulhosamente meus rastros como uma pessoa gay –destacando-me–, e não sei o que significa me misturar de repente.

Talvez, se eu pudesse falar com Marge agora, ela me diria que entendi tudo errado e que envelhecer é o grande unificador. Talvez não haja uma lente gay sobre o envelhecimento porque não importa tanto quando o jogo começa a mudar. Claro, é importante que sua parceira a visite no hospital, ser tratada com dignidade pela vida que você viveu, mas também –todos nós andamos passo a passo com nossa mortalidade, e simplesmente não há nada de gay ou hétero nisso. Eu me pergunto se estou procurando uma resposta gay para um problema universal.

Ainda assim, sei que há um ângulo especificamente gay nisso tudo. Como o homem da rua me mostrou, não tenho medo apenas de envelhecer, mas de perder o eu que conheci. Não só tenho medo de ser mal reconhecida, mas de eu mesma não me compreender.

Enquanto me preparo nos próximos anos para ficar mais frágil ou renunciar ao meu arbítrio, memória ou capacidade, também renuncio à minha identidade em um mundo ansioso para me apagar. Provavelmente seria mais fácil pintar meu cabelo, voltar a pelo menos parecer uma sapatão desarrumada mais jovem em meio a todas as outras como eu e no espelho, onde ainda posso imaginar que tenho todo o tempo do mundo.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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