Depoimento
Sou cientista, mas é insuportável ver minha mãe definhar
Há três meses, tomei um calmante pela primeira vez. Tinha acabado de ler o resultado de um exame de sangue da minha mãe, Carmen, 76, que mostrava que ela estava com câncer. Só restava saber onde.
Ela foi diagnosticada com adenocarcinoma pulmonar, um tipo de câncer que afeta não fumantes. O tumor chegou aos ossos e causa dores terríveis, que a morfina mal controla.
Começamos uma luta contra algo que a gente não compreende direito —nem os médicos.
Junto com a quimioterapia, comecei a torcida, as orações, os pensamentos positivos —e os estudos. Como cientista e jornalista de ciência, fui buscar artigos científicos sobre a doença.
Estava interessada nos últimos trabalhos sobre câncer e fosfoetanolamina —a substância da USP que poderia curar tumores.
Com ajuda de um colega especialista, Estêvão Gamba, doutorando da Unifesp, achamos 94 trabalhos sobre os efeitos da substância em alguns tipos de câncer, como mama.
Os estudos apontam bons resultados em ratos e em cultura de células humanas, mas não encontramos pesquisas com humanos.
Eu sei bem o que isso significa. Sei que ministrar uma substância sem testes em humanos é arriscado. Os efeitos colaterais são desconhecidos. Mas quando se está diante de uma doença dessas, como analisar riscos de um tratamento que parece ser uma última esperança?
Ainda estamos na expectativa do efeito da quimioterapia no caso da minha mãe —estudos mostram que pacientes com boa saúde e confiantes no tratamento podem responder melhor aos fármacos.
Se isso acontecer, ótimo.
Caso contrário, que se danem os protocolos científicos. Sou cientista, sim, mas sou também a filha da Carmen e sei que é insuportável ver a minha mãe —sempre tão falante, animada e forte como uma típica alemã– definhar.
SABINE RIGHETTI é jornalista e doutoranda em política científica pela Unicamp
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