Anvisa quer apertar mais o cerco contra gordura trans

Agência abriu processo para aumentar restrição à substância ou até bani-la

Natália Cancian
Brasília

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) abriu um processo para aumentar a restrição ao uso de gordura trans em alimentos industrializados e avalia até proibi-la.

A ideia é estudar modelos para reduzir a presença desse tipo de gordura, usada para aumentar o prazo de validade e garantir textura e crocância aos produtos.

Faca sendo passada sobre e acumulando margarina
Margarina é um dos alimentos que contêm gordura trans - Eduardo Knapp/Folhapress

O tema da iniciativa, cuja discussão foi aprovada formalmente pela agência neste mês, já era debatido por entidades de saúde e, desde 2004, pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Estudos apontam que esse tipo de ingrediente, gerado em processo industrial que transforma óleos em gordura consistente, reduz os níveis de colesterol HDL (“bom”), aumenta o LDL (“ruim”) e eleva o risco de doenças cardiovasculares.

“A gordura trans industrial é uma gordura inventada pelo homem, em laboratório. Ela não existe na natureza, e nosso organismo não a reconhece”, afirma Rossana Proença, professora de pós-graduação em nutrição da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Com a medida, produtos em que a gordura trans industrial costuma ser mais encontrada, como margarinas, sorvetes, bolos e biscoitos, por exemplo, devem entrar na mira da regulamentação.

Há duas opções em análise. A primeira é a imposição de limites máximos de gordura parcialmente hidrogenada a ser permitida na produção dos alimentos industrializados. A segunda é a proibição.

“Vamos começar a ver quais são as consequências de impor limites ou banir a gordura trans. Se pudermos banir, melhor, porque significa dizer que a população não precisará consumir uma substância que é maléfica”, afirmou o diretor da Anvisa Renato Porto, relator da proposta.

Segundo ele, no entanto, eventuais “impasses” também serão analisados. A intenção é que a proposta seja finalizada até o fim deste ano.

PRESSÃO PELO FIM

Até lá, entidades prometem aumentar a pressão, com base no exemplo de outros países. O primeiro a adotar medidas foi a Dinamarca, em 2003, com regra que limita a gordura trans a 2% do total de gorduras. Áustria, Hungria, Islândia, Noruega e Suíça depois estabeleceram limites semelhantes.

Em junho de 2015, os Estados Unidos também decidiram pelo banimento, com prazo inicial de três anos para adequação.

“Considerando o impacto negativo tão grande desse tipo de gordura, entendemos que a proibição do uso seria o ideal”, diz a nutricionista Ana Paula Bortoletto, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Ela lembra que, desde 2003, a informação sobre a presença de gordura trans passou a ser obrigatória nos rótulos. Ainda assim, quem tenta decifrar a tabela nutricional encontra desafios.

Um deles é a definição. Pesquisa ligada ao Nuppre (Núcleo de Pesquisa de Nutrição de Produção de Refeições), da UFSC, por exemplo, apontou até 14 nomes diferentes nos rótulos para gordura trans —de “gordura vegetal hidrogenada” a “óleo vegetal hidrogenado” ou até apenas “hidrogenada”.

Outro problema é a quantidade desses ingredientes. Pela norma, alimentos que tiverem até 0,2 g “por porção” não precisam ter o ingrediente declarado. “Mas uma porção às vezes de um biscoito, por exemplo, é 2,5 biscoitos. É muito diferente do que as pessoas realmente comem”, afirma Rossana Proença.

IMPASSES

Ao mesmo tempo em que recebe apoio de entidades, a proposta de aumentar a restrição deve passar por embates junto às indústrias.

Nos últimos anos, parte do setor já participava de acordos com o Ministério da Saúde para reduzir, de forma voluntária, o percentual de gordura trans nos alimentos.

Segundo a Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação), entre 2008 e 2016, ao menos 310 mil toneladas foram retiradas.

A imposição de novas medidas, no entanto, deve abrir novos debates. Entre os principais pontos citados pela indústria estão a possível redução nos prazos de validade e um aumento nos custos.

“Sabe-se que a redução da gordura trans tem muitos desafios para a indústria, pois há que se trabalhar em matérias-primas alternativas, estudo e desenvolvimento de novas formulações e adaptação das linhas de produção”, informa a Abia, em nota.

De acordo com a associação, algumas opções disponíveis para substituir a gordura trans —como o uso de gorduras naturalmente duras, como óleo de palma— podem custar entre 25% e 140% mais caro. “Além dos custos, outros desafios também estão em corresponder às expectativas dos consumidores quanto à crocância, textura e sabor, com valores competitivos e opções que contribuam com a saúde”, diz a nota.

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