Empresas de alimentos reduzem propagandas voltadas para crianças

ONG e entidades, porém, são contrárias a qualquer direcionamento para público infantil

Gabriel Alves
São Paulo

Após a implantação, ao longo de 2017, de um compromisso firmado por 11 grandes empresas de alimentos que atuam no Brasil, o número de propagandas para crianças de produtos por elas considerados inadequados despencou.

Salgadinho industrializado
Salgadinho industrializado - Eduardo Knapp/Folhapress

A queda foi de 100% em peças publicitárias televisivas, de 98,6% na internet e de 97% em cinemas. Esse valor residual estaria relacionado a falhas na divulgação de conteúdo por parceiros. Foram centenas de casos analisados.

O anúncio foi feito nesta terça (20), em São Paulo, por executivos de algumas dessas indústrias.

As empresa signatárias se comprometem, por exemplo, a não fazer anúncios de chocolates e refrigerantes para crianças; outros produtos têm propaganda liberada, como sucos 100% fruta e balas sem açúcar. Outros caem em uma classificação intermediária —para poderem ser anunciados, têm de atender critérios nutricionais padronizados.

Grazielle Parenti, diretora de assuntos corporativos e governamentais da Mondelez (dona de marcas como Lacta, Club Social e Philadelphia) afirma que “a publicidade é, mesmo que em menor parte, responsável pela obesidade infantil”. Segundo ela, os adultos é que tem de ser alvo das peças publicitárias, já que eles são os decisores das compras.

Algumas instituições e setores da sociedade discordam, no entanto, que haja qualquer nível seguro ou aceitável de publicidade voltada para crianças.

O programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, por exemplo, tem como bandeira o combate à publicidade infantil baseado em uma resolução do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), órgão colegiado ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Para eles, essas ações são abusivas e ilegais.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Opas (Organização Pan-americana da Saúde) também já se manifestaram contrariamente à existência de qualquer tipo de publicidade direcionada a esse público.

As empresas de alimentos, por sua vez, consideram que uma proibição total seria inadequada. Segundo Parenti, as iniciativas do Compromisso pela Publicidade Responsável estão resguardadas pelo direito à publicidade garantido pela Constituição.

Participam do acordo voluntário Agora, Coca-Cola Brasil, Ferrero, General Mills, Grupo Bimbo, Kellogg's, Mars, McDonald’s, Mondelez, Nestlé, PepsiCo e Unilever. As empresas não revelam qual foi o montante investido para assegurar o cumprimento das metas voluntárias. Há a expectativa de que, a partir de agora, novas companhias se juntem ao grupo.

Ricardo Zibas, sócio-diretor da KPMG, empresa de auditoria contratada para monitorar o cumprimento das metas voluntárias, afirma que foi desenvolvido um sistema eletrônico de monitoramento baseado em palavras-chave para verificar casos de aderência e não aderência das peças publicitárias às normas.

Os períodos avaliados foram as férias escolares (janeiro), a páscoa (março e abril), Dia das Crianças (outubro) e Natal (dezembro).

PICOLÉ E HAMBÚRGUER

Um exemplo que ilustra uma categoria que pode ser anunciada, mas que depende dos parâmetros nutricionais são os picolés. Tomando como exemplo o Magnum, da Kibon (marca que pertence à Unilever), de 74 gramas, são 223 kcal e 20 gramas de açúcar por unidade.

Se considerarmos a porção normalizada de 100 gramas, o Magnum fica com 285 kcal e 25,6 gramas de açúcar por porção —acima dos limites de 110 kcal e 20 gramas de açúcar por porção estipulados para alimentos dessa categoria poderem estrelar peças publicitárias para crianças.

Refeições prontas para crianças (almoço ou jantar), devem ter no máximo 510 kcal, menos de 660 mg de sódio e menos de 10% das calorias provenientes de gordura.

Um McLanche Feliz, por exemplo, pode chegar 565 kcal, se composto por cheeseburguer, batata tamanho kids, suco de laranja e Danoninho. Se o suco for trocado por água, a batata por tomatinhos e o cheeseburger por hambúrguer, o McLanche feliz pode até ficar um pouco triste, mas ganha direito de ser anunciado até como lanche da tarde, com 302 kcal.


COMPROMISSO DA INDÚSTRIA

O que pode e o que não pode ser anunciado?

Não podem ser anunciados para grupos compostos em 35% ou mais de crianças menores de 12 anos, seja abusando de cores, durante programação voltada para eles, ou com personagens infantis, por exemplo:

  • chocolates
  • doces
  • refrigerantes

Podem ser anunciados, desde que sejam seguidas normas nutricionais padronizadas:

  • Óleos e gorduras com base vegetal e animal, e produtos à base de gordura e molhos emulsionados
  • Frutas, vegetais e sementes e seus produtos, exceto óleo
  • Leites, produtos lácteos e substitutos do leite
  • Produtos à base de cereal
  • Sopas, pratos compostos, pratos principais e sanduíches
  • Refeições para crianças
  • Sorvetes

Podem ser anunciados sem qualquer restrição:

  • Água engarrafada
  • Suco 100% fruta
  • Produtos 100% à base de fruta ou vegetal, sem adição de sal, gordura ou açúcar
  • Produtos 100% à base de sementes e castanhas, sem adição de sal, gordura ou açúcar
  • Carne crua
  • Gomas e balas “sugar free”
     
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