Descrição de chapéu The New York Times

Pesquisa infecta humanos com 20 vermes da esquistossomose

Ideia é desenvolver vacina contra doença que afeta 200 milhões de pessoas em todo o mundo

Heather Murphy Gabriel Alves
New York Times e São Paulo

Na Holanda, 17 voluntários aceitaram hospedar vermes em seus corpos por 12 semanas, a fim de ajudar no desenvolvimento de uma vacina para a esquistossomose. 

A doença atinge mais de 200 milhões de pessoas por ano e mata milhares, especialmente na África subsaariana e na América do Sul.

"Parece estranho e louco. A ideia de ter um verme crescendo dentro de você é horrível", diz Meta Roestenberg, infectologista no Centro Médico da Universidade de Leiden, que comanda a pesquisa. 

Ela diz, porém, que o risco para os voluntários é pequeno, especialmente se comparado aos potenciais benefícios da vacina. Um conselho de ética médica holandês concordou com sua avaliação.

Casal de parasitas da espécie Schistosoma mansoni; o macho é mais largo, e a fêmea é mais cilíndrica e comprida
Casal de parasitas da espécie Schistosoma mansoni; o macho é mais largo, e a fêmea é mais cilíndrica e comprida - Nibsc/Science Source

Outros pesquisadores que trabalham para curar a doença, no entanto, não endossam o estudo, porque temem que não haja forma de garantir que todos os minúsculos parasitas sejam removidos dos hospedeiros ao final do teste.

As larvas dos vermes podem se alojar no fígado ou bexiga, gerando respostas imunológicas capazes de provocar dor crônica, falência de órgãos, hemorragias internas ou uma infecção ginecológica.
Pelo menos duas potenciais vacinas para a esquistossomose foram aprovadas recentemente para testes iniciais em pacientes humanos. 

Dinheiro

O caminho tradicional para testá-las, ao custo de milhões de dólares, seria por meio de um estudo em uma área afetada, com voluntários que já tenham sido expostos aos vermes.

"Você se vê apanhado em uma armadilha", diz Peter Hotez, diretor da Escola Nacional de Medicina Tropical do Baylor College of Medicine, no Texas, que passou os últimos 15 anos tentando desenvolver uma vacina para a esquistossomose. 

Ele diz que os investidores desejam provas de que a vacina funcionará em pacientes humanos, antes de liberar verbas, mas obter provas sem dinheiro para testes é complicado.

O estudo de Roestenberg, em um formato conhecido como "desafio experimental", tem por objetivo provar que existe maneira rápida e de preço acessível para testar a vacina em pessoas. Mas ainda haveria muitas incertezas. 

A primeira exposição de uma pessoa a larvas de S. mansoni pode causar uma reação aguda conhecida como febre de Katayama ou uma infecção do sistema nervoso central que em raros casos é capaz de causar danos neurológicos irreversíveis ou morte.

Ao expor voluntários jovens e saudáveis a apenas 20 larvas de macho, incapazes de reprodução dentro do organismo do anfitrião, Roestenberg diz ter minimizado fortemente os riscos.

Mas ainda que a saúde dos voluntários possa ser garantida, Hotez questiona se eles sofrerão infecções detectáveis a ponto de permitir determinar se a vacina funciona.

Assim que as larvas atravessaram as peles dos participantes, todos exibiram sinais de irritação cutânea. Um sofreu uma leve febre. Mas tudo isso era esperado, e eles têm cuidados médicos em período integral disponíveis. 

No final do estudo, todos receberão a droga praziquantel, que supostamente elimina qualquer infecção e mata os vermes remanescentes.

Daniel Colley, da Universidade da Geórgia, disse à revista Science, que reportou o estudo, que o praziquantel "não é assim tão efetivo". "Isso é tempo demais para ter algo um esquistossomo vivendo em seus vasos sanguíneos."

Cada voluntário recebeu cerca de US$ 1,2 mil (R$ 3.900) pelo transtorno.

CRIATIVIDADE

O desenvolvimento de medicamentos e vacinas contra doenças negligenciadas quase sempre é prejudicado pela falta de interesse econômico.

No caso da pesquisa comandada por Meta Roestenberg e seus colegas da Holanda, na qual buscam meios de testar uma vacina contra a esquistossomose, encontrou-se uma alternativa aos caríssimos testes em campo com milhares de pessoas.

O que eles fizeram foi um esquema de infecção controlada de voluntários-- prova de conceito que poderia custar milhões de dólares. Ainda não há consenso de que essa seja a melhor das ideias, porém.

Outras vacinas também superaram obstáculos graças à criatividade de pesquisdores. Um exempo é a vacina contra o ebola testada em 2015 e que apresentou eficácia estimada acima de 90%.

Não havia meios de acordo com os métodos cientificamente consagrados para testar uma nova vacina simultaneamente a uma epidemia. O jeito foi desenhar uma nova modalidade de estudo, que ficou conhecida como imunização em anel.

Aos adultos mais próximos de quem era diagnosticado com ebola --doença que mata em metade dos casos-- era ofertada a vacina, que podia ser aplicada em dois momentos: imediatamente ou após três semanas.

O resultado foi considerado um sucesso por cientistas em todo o mundo. Dificilmente um estudo do tipo seria tão bem tolerado em outra situação.

Um experimento talvez menos perigoso, mas igualmente criativo, aconteceu há alguns anos, em 2014, na Austrália.

Cientistas supunham que a alteração que o verme Necator americanus causa na resposta inflamatória do organismo poderia ajudar a atenuar as reações intestinais causadas pela ingestão de glúten, presente em pães, massas e alguns grãos.

Deu certo. Dez dos 12 que receberam os vermes pararam de ter reações, como sensação de inchaço e diarreia, ao ingerir alimentos com glúten. 

Alguns pacientes gostaram tanto do resultado que resolveram manter os vermes no organismo.

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