Infecções causadas por carrapatos e mosquitos se espalham nos EUA

Número de doentes mais que triplicou nos últimos anos, diz relatório de órgão federal de saúde

Donald G. McNeil Jr.
The New York Times

Os dias descuidados de verão são coisa do passado.

O número de pessoas que estão contraindo doenças transmitidas por picadas de mosquitos, carrapatos e pulgas mais que triplicou nos Estados Unidos, nos últimos anos, de acordo com um relatório divulgado na terça-feira pelas autoridades federais de saúde americanas. De 2004 para cá, pelo menos nove doenças transmitidas dessa forma foram descobertas ou redescobertas nos Estados Unidos.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), uma agência federal americana, não sugeriu que os cidadãos abandonem seus planos de jogar softball ou dormir ao ar livre em uma rede, quando chegar o verão. Mas as autoridades enfatizaram que é vez mais importante que todos —especialmente as crianças— se protejam contra insetos por meio de repelentes.

O mosquito Aedes aegypti, que transmite doenças como dengue, zika e chikungunya
O mosquito Aedes aegypti, que transmite doenças como dengue, zika e chikungunya - Reuters

Novas doenças transmitidas por carrapatos, como o flebovírus Heartland surgiram no território continental dos Estados Unidos, enquanto casos de doença de Lyme e outras infecções estabelecidas continuam a avançar. Nos territórios ilhéus dos Estados Unidos, como Porto Rico, a ameaça são mosquitos que transmitem doenças como o zika e a dengue.

A temperatura mais alta é causa importante dessa tendência, de acordo com o diretor de um estudo publicado esta semana no boletim médico Morbidity and Mortality Weekly Report, do CDC.

Mas o autor, Lyle Petersen, diretor de combate a doenças vetoriais no CDC, se recusou a vincular a questão à mudança do clima, um assunto politicamente controverso, e o relatório não menciona a mudança do clima ou o aquecimento global. Há outros fatores envolvidos, ele enfatizou, entre os quais o maior uso de viagens aéreas e a falta de vacinação.

"Os números de algumas dessas doenças se tornaram astronômicos", disse Petersen.

Os dirigentes do CDC pediram mais apoio das autoridades estaduais e locais de saúde. As agências locais "são nossa primeira linha de defesa", disse Robert Redfield, o novo diretor do CDC, que está enfrentando um profundo corte de verbas. "Devemos reforçar nosso investimento na capacidade delas para combater essas doenças".

Ainda que os departamentos de saúde municipais e estaduais tenham recebido injeções de verbas em momentos de crise de saúde como a epidemia de zika em 2016, sua situação orçamentária costuma ser precária. Uma recente pesquisa entre agências que buscam controlar a proliferação de mosquitos constatou que 84% delas precisavam de ajuda até para questões básicas como vigilância e testes de resistência a pesticidas, disse Petersen.

Entre 2004 e 2016, cerca de 643 mil casos, de 16 doenças transmitidas por insetos, foram reportados ao CDC —o total subiu de 27 mil casos em 2004 a 96 mil em 2016. (2004 foi escolhido como ano base porque foi então que a agência começou a solicitar relatórios mais detalhados sobre esse tipo de doença.)

O número real de casos é com certeza muito mais alto, disse Petersen. O CDC estima, por exemplo, que cerca de 300 mil americanos sejam infectados pela doença de Lyme a cada ano, ainda que apenas 35 mil desses casos sejam diagnosticados.

O estudo não se estendeu sobre os motivos da alta, mas Petersen afirmou que era provável que ela tivesse muitas causas, entre as quais duas relacionadas ao clima: carrapatos que passam a se multiplicar em regiões que antes eram frias demais para eles, e ondas de calor que causam surtos de doenças transmitidas por mosquitos.

Outros fatores, ele disse, incluem a alta no número de viagens internacionais, o reflorestamento de áreas suburbanas, e a escassez de vacinas novas para conter surtos.

O aumento no número de viagens aos trópicos significa que vírus antes obscuros como o zika e a dengue percorrem distâncias muito maiores, transportados no sangue humano. (Em contraste, a teoria sobre a malária e a febre amarela é que tenham chegado à América em navios de transporte de escravos três séculos atrás.)

Um bom exemplo, disse Peterson, era o chikungunya, doença que causa dores muito severas nas juntas e cujo nome significa "aquele que se dobra".

No final de 2013, uma variedade da doença surgida no sudeste da Ásia chegou a St. Maarten, uma ilha holandesa no Caribe; foi sua primeira aparição no hemisfério ocidental. Em apenas um ano, já haviam sido registrados casos de transmissão local dessa variedade em todos os países da América exceto Canadá, Chile, Peru e Bolívia.

As doenças transmitidas por carrapatos, constatou o estudo, estão em forte ascensão na região nordeste dos Estados Unidos, na parte norte da região Meio-Oeste e na Califórnia. Carrapatos transmitem a doença de Lyme, anaplasmose, babesíase, febre das Montanhas Rochosas, tularemia, vírus de Powassan e outras doenças, algumas das quais descobertas apenas recentemente.

Os carrapatos precisam de roedores ou cervos como principais hospedeiros, e essas espécies prosperaram com o adensamento dos bosques em áreas suburbanas, a redução na caça de cervídeos, e o desaparecimento de espécies como a raposa, que tomavam roedores como presas.

(Um século atrás, havia menos árvores do que hoje, na região nordeste dos Estados Unidos; as florestas retornaram quando a agricultura se transferiu para o oeste e o uso de lenha foi substituído pelo de carvão, óleo e gás, para aquecimento.)

No caso de doenças transmitidas por mosquitos, o maior número de surtos, de 2004 para cá, aconteceu em Porto Rico, nas Ilhas Virgens Americanas e na Samoa Americana. Mas o vírus do oeste do Nilo, que chegou em 1999, agora aparece de maneira imprevisível no território dos Estados Unidos. Dallas, por exemplo, sofreu um grande surto em 2012.

Para a maioria dessas doenças, não existem vacinas ou tratamentos, e assim a única maneira de combatê-las é o controle de mosquitos, que é caro e raramente detém os surtos. Miami foi a única cidade do hemisfério ocidental a conseguir deter um surto de zika por meio de pesticidas.

A única doença transmitida por pulgas mencionada no relatório do CDC é a praga, a bactéria responsável pela peste negra da era medieval. Ela continua rara, mas é persistente: entre dois e 17 casos da doença foram reportados entre 2004 e 2016, a maioria dos quais no sudoeste dos Estados Unidos. A infecção pode ser curada por antibióticos.

Nicholas Watts, médico especializado em questões internacionais de saúde que leciona no University College de Londres e foi coautor de um grande relatório sobre mudança do clima e questões de saúde, em 2017, disse que o tempo mais quente estava causando a difusão de doenças em muitos países ricos, não só os Estados Unidos.

No Reino Unido, as doenças transmitidas por carrapatos estão se tornando mais comuns à medida que o verão se estende, e a malária se tornou mais frequente no norte da Austrália, ele disse.

Mas Paul Reiter, entomologista médico do Instituto Pasteur de Paris, argumenta que alguns ambientalistas exageram a ameaça das doenças relacionadas à mudança do clima.

O período 2003-2014 caiu durante o que ele descreve como "uma pausa" no aquecimento global, ainda que essa interpretação seja contestada por outros especialistas.

Ainda assim, a dinâmica de transmissão das doenças é complicada, e propelida por mais que a temperatura. Por exemplo, a transmissão do vírus do oeste do Nilo também requer a presença de certos pássaros.

Durante o período Dust Bowl, uma grande temporada de secas e tempestades de areia nas pradarias da América do Norte, na década de 1930, a encefalite de St. Louis, um vírus relacionado ao do oeste do Nilo, passou por grande expansão, "e parecia que questões climáticas estavam envolvidas", disse Reiter. Mas na verdade a difusão acelerada da doença se devia mais à alternância entre ondas de frio e calor, e de chuva e sol, e à interação entre duas espécies de mosquitos. A encefalite de St. Louis virtualmente desapareceu, apesar da situação climática.

"É um sistema complicado e multidimensional", disse Reiter.

A. Marm Kilpatrick, ecologista da Universidade da Califórnia em Santa Cruz que pesquisa sobre doenças, disse que muitos outros fatores além do calor estavam em ação nos Estados Unidos, entre os quais "uma correlação entre picos de temperatura e potencial de transmissão".

O tempo quente ajuda na procriação dos mosquitos e carrapatos e na transmissão acelerada das doenças, ele disse. Mas passado um dado ponto, quanto mais quente e seco o tempo, mais rápido os insetos morrem. Assim, a transmissão de doenças a humanos chega a um pico em algum ponto intermediário entre um um verão ameno e um calor infernal.

Os especialistas também apontam que o número mais alto de infecções reportado pode estar associado, ao menos em parte, à realização de maior número de testes.

A doença de Lyme leva médicos a suspeitar de mordidas de carrapatos em pacientes que apresentem febres. Os laboratórios começam a buscar patógenos diferentes em amostras de sangue, especialmente em pacientes que não sofrem da doença de Lyme, e isso leva à descoberta de doenças desconhecidas.
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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