Quatro meses após o STF (Supremo Tribunal Federal) manter a regra da Anvisa que proíbe a produção e a venda de cigarro com sabor, cerca de 90% das marcas desses produtos estão à venda por determinação judicial.
Os dados, obtidos pela Folha, são da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Isso porque a decisão não tem caráter vinculante --ou seja, as empresas podem tentar obter a permissão de venda por meio de ações em outras instâncias.
Devido ao empate no julgamento em 5 a 5, não houve o mínimo exigido de votos favoráveis para derrubar a norma, como pretendia a ação da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Com isso, a resolução, que estava suspensa havia cinco anos por liminar da ministra Rosa Weber, entrou em vigor.
Segundo a procuradoria da Anvisa, ao menos cinco novas ações já foram ajuizadas. O órgão diz que ainda não foi intimado de decisões.
A reportagem, no entanto, localizou ao menos um novo aval favorável à demanda das empresas. Em maio, a 20ª Vara Federal de Brasília obrigou a Anvisa a registrar produtos da Pactual Comércio e Importação, empresa que comercializa fumo para narguilé.
Dias antes, a agência havia negado o registro de produto da empresa devido ao uso de aditivos vetados pela norma de 2012.
A decisão se soma a ao menos duas liminares obtidas pelo Sinditabaco em tribunais federais em anos anteriores que continuam válidas. Entre as beneficiadas estão Philip Morris e Souza Cruz.
Na prática, de 157 marcas de cigarros que usam aditivos proibidos, 141 estão protegidas por liminares --ou 90%.
Movimento semelhante ocorre entre outros produtos derivados do tabaco que também usam aditivos, como narguilés e charutos, embora em volume menor --de 225, ao menos 68 têm liminares.
"Dessa forma, tem-se, na prática, um esvaziamento do julgamento do STF e que havia sido favorável à Anvisa", admite a agência, que afirma que vai recorrer.
Para Felipe Mendes, técnico da comissão nacional para implementação da Convenção-Quadro do Controle do Tabaco, acordo da OMS (Organização Mundial de Saúde) em mais de 160 países, a decisão no STF foi fundamental para a saúde brasileira. "Mas é aquela situação em que o Brasil ganhou, mas não levou."
Para ele, um dos principais riscos dos aditivos é o potencial de atrair jovens para o cigarro. Isso ocorre porque as substâncias disfarçam o gosto amargo do tabaco, tornando a experimentação dos cigarros mais fácil, ao mesmo tempo em que potencializam os efeitos da nicotina, que causa dependência.
Outro problema, segundo Adriana Carvalho, diretora jurídica da ACT Promoção da Saúde (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), está no risco de transmitir informações equivocadas de que, por terem menta e outros sabores, esse tipo de cigarro é mais saudável. "Mas estamos falando de um produto que tem nicotina e causa dependência", diz ela.
Os mesmos argumentos são apresentados pela Anvisa.
Representantes da indústria e do setor de tabaco, por sua vez, alegam que dados de outros países não mostram diferença no número de fumantes jovens com o veto aos aditivos.
"Tem países que usam aditivos e outros que não usam. E a prevalência de fumantes é semelhante", afirma Iro Schünke, presidente do Sinditabaco.
Para ele, a retirada desses produtos pode elevar o mercado ilegal. "Se as empresas legais não pudessem mais vender cigarros como é hoje, o contrabando aumentaria."
ADVERTÊNCIAS
A nova ofensiva da indústria na Justiça não fica restrita à questão dos aditivos.
A resolução recente que estabelece novas imagens de advertência na parte de trás da embalagem dos cigarros também tem sido alvo de ações.
Além de imagens de alertas sobre os efeitos dos cigarros, os modelos previam mensagens diretas aos fumantes, como "Você morre", "você sofre", "você envelhece".
Aprovada em dezembro, a norma deveria entrar em vigor em 25 de maio. A partir dessa data, embalagens antigas não poderiam mais ser vendidas. O estoque remanescente com a embalagem antiga deveria ser recolhido sob pena de multas que poderiam custar R$ 1,5 milhão.
Desde então, sete ações foram ajuizadas, segundo a Anvisa. Uma delas, impetrada pela Abifumo (Associação da Indústria do Fumo), já obteve decisão favorável para prorrogar o prazo até dezembro.
O argumento era de que o prazo inicial era curto para levar à substituição dos estoques e mudança na produção. "O período inicialmente proposto pela Anvisa era de 12 meses. No entanto, ao ser publicada, a resolução trazia um prazo menor que seis meses, o que seria inviável", afirma a associação.
Embora já seja possível encontrar cartazes e maços com as novas advertências, ainda há produtos que não fizeram a troca e continuam com as imagens antigas.
Para a Anvisa, o adiamento traz prejuízos às políticas de combate ao fumo. A recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é que as advertências sejam trocadas a cada cinco anos, sob risco de perderem força.
A última mudança havia sido aprovada em 2009. A Anvisa admitiu que houve demora, mas defendeu a viabilidade da adaptação. "Após o seu prolongado uso, as imagens perdem a sua força junto ao público, não sendo mais eficazes e não mais cumprindo, portanto, seu papel sanitário."
Em nota, a Abifumo diz que, apesar da decisão, as empresas "já estão em fase de adequação às normas sanitárias".
idas e vindas dos aditivos em cigarros
12.mar.2012
Anvisa proíbe uso de aditivos, como mentol e cravo
Nov.2012
CNI (Confederação Nacional da Indústria) entra com ação no STF que questiona norma da Anvisa sobre aditivos
27.ago.2013
Agência atende a pedido da indústria e libera o uso de 121 substâncias para uso excepcional pelo prazo de um ano
13.set.2013
Decisão da ministra Rosa Weber suspende proibição dos aditivos em cigarros. Liminar fica válida até caso ser julgado no plenário do STF
19.dez.2013
Anvisa começa a avaliar aditivos com uso autorizado temporariamente
23.set.2014
Após avaliação de especialistas, Anvisa revoga documento que autorizou o uso dos 121 aditivos em cigarros
1.fev.2018
Ação da CNI é levada a julgamento. Com empate de 5 a 5 entre ministros, STF mantem proibição da Anvisa a cigarros com sabor —para alterar ou derrubar a regra era necessário ao menos 6 votos. Resultado abre brecha para que indústrias consigam liminares em outras instâncias
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