Transplante de fezes pode virar alternativa no combate à anorexia

Proposta de estudo acaba de ser aprovada nos Estados Unidos

Gabriel Alves
Orlando (EUA)

Uma a cada 17 pessoas com anorexia morre por causa da doença —a maior taxa de letalidade entre os distúrbios mentais. Mesmo com tratamento, somente um terço dos pacientes se recupera completamente. As estatísticas desfavoráveis justificam uma tentativa drástica de intervenção. A ideia agora é recrutar voluntários e tratá-los com fezes de outras pessoas.

A proposta faz parte de um estudo clínico da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que acaba de obter autorização da FDA (agência regulatória americana) para recrutar pacientes. O anúncio da nova empreitada foi feito na noite deste sábado (23) pelo coordenador do estudo, o pesquisador Ian Carroll, no congresso anual da Associação Americana de Diabetes, que acontece em Orlando.

Escherichia coli, bactéria que possui variantes patogênicas e que pode prejudicar receptor de transplante de fezes
Escherichia coli, bactéria que possui variantes patogênicas e que pode prejudicar receptor de transplante de fezes - Divulgação

Assim como existe uma possível associação entre os micróbios que habitam o organismo humano (a chamada microbiota) com a reação autoimunológica que destrói as células produtoras de insulina, causando diabetes do tipo 1, no caso da anorexia esses micro-organismos podem ser capazes tanto de roubar excessivamente energia dos alimentos quanto de mandar uma mensagem para o cérebro inibindo a fome, por exemplo.

Dessa forma, a substituição da microbiota poderia mudar a forma como o organismo lida com a doença, aumentando as chances de recuperação. Os novos micróbios virão de amostras de pessoas completamente saudáveis, sem condições ligadas à flora intestinal, como diabetes, doenças inflamatórias intestinais e obesidade.

As restrições fazem sentido: em experimentos com roedores, a flora intestinal de um indivíduo obeso foi capaz de alterar o funcionamento do organismo de outro, aumentando, por exemplo, o tamanho dos adipócitos (células de gordura) e a capacidade de armazenamento deles, favorecendo o surgimento da obesidade.

Mas não se trata de uma relação simples. Outras doenças, como a síndrome metabólica ou colite ulcerativa, já foram correlacionadas à presença de alguns tipos de bactéria e à diversidade da flora, mas, mesmo com muitos estudos, é difícil afirmar se as alterações da microbiota são causa ou mera consequência das doenças. Além disso, há diversos componentes que podem interferir na composição da microbiota, como a herança materna, a alimentação e até mesmo a genética. 

“No nosso caso, a pesquisa funciona como a investigação de uma nova droga, e a FDA demorou dois anos para aprovar, o que só aconteceu duas semanas atrás. É um ensaio para mostrar a segurança, e isso é importante, porque existem pessoas fazendo transplante de fezes no estilo ‘faça você mesmo’ e postando no YouTube”, diz Carroll. Existe a chance de uma pessoas ingerir bactérias patogênicas  e até morrer por causa disso, segundo o pesquisador.

Uma empresa parceira do estudo de Carroll é a Openbiome, que seleciona voluntários saudáveis para doar fezes. Com exames de checagem mais rigorosos que aqueles necessários para doação de sangue, 97% das doações são reprovadas. Entre as possíveis vias de administração estão sondas que despejam o material no estômago ou no intestino ou ainda pílulas.

Uma vez no novo organismo, espera-se que as bactérias se multipliquem e substituam as antigas ou que o novo conjunto possa não gerar os efeitos negativos do primeiro.

O que torna o cenário mais palatável para o novo estudo, além da garantia de procedência da matéria prima, é a urgência de novas terapias para anorexia. Estima-se que metade dos pacientes cogitem ou tentem o suicídio; fora isso, é comum que outras doenças mentais, como ansiedade e depressão, aconteçam concomitantemente.

A anorexia nervosa é caracterizada pela redução crônica na ingestão de comida, o que leva a uma perda de peso acentuada. Há uma busca excessiva pela magreza e pavor de ganho de peso, o que altera completamente o comportamento alimentar. As pessoas tendem a se enxergar com sobrepeso, mesmo que elas estejam em inanição. 

As mulheres são mais afetadas que os homens: estatísticas americanas apontam que 0,9% delas sofrem com a doença, contra 0,3% dos homens. Geralmente a doença, que tem um componente genético importante, aparece entre o final da adolescência e o começo da vida adulta, mas pode também ocorrer em outros momentos da vida.

O jornalista viajou a convite da Sanofi

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