Descrição de chapéu The New York Times

Em reunião da OMS, EUA se opõem a resolução de incentivo a leite materno

Representantes americanos tentaram mudar texto e chegaram a fazer ameaças a países

​Andrew Jacobs
Nova York | The New York Times

Esperava-se que uma resolução para encorajar o aleitamento materno fosse fácil e rapidamente aprovada por centenas de governos reunidos em Genebra, na Suíça, para Assembleia da Organização Mundial da Saúde.

Baseada em décadas de pesquisa, a resolução afirmava que o leite da mãe é o mais saudável para as crianças e que os países deveriam se esforçar para limitar propagandas enganosas ou imprecisas de substitutos de leite materno.

Mãe alimenta seu bebê com leite materno
Mãe alimenta seu bebê com leite materno - Enrique Castro-Mendivil/Reuters

Foi então que a delegação dos EUA, em apoio a interesses de produtores de fórmula infantil, interrompeu as deliberações.

Os oficiais americanos tentaram diminuir o alcance da resolução buscando remover trechos que incentivavam os governos a proteger, promover e apoiar o aleitamento materno. Também quiseram a retirada de outra passagem que afirmava que os legisladores deveriam restringir a promoção de produtos que especialistas apontam ser deletérios para crianças jovens.

Quando essas tentativas falharam, começaram ameaças, segundo diplomatas e oficiais de governo participantes das discussões. O Equador, que planejava apresentar a resolução, foi o primeiro alvo.

Os americanos foram diretos: se o Equador se recusasse a derrubar a resolução, o governo dos EUA apelaria para medidas punitivas comerciais, além de retirar a ajuda militar que o país recebe. Os equatorianos, então, concordaram.

As atitudes relacionadas ao assunto foram narradas por mais de uma dúzia de participantes de diferentes países, vários dos quais pediram anonimato por medo de retaliações dos EUA.

Representantes da área da saúde tentaram achar outra nação disposta a apresentar a resolução. Mas pelo menos uma dúzia de países —a maior parte deles nações pobres da África e da América Latina— se recusaram, com medo de retaliação, de acordo com oficiais de Uruguai, México e EUA.

"Nós ficamos chocados e tristes", diz Patti Rundal, diretora de políticas da organização britânica  Baby Milk Action (ação para leite de bebês, em tradução livre), que esteve presente nas reuniões da assembleia. "O que aconteceu foi equiparável à chantagem, com os EUA fazendo o mundo refém e tentando derrubar quase 40 anos de consenso sobre a melhor forma de proteger a saúde de crianças."

No fim, os esforços americanos, em sua maioria, foram ineficazes. Os russos acabaram apresentando a resolução e os EUA não os ameaçaram.

O Departamento de Estado americano não respondeu a questionamentos e afirmou que não poderia discutir conversas diplomáticas privadas. 

Já o Departamento de Saúde americano, principal responsável pela tentativa de modificar a resolução, se posicionou sobre a decisão de contestar as medidas —mas afirmou não estar envolvido em ameaças ao Equador.

"A resolução, da forma como estava escrita inicialmente, colocava entraves desnecessários para mães que buscavam prover nutrição para seus filhos", disse, por email, um representante da agência. "Nós reconhecemos que, por várias razões, nem todas as mulheres podem amamentar. Essas mães devem ter opções e acessar alternativas para saudáveis para seus bebês, além de não serem estigmatizadas por suas escolhas." O representante da agência pediu anonimato.

Lobistas da indústria de comida de bebê estavam presentes nas reuniões em Genebra, mas representantes da área da saúde disseram não ter presenciado influências diretas na tática americana.  

O ramo de US$ 70 bilhões (R$ 266 bilhões) vive um período de estagnação em países desenvolvidos, conforme mais mulheres adotam a amamentação. Contudo, mundialmente espera-se que as vendas cresçam 4% em 2018, segundo a Euromonitor. 

A intensidade da oposição americana surpreender oficiais de saúde pública e diplomatas, que descreveram o contraste com a administração Obama, que era amplamente favorável à política de encorajar o aleitamento materno.

Durante as deliberações, alguns oficiais americanos chegaram a sugerir que os EUA deveria cortar a contribuição à OMS. Os americanos são responsáveis por 15% (US$ 845 milhões, cerca de R$ 3,2 bilhões) do orçamento da organização, segundo dados de 2017. 

Na mesma reunião em Genebra, os EUA tiveram sucesso na iniciativa de remover, de um documento sobre a luta contra obesidade, declarações de apoio à taxação de refrigerantes. 

Os EUA também buscaram, sem sucesso, frustrar os eforços da OMS para ajudar países pobres a ter acesso a medicamentos essenciais. O governo americano, em apoio à indústria farmacêutica, tem resistido a tentativas de mudar leis de patente, o que poderia aumentar a disponibilidade de drogas em países em desenvolvimento. 

No fim, os americanos falharam em sua tentativa, considerando que a resolução preservou a maior parte do seu texto original. Contudo, os EUA conseguiram alterar a parte do texto que afirmava que a OMS proveria suporte técnico aos países que buscavam enfrentar a promoção inapropriada de comidas para crianças.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.