Descrição de chapéu The New York Times

Para combater a solidão, descubra maneiras de se conectar

Boa parte da vida moderna tem o efeito de fomentar o isolamento social e a solidão, dizem especialistas

Ilustração mostra mulher encolhida e sozinha
Grande parte da vida moderna, embora pareça promover conectividade, teve o efeito oposto de promover isolamento social e solidão, dizem os especialistas. - Chiara Zarmati/The New York Times
Jane E. Brody
The New York Times

Um filme de quatro minutos produzido para o UnLonely Film Festival and Conference, no mês passado, tinha por personagem central uma jovem que, em seu primeiro anjo de universidade, se sentia dolorosamente sozinha. Ela sentia desesperadamente a falta dos lugares a que estava acostumada e de seus amigos do segundo grau, que, pelo menos no Facebook, pareciam estar se divertindo como nunca,
O filme me recordou um momento incômodo que tive quando estava no segundo ano da faculdade, aos 18 anos, e me sentia infeliz, desprovida de amigos, e desesperada para sair de lá.

Na época eu não sabia, mas estava na faixa de idade —dos 18 aos 24 anos— que hoje registra a maior incidência de solidão, até 50% mais alta do que a que prevalece entre os idosos. Para os jovens adultos, a solidão e o isolamento social podem ajudar a precipitar suicídios, dizem especialistas.

Felizmente, fui à clínica de saúde da universidade, onde uma psicóloga astuta examinou meu histórico no segundo grau, que incluía uma lista de atividades extracurriculares, e apontou para o fato de que, durante meu primeiro ano na faculdade, eu tinha feito só o trabalho escolar.

"Não há problema algum com você que não possa ser resolvido com um pouco mais de integração à comunidade da universidade", ela disse, e insistiu em que eu me envolvesse com alguma coisa que me conectasse a estudantes que tinham interesses semelhantes aos meus.

Protestei que estava estudando bioquímica, e tinha aulas seis manhãs por semana, e quatro tardes semanais de laboratório; não havia tempo para atividades extracurriculares. E ela rebateu: "Você precisa encontrar tempo. É essencial para a sua saúde e para uma experiência universitária bem sucedida".

Na falta de uma opção melhor, comecei a trabalhar em uma revista mensal para estudantes, cujo cronograma se encaixava em minha vida acadêmica rigorosa. Logo me apaixonei pelo trabalho de entrevistar pesquisadores, e escrever sobre seu trabalho. Fiz amizade com um professor que orientava os alunos envolvidos com a revista, um sujeito com jeito de avô que me encorajou a expandir meus horizontes e a fazer o que meu coração preferisse.

Dois anos depois, no último ano de universidade, eu era a editora da revista e troquei meus cursos de química física e bioquímica avançada por cursos de jornalismo e redação para revistas.

O resto é história. Armada com um mestrado em jornalismo científico e depois de dois anos como repórter de geral, fui contratada pelo The New York Times aos 24 anos como repórter de ciência, um trabalho que amo há 53 anos. Ao criar conexões sociais significativas na universidade, não só venci a solidão como encontrei  o caminho para uma carreira maravilhosa.

"Conexões sociais são chaves para a felicidade e a saúde, de um modo muito real", disse Jeremy Nobel, fundador do UnLonely Project e professor de atendimento médico primário na escola de medicina da Universidade Harvard. Em um artigo de opinião para o jornal Boston Globe, escrito com Michelle Williams, diretora da Escola T.H. Chan de Saúde Pública, em Harvard, ele afirmou que a solidão e o isolamento social desempenham "papel desproporcional" em mortes por suicídio que poderiam ser prevenidas.

Eles instaram que os relacionamentos sociais fossem considerados uma prioridade nacional de saúde pública, "para que promovamos o recuo dessas mortes, dolorosas e evitáveis, causadas por desespero".

Mas não são só os jovens que se sentem solitários. "Mais de um terço dos adultos sofrem de solidão crônica, e 65% das pessoas se sentem seriamente solitárias, por parte do tempo", disse Nobel em entrevista. Entre os grupos sociais nos quais a solidão tem incidência mais alta estão os veteranos das forças armadas, 20 dos quais se suicidam a cada dia, em média. Até mesmo presidentes-executivos de empresas enfrentam a solidão —metade deles admite enfrentar esse problema (o topo da hierarquia pode ser solitário)— ​e isso pode afetar adversamente seu desempenho no emprego.

A incidência de solidão persistente também é alta entre os adultos mais velhos, que além de limitações impostas por doenças crônicas podem sofrer isolamento causado por problemas de mobilidade, falta de transporte e perda de audição não tratada.

No entanto, Julianne Holt Lunstad, professora de psicologia na Universidade Brigham Young, disse na conferência UnLonely que ninguém está imune aos efeitos tóxicos do isolamento social. "É tão perturbador que isso já foi usado como forma de punição e tortura", ela afirma.

Ilustração mostra estudante vestindo beca de formando, em frente a uma porta menor do que ele
As regras de privacidade que impedem as faculdades de notificar os pais sobre o sofrimento de um aluno podem estar custando vidas. Algumas soluções incluem conceder permissão antecipadamente ou ter um amigo alertando a família - Chiara Zarmati/The New York Times

"A solidão solapa a vitalidade, prejudica a produtividade e reduz a apreciação da vida", escreveram Nobel e Williams. Seus efeitos sobre a saúde equivalem aos da obesidade, abuso de álcool e ao de fumar 15 cigarros por dia, o que eleva em 30% o risco de morte prematura.

O objetivo do Projeto UnLonely, disse Nobel, é conscientizar o público sobre a incidência crescente e os efeitos adversos da solidão, e reduzir o estigma —os sentimentos de embaraço— ​a ela associados.

"Queremos que as pessoas saibam que a solidão não é sua culpa e encorajá-las a se envolverem em programas que possam diminui-la", ele disse. Um programa mostrado no filme envolve mulheres idosas da região do Harlem, em Nova York, que fazem aulas de nado sincronizado. Uma das mulheres disse que nem sabia nadar quando se inscreveu, mas que hoje não perde um treino.

Em Augusta, Geórgia, um programa em parceria com a organização de aposentados AARP ensina pintura, bem como música e dança, em grupo, a cuidadores que em muitos casos têm pouca oportunidade de se conectarem a outras pessoas na mesma situação e desfrutar dos benefícios do apoio mútuo e amizade.

Fazer alguma coisa criativa e estimulante ajuda os cuidadores e as pessoas que enfrentam doenças crônicas a sair um pouco de suas cascas e a se sentirem mais conectadas, disse Ruth Oratz, oncologista médica do Langone Medical Center, na Universidade de Nova York, durante a conferência, que foi organizada pela Foundation for Art and Healing.

O objetivo da fundação, segundo Nobel, é promover o uso das artes criativas para unir as pessoas e promover a saúde e a cura por meio de atividades como escrita, música, artes visuais, jardinagem, artes têxteis (por exemplo tricô, crochê e bordado) e até mesmo das artes culinárias.

"A solidão não causa só tristeza —a solidão mata", disse Nobel. "A expressão das artes criativas tem o poder de conectar a pessoa a ela mesma e aos outros. Por que não um jantar coletivo mensal? É tão simples, uma maneira tão bacana de se conectar aos outros e comer bem".

Boa parte da vida moderna, ainda que pareça promover a conectividade, teve o efeito oposto, de fomentar o isolamento social e a solidão, dizem especialistas. De acordo com a fundação, "o engajamento com a internet e a mídia social exacerba os sentimentos de solidão, depressão e ansiedade".

As pessoas raramente relatam suas histórias de tristeza e isolamento no Facebook. Em lugar disso, os posts em mídias sociais tipicamente destacam diversão e amizade, e as pessoas que não contam com isso muitas vezes se sentem alijadas, acabrunhadas. As comunicações eletrônicas muitas vezes substituem as interações pessoais, face a face, e os sinais sutis de sofrimento e as mensagens de carinho e interesse que essas interações podem transmitir.

Por isso, pense na ideia de marcar um encontro com um amigo esta semana, para um café, jantar, visita a um museu ou uma simples caminhada. Comunidades online como a meetup.com podem ser uma boa maneira de conhecer outras pessoas com interesses comuns. No mínimo, pegue o telefone e bata um papo com alguém. É bem provável que vocês dois saiam da conversa se sentindo melhor.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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