Descrição de chapéu The New York Times

Empresas de cigarro driblam regras e criam hashtags para atrair jovens

Com influenciadores, indústria busca 'naturalidade' de fotos relacionadas ao tabaco, diz relatório

Sheila Kaplan
Nova York | The New York Times

A indústria do tabaco prometeu há muitos anos que deixaria de tentar atrair os jovens ao consumo de cigarros.

A Philip Morris International diz que está "projetando um futuro livre de cigarros". A British American Tobacco (BAT) também afirma estar "transformando o tabaco em um produto mais seguro".

Perfil no Instagram que usa hashtags para promover marcas de cigarro sutilmente, driblando as regras
Perfil no Instagram que usa hashtags para promover marcas de cigarro sutilmente, driblando as regras - Reprodução

Mas enquanto a Food and Drug Administration (FDA), agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, pondera planos para o corte da nicotina nos cigarros, o que tornaria o fumo menos viciante, as grandes empresas de tabaco vêm aproveitando ao máximo o tempo que lhes resta, usando a mídia social para promover suas marcas em todo o mundo.

A maioria dos países, a exemplo dos Estados Unidos, impôs regras na década de 1970 contra a promoção do cigarro para o público jovem. Muitos governos proibiram publicidade de cigarros na TV e no rádio.

Assim, o setor que criou personagens promocionais como o Homem de Marlboro e Joe Camel, e slogans como "acenda um Lucky em vez de comer um doce", vem lutando por espaço nas telas da geração do selfie de um modo muito adaptativo, que permite que contorne as velhas regras da publicidade.

"O que eles fazem é uma forma muito efetiva de contornar as leis que existem para restringir a publicidade dirigida aos jovens", disse Robert Kozinets, professor de relações públicas na Universidade do Sul da Califórnia e líder de uma equipe internacional de pesquisadores que estão estudando o uso da mídia social pela indústria do tabaco.

"A coisa mais surpreendente para mim foi o nível de sofisticação das diferentes redes mundiais. Há campanhas incríveis, que eu não tinha visto até agora", ele afirma.

Organizações internacionais de saúde pública estão tentando reagir às atividades das empresas de tabaco, em todo o mundo.

No começo do mês, a Bloomberg Philantropies selecionou três centros internacionais de pesquisa para comandar uma nova organização internacional de fiscalização do tabaco, com verba de US$ 20 milhões (cerca de R$ 82 milhões), a Stop (Stopping Tobacco Organizations and Products, detendo as organizações e produtos de tabaco, em tradução livre), com parceiros no Reino Unido, Tailândia e França, e que terá o marketing social como um de seus focos.

O trabalho de Kozinets, pago pela Campaign for Tobacco-Free Kids, uma organização que combate a veiculação de produtos de tabaco que possa influenciar crianças, analisou a mídia social de 10 países em busca de hashtags conectados a marcas de cigarros.

Prometendo anonimato, os pesquisadores da equipe de Kozinets conseguiram entrevistar "embaixadores" e "microinfluenciadores", buscando que eles revelassem a conexão entre as companhias de tabaco, suas agências de comunicação e posts de mídia social no Instagram e Facebook.

Perfil no Instagram que usa hashtags para promover marcas de cigarro sutilmente, driblando as regras
Perfil no Instagram que usa hashtags para promover marcas de cigarro sutilmente, driblando as regras - Reprodução

Os resultados do estudo, acompanhados por pesquisas em um total de 40 países, levaram diversas organizações ativistas, como a Campaign for Tobacco-Free Kids; a Rede de Ação Contra o Câncer, da Associação Americana do Câncer; a Associação Pulmonar Americana, e outras organizações de saúde pública a apresentar uma petição contra quatro companhias de tabaco à Comissão Federal do Comércio (FTC) americana, na última sexta (24).

A petição apela para que a FTC tome medidas que proíbam o tipo de prática que as empresas vêm empregando.

Diversas das empresas de tabaco não responderam de imediato a pedidos de comentários sobre a petição. Um porta-voz da Philip Morris Internacional declarou na tarde da sexta-feira que a empresa ainda não tinha estudado o documento e portanto não podia comentar.

De acordo com Caroline Renzulli, que comandou o projeto, 123 hashtags associados a essas empresas haviam sido vistos 8,8 bilhões de vezes só nos Estados Unidos, e 25 bilhões de vezes no planeta.

Representantes de algumas das empresas disseram que só comercializam seus produtos para fumantes adultos e cumprem as leis dos países nos quais seus produtos são vendidos. Jonathan Duce, porta-voz da Japan Tobacco, disse que eventos envolvendo a companhia tinham por objetivo "converter os fumantes adultos ao consumo de nossas marcas, deixando de lado as marcas concorrentes".

"Se os fumantes ou vapers [usuários de cigarros eletrônicos] optam por compartilhar sua atividade social", ele disse, "é completamente por escolha deles".

Simon Evans, porta-voz da Imperial Brands, reconheceu que a empresa pagava "formadores de opinião pública" para que compareçam a eventos promocionais e postem conteúdo sobre eles na mídia social.

Alguns posts usam hashtags estreitamente conectados a marcas, como #lus ou #likeus, para os cigarros Lucky Strike. Outros posts são mais sutis, mostrando imagens de cigarros mas sem mencionar marcas, ou recorrendo a hashtags atraentes que sinalizam autonomia ou independência —#VocêDecide, #DecidaEstaNoite e #OVermelhoChegou são hashtags populares associados aos cigarros Marlboro, e #MúsicaLivre está associado à marca Winston.

Às vezes os posts nem mencionam cigarros, mas divulgam festas e outros eventos nos quais cigarros são promovidos por meio de grandes displays e distribuídos gratuitamente. As cores usadas na decoração das festas muitas vezes estão associadas às de uma determinada marca de cigarros.

Uma imagem postada na Indonésia, por exemplo, mostra um maço de cigarros Dunhill como adereço fotográfico, posicionado sutilmente. Contatada por jornalistas sobre as imagens, a BAT anunciou que removeria o post.

Os embaixadores do Lucky Strike receberam instruções sobre como agir, no ano passado na Itália, diz Kozinets, e elas incluíam uma notificação para encobrir imagens que "a lei requer que constem dos maços" (presumivelmente os rótulos de advertência).

Em email, Simon Cleverly, executivo da BAT, disse que a equipe da empresa na Itália estava revisando os documentos citados acima, traduzidos para o inglês pelos pesquisadores. Ele disse que a campanha "Like Us" esteve em circulação entre 2012 e 2017.

Alguns temas repetidos em diversos países incluíam #Newland e #Neuland, da Philip Morris International, que também promove os hashtags #VocêDecide e #EuDecido.

Bruno Nastari, um estrategista de negócios brasileiro, trabalhou por mais de três anos para a Geometry Global, em São Paulo, de acordo com seu perfil no LinkedIn. As contas que ele atendia incluíam as marcas Dunhill, Lucky Strike e Kent, da BAT, aponta sua página.

Ao descrever a estratégia que usou, Nastari escreveu que "nosso insight foi o de que a Dunhill é uma marca que transforma a cidade em plataforma de descobertas, gerando experiências exclusivas para as audiências mais jovens. Fazer da Dunhill uma marca vista como moderna, ousada e atrevida, e assim mais atraente para o fumante médio com idade inferior aos 30 anos. Tudo isso levando em conta as restrições legais brasileiras à propaganda de cigarros".

Nastari não respondeu às tentativas de contato, mas as anotações sobre a marca já não estão disponíveis no LinkedIn.

O New York Times contatou os usuários de mídias sociais mencionados neste artigo. Diversos deles, responderam aos contatos mas preferiram não ser entrevistados.

Corey Henry, porta-voz da Philip Morris International, disse que o marketing da empresa não tem por objetivo recrutar novos fumantes, e que suas promoções incluem alertas de saúde. Ele também disse que a empresa não conduziu programas digitais no Brasil este ano.

Henry disse que a afiliada uruguaia da empresa usa programas digitais para "pesquisar as tendências entre os fumantes adultos", mas não para comercializar cigarros.

"À medida que transformamos nosso negócio de forma a adaptá-lo a um futuro livre de fumo, mantemos o foco em conservar nossa liderança na categoria tabaco combustível, fora da China e dos Estados Unidos", disse Henry.

Os pesquisadores identificam posts que acreditam tenham sido produzidos de forma a promover o uso dos cigarros eletrônicos entre os jovens. Um post na Romênia divulga o iFuse, produto de aquecimento de tabaco vendido pela BAT.

Cleverly, o porta-voz da BAT, disse que todos os materiais e eventos promocionais da empresa são direcionados a fumantes adultos e respeitam os regulamentos locais em 200 mercados.

"No grupo BAT, temos o claro entendimento de que a mídia social só pode ser usada para atividades que não envolvam a publicidade de quaisquer marcas de cigarros", afirmou Cleverly em e-mail. "Às vezes usamos a mídia social, e às vezes trabalhamos com blogueiros e embaixadores de marca, que postam conteúdo sem marca [ou seja, sem menção a produtos ou marcas de tabaco]", ele disse.

A petição apresentada pelas organizações de combate ao fumo solicita que a FTC instrua as empresas de tabaco a revelar todas as imagens, vídeos e hashtags que sejam publicidade paga ou endossos pagos, por meio da adição de um conjunto de hashtags novos, e provavelmente menos virais: #Patrocinado, #Promocional e #Publicidade.

Casos de hashtags também foram registrados no Brasil. A legislação nacional proíbe qualquer forma de propaganda, inclusive a feita online. A única exceção está na exposição do produto nos pontos de venda.

Um caso de propaganda indevida de cigarros em redes sociais chegou ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e deu origem a um processo.

O conselho afirma que a denúncia foi feita após postagens de influenciadores com abundantes fotos de pessoas fumando, o que levou a uma investigação e à confirmação de se tratar de uma ação publicitária.

Os blogueiros citados pelo Conar afirmam não terem relação com a Souza Cruz e que foram contratados para a promoção de uma plataforma de empreendedorismo. Eles dizem ainda que as fotos não poderiam ser associadas a marcas, o que excluiria a possibilidade de propaganda.

A Hood, agência presente na ação do Conar, afirma ser somente promotora de eventos e que as postagens seriam de responsabilidade dos seus convidados. Contudo, ela mantém parceria a Souza Cruz “para venda de cigarros em seus eventos, dentro dos limites da lei”.

Enquanto isso, a Souza Cruz classifica o processo como um “grande mal-entendido” e diz seguir rigorosamente a lei. A empresa recebeu uma advertência do Conar, que também propôs que fossem deletadas as fotos nas quais a marca dos cigarros era passível de identificação.

O Conar não tem autoridade para obrigar as empresas a tomar ações, podendo somente propor direcionamentos para as questões que lhe forem encaminhadas.
 

Tradução de Paulo Migliacci

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