Meninas fazem mais tarefas em casa do que meninos, mas ganham mesadas menores

Dados sugerem que a disparidade de pagamento entre os sexos começa em casa e bem cedo na vida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Claire Cain Miller
Nova York | The New York Times

É verdade há muito tempo que as mulheres recebem menos do que os homens no trabalho e fazem parte maior do trabalho doméstico. E esses padrões surgem ainda na infância.

Ainda que existam algumas indicações de que a distância está se reduzindo, diversos dados mostram que as meninas dedicam mais tempo a tarefas domésticas que os meninos. Também recebem menos que os meninos pelo trabalho doméstico que fazem, e suas mesadas são menores.

Uma análise recente, por exemplo, determinou que meninos com idades entre os 15 e os 19 anos dedicam cerca de meia hora por dia a tarefas domésticas, enquanto as meninas da mesma faixa etária trabalham 45 minutos por dia em casa. Ainda que as meninas dediquem um pouco menos de tempo a tarefas domésticas do que era o caso uma década atrás, o tempo que os meninos dedicam a essas tarefas não mudou.

 
 
Ilustração de criança varrendo a casa
Desigualdade de pagamento começa cedo e em casa, apontam estudos - NYT

Arcar com mais responsabilidades em casa é um dos maiores motivos para que as mulheres venham a receber salários menores que os dos homens e fiquem para trás deles em suas carreiras, dizem pesquisadores. Conquistar a igualdade, eles dizem, requererá não só preparar as meninas para trabalhos remunerados mas também ensinar os meninos a fazer trabalhos não remunerados.

"O envolvimento nas tarefas da casa desde a infância é a maneira pela qual a maioria das crianças aprende a fazer essas tarefas", disse Sandra Hofferth, socióloga da Universidade de Maryland e coautora da análise recente; ela dedicou sua carreira a estudar ao que as crianças dedicam seu tempo.

"Os progressistas acreditavam estar educando seus filhos homens para maior envolvimento no trabalho caseiro. Mas não vemos quaisquer provas de que a disparidade entre os sexos no trabalho caseiro tenha diminuído", disse Hofferth.

Suas pesquisas se baseiam nos diários do levantamento "Uso de Tempo nos Estados Unidos", mantido no período entre 2003 e 2014 por 6.358 estudantes de segundo grau com idades entre os 15 e os 19 anos. As tarefas domésticas incluídas no estudo envolviam cozinhar, limpar a casa, cuidar dos animais de estimação, cuidar do jardim e ajudar na manutenção da casa e carro.

O estudo constatou diferenças baseadas no nível educacional dos pais. Os filhos de pais com diplomas universitários dedicavam menos tempo a tarefas caseiras, em geral, mas a diferença se concentra quase todas nas meninas. As filhas de pais com diploma superior dedicam 25% menos tempo a tarefas domésticas do que as filhas de pais com educação de segundo grau ou inferior. Mas ainda assim dedicam 11 minutos a mais por dia a essas tarefas do que os meninos. Os pais com bom nível educacional parecem ter mudado suas expectativas quanto às suas filhas, mas não quanto aos seus filhos, disse Hofferth.

Os meninos também recebem mesadas maiores que as meninas, por ajudarem em casa, de acordo com uma recente análise sobre 100 mil famílias que empregam o BusyKid, um app para controlar tarefas domésticas. Os meninos que usam o app recebiam em média o dobro do que as meninas, pelas tarefas realizadas — em média US$ 13,80 por semana, ante US$ 6,71 para as meninas.

Também costuma ser mais frequente que os meninos recebam por cuidar da higiene pessoal, por exemplo escovar os dentes ou tomar banho, de acordo com os dados do BusyKid. Já entre as meninas, a maior probabilidade de que recebam pagamento está associada a que cuidem da limpeza da casa.

A disparidade entre os gêneros nas tarefas domésticas é mundial. Um estudo recente entre crianças de 12 anos de idade em 16 países, envolvendo participantes de todo o espectro econômico e excluindo os Estados Unidos, determinou que em cada país participante as meninas dedicavam mais tempo que os meninos às tarefas domésticas.

As tarefas dos homens e mulheres tendem a se dividir entre coisas feitas dentro e coisas feitas fora de casa. As mulheres cuidam mais do trabalho feito dentro de casa - cozinhar, limpar e lavar -, e os homens cuidam mais do trabalho feito fora de casa, como aparar a grama ou tirar o lixo. Pesquisas anteriores apontaram que divisão semelhante se aplicava às tarefas dadas às crianças.

"As tarefas domésticas são na realidade um treinamento para a vida adulta, e por isso o problema está em que essa divisão se perpetua geracionalmente", disse Christia Spears Brown, professora de psicologia na Universidade do Kentucky que estuda crianças e questões de gênero.

Mas existem sinais de que a disparidade entre os sexos nas tarefas domésticas está começando a se reduzir, como acontece entre os adultos. Em uma área, especialmente — cuidar de membros da família, como irmãos mais novos ou parentes mais velhos —, os meninos fazem tanto quanto as meninas.

Pesquisadores dizem que isso pode influenciar as gerações futuras, com os meninos que crescem cuidando de parentes ganhando preparação para que se tornem pais  mais participantes.

Os meninos e meninas dedicam tempo mais ou menos igual a cuidar de familiares, a cada dia, determinou a análise conduzida por Hofferth. Há apenas uma década, ainda existia disparidade, com as meninas dedicando 50% a mais de tempo que os meninos a cuidar de parentes.

Os meninos estão cuidando mais de seus familiares em todo o mundo. No estudo internacional, havia pouca diferença entre os sexos na quantidade de tempo dedicado pelas crianças a cuidar de parentes - e em um país, a Noruega, os meninos dedicavam mais tempo a esse tipo de atividade que as meninas.

Em outro estudo de tarefas domésticas, baseado em um conjunto de dados menos extenso, havia indicações de que a disparidade entre os sexos nas tarefas domésticas também estava se reduzindo. Meninos dos 13 as 18 anos dedicavam pouco menos de meia hora por dia a tarefas domésticas, segundo o estudo, e as meninas pouco mais de meia hora. A mudança surgiu do lado do meninos, que elevaram em 29% o tempo que dedicam a tarefas domésticas, entre 2002 e 2014, enquanto entre as meninas houve uma queda de 27%, de acordo com o Painel de Estudo de Dinâmicas de Renda da Universidade do Michigan, que acompanha um conjunto de famílias desde 1968.

Isso espelha a mudança entre os adultos. Os homens casados hoje dedicam 1,1 hora por dia a tarefas domésticas, constatou o painel de Michigan, ante 55 minutos em 1983. O tempo que as mulheres casadas dedicam a tarefas domésticas caiu, mas continua duas vezes maior que o masculino: 2,2 horas ante 3,8 horas.

A maneira pela qual crianças são criadas determina os papéis que elas assumem em suas vidas adultas, pesquisas demonstram.

Um estudo constatou que os filhos homens de mães que trabalham fora dedicam mais tempo a cuidar da casa e dos filhos, quando adultos. Outro estudo constatou que a divisão do trabalho entre os genitores, especialmente se pais cuidam de tarefas domésticas, servia como fator de previsão sobre as atitudes dos jovens adultos quanto a como alocar as tarefas domésticas.

As mulheres jovens que são autossuficientes em termos econômicos podem ver homens que não dividem o trabalho da casa como parceiros menos atraentes, disse Hofferth. Mas isso pode resultar em casas mais bagunçadas, ela diz. "Os casais jovens ou dividem contratualmente as tarefas domésticas ou convivem com mais caos e desordem do que seus pais".

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.