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Coaching oncológico ajuda paciente a lidar com medos e novas prioridades

Novo serviço em hospitais também auxilia em questões como retorno ao trabalho e escolha de prioridades

Gabriel Alves
São Paulo

Muitas vezes os apuros pelos quais passam pacientes oncológicos não ficam apenas restritos ao câncer e aos órgãos que a doença afeta. Mesmo quando o tumor é extirpado, feridas psicológicas podem continuar assombrando os doentes.

O diretor de vendas Leonardo (nome fictício), 36, conta que depois de descobrir um câncer no rim, durante exames de rotina, seu mundo desabou. Ele pediu o anonimato para evitar questionamentos de familiares sob sua saúde.

Mesmo tendo descoberto a doença em um estágio inicial, em maio deste ano, e apesar de o tumor ter sido removido poucas semanas depois com cirurgia, ele não ficou completamente curado.

“Se eu tinha uma dor qualquer ou qualquer sensação estranha, achava que a doença poderia estar voltando ou ter ido parar em outro lugar.”

O tormento vinha na forma de pesadelos e de crises de ansiedade. Até que um médico sugeriu que Leonardo procurasse o serviço de medicina integrativa do hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde ele passou por diversos profissionais, inclusive um coach de saúde, que o ajudou a enxergar a vida sob perspectiva mais positiva.

A tradução de coach é treinador, como um técnico esportivo, mas, principalmente no mercado corporativo, tem ganhou outro sentido: é aquela pessoa que pode ajudar a traçar estratégias de como mudar de carreira. Mais recentemente, a área da saúde ganhou os seus também em programas dedicados ao emagrecimento, por exemplo. Não é necessário que esses profissionais tenham formação na área da saúde.

Glaucia Silva, 41, que usa serviço de coach oncológico durante seu tratamento, está sentada em um parque, em meio ao sol
Glaucia Silva, 41, que usa serviço de coach oncológico durante seu tratamento - Zanone Fraissat/Folhapress

Uma das lições que Leonardo teve de internalizar foi a de que o fato de sua mente estar sempre desconfiada só atrapalhava a recuperação de seu corpo físico.

Na medicina, essa interação entre mente e saúde física já é bem estabelecida: um bom estado mental influencia na produção de hormônios e na função do sistema imunológico, por exemplo, o que teria potencial de defender o corpo contra novos tumores.

“Não posso dizer que nunca mais pensei nisso, mas agora é com menos frequência e eu já sei os caminhos para lidar com a situação”, diz Leonardo.

Também fazem parte do serviço do Einstein psicólogo, médico, nutricionista e enfermeira.

“O coach ajuda o paciente a enxergar em que momento ele está e a eleger o que ele quer trabalhar. A gente não dá uma receita com dez itens — faça atividade física, coma direito etc. — e joga na mão da pessoa, sem perguntar para ela se é isso mesmo que ela quer”, explica Denise Tiemi, oncologista e coordenadora do programa Survivorship do Einstein. O pacote com cinco sessões sai por R$ 890.

Outro saldo do programa, diz Leonardo, são os 15 quilos perdidos. “Quem olha minha aparência hoje diz que estou melhor do que antes.” Entre as mudanças implementadas  está o menor consumo de álcool, de carne vermelha, de açúcar e de frituras.

“Acho que todo mundo [que têm câncer] deveria passar pela medicina integrativa. Tinha perdido completamente meu chão e não adiantava só tratar o rim. Alguém tinha que me tratar por inteiro.”

Outra pessoa que participou de um coaching de saúde foi Glaucia da Silva, 41. Em janeiro, enquanto amamentava seu filho, ela sentiu algo estranho na mama. Pensou que fosse mastite, doença inflamatória relativamente comum no órgão, mas achou melhor procurar um médico.

Depois de alguns exames, veio o diagnóstico: câncer de mama. “A parte mais difícil é achar um médico em que você confie e que te deixe segura.”

O começo do tratamento foi com seis sessões de quimioterapia para reduzir o tamanho do tumor e evitar o espalhamento do câncer.

“Nessa fase eu passava mal por uma semana, mas voltava a trabalhar nas duas seguintes. Era estranho para os meus filhos, de dois e sete anos. Eu ficava reclusa, passando mal, era algo que mexia com a cabeça deles e com a minha também.”

Ao menos um resultado do coaching de Glaucia veio rápido. Havia anos ela não conseguia organizar uma viagem para a praia com o marido e os filhos. Depois de um empurrãozinho, no último feriado de Corpus Christi ela foi para a Costa do Sauípe, na Bahia, com a família. Em seguida, passou pela cirurgia de mastectomia. Ela ainda está em tratamento fazendo quimioterapia e radioterapia.

A ideia do programa, explica o cirurgião-dentista de formação e coach Ricardo Lima, do Hospital Paulistano, é ajudar o paciente a se organizar e tomar decisões importantes relativas à vida pessoal e profissional ou à organização da rotina e ao gerenciamento do estresse. “Muitas novas metas podem surgir ao longo do tratamento”, diz Lima.

Idealizador do serviço do hospital (fornecido sem custo para o paciente), o oncologista Rafael Brandão explica que a iniciativa teve base em modelos canadenses e dos EUA e aumenta a adesão ao tratamento.

“Nós sabemos que aqueles que conseguem criar vínculo e que se comunicam mais têm maior sobrevida.”

Segundo Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, alguns desses coachs são ex-pacientes que tiveram a experiência de enfrentar um câncer. Essa forma de acompanhamento está amparada na estratégia da psicoterapia breve, explica Holtz, que também é psicóloga.

“É importante que o trabalho seja apresentado com regras claras e propostas bem definidas, como número de sessões e quais são os objetivos daquele coaching”, diz ela. “Todas as estratégias que fortaleçam o paciente, que ofereçam momentos para que ele seja ouvido ajudam muito. “

“Existem muitas pessoas que sobrevivem, e é importante auxiliá-las a se realocar na vida amorosa e profissional”, afirma o geriatra André Junqueira, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. 

Ele explica que o paliativista também tem esse papel. “O coaching é interessante porque ajuda a alinhar o tratamento à perspectiva da pessoa. O desafio é incorporar a visão da pessoa no tratamento, não dizer ‘tem que fazer isso’ ou que ‘aquilo não se faz’”, diz.

Responsável pela área de psico-oncologia do A.C.Camargo Cancer Center, a psiquiatra Maria Teresa Lourenço vê com bons olhos as iniciativas que oferecem os serviços de coaching. “É fantástico ver mais gente fazendo parte desse pelotão que busca ajudar o paciente.”

“Todos os profissionais de saúde são responsáveis pela reinserção da pessoa no cotidiano. Acho ótimo que todo mundo esteja voltando o olhar para isso. No futuro nós teremos um verdadeiro exército de sobreviventes de câncer, ou aqueles que convivem com ele na forma de uma doença crônica”, afirma. 

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