'Virada da morte' começa em SP com discussão sobre tabu do brasileiro a respeito do tema

Um dos workshops apresentará o movimento das doulas da morte, que ganha força nos EUA

São Paulo

Começa nesta segunda (24) uma programação inédita no Brasil para discutir qualidade da morte a partir de palestras, workshops, intervenções urbanas, filmes e peças teatrais. É uma espécie de “virada” sobre o fim da vida.

Inspirado em um similar evento anual americano, “Inspirações sobre Vida e Morte” terá conferencistas nacionais e internacionais, como a musicista Yoko Sen, o diretor do Zen Hospice Project, Roy Remmer e o fundador da plataforma “Death Over Dinner”, Michael Hebb.

Um dos workshops apresentará o movimento das doulas da morte, que ganha força nos Estados Unidos e na Europa. O conceito é parecido com o das doulas que apoiam as mães e os seus parceiros durante a gestação e o parto, ou seja, oferecer suporte emocional aos que estão no fim da vida.

Uma pesquisa sobre como o brasileiro encara a morte abrirá o evento nesta segunda. Apesar de o método (sondagem online) não permitir representar o país como um todo, os resultados mostram que a morte é ainda um assunto tabu: 74% afirmam não falar sobre o fim da vida no cotidiano.

A maioria dos pesquisados associa a morte com tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%), sofrimento (51%) e medo (44%). Poucos fazem ligação com sentimentos como aceitação (26%) e libertação (19%).

Com uma amostragem de mil pessoas, a pesquisa mostra que o desconforto com os rituais da morte também é grande: 45% não se sentem muito à vontade para ir a um velório ou enterro. O trabalho foi encomendado pelo Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) e realizado pelo Studio Ideia. Nesta segunda também vão acontecer intervenções urbanas pela cidade como projeto “Antes de eu morrer".

O consultor em desenvolvimento humano Tom Almeida, criador do evento, diz que três mortes (da mãe, do pai e de um primo) o despertaram para a causa.

A mãe, segundo ele, morreu entubada, sedada, e a família não participou das tomadas de decisões. 

Já com o primo e o pai as coisas foram diferentes. O primo, por exemplo, pediu para não ir para a UTI e nem ser entubado. Preparou o testamento vital e pediu para que Tom fizesse valer a sua vontade.

Na morte do pai, não foi diferente. Almeida também não deixou que ele fosse levado para a UTI ou sedado antes da hora. “Fiquei dois dias e meio me despedindo dele. Meus sobrinhos ficaram de mãos dadas com ele, conversando. Precisamos mudar o olhar. O comum é ficar todo mundo preocupado com a doença e o tratamento e esquecer da pessoa.”

Desde o ano passado, Almeida e a médica Ana Claudia Arantes, autora do livro “A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver”), desenvolvem juntos o projeto o Cineclube da Morte, no Caixa Belas Artes. Após o filme, organizam uma roda de conversa.

Para ele, o tabu sobre a morte é tão grande que os brasileiros estão carentes de um espaço para falar à vontade sobre o tema. “No fim, a essência é sempre falar sobre a vida.”

Segundo Almeida,  a ideia do evento é despertar nas pessoas uma maior consciência sobre cuidados paliativos, aceitação da finitude como parte da vida e engajar todos, inclusive os profissionais da saúde e estudantes.

Uma pesquisa feita pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit, o Índice de Qualidade de Morte 2015, mostra que os brasileiros estão sofrendo no fim da vida mais do que pessoas em outras partes do mundo.

O país ficou em 42ª colocação entre 80 países analisados. O estudo considerou o acesso a analgésicos, equipes de saúde multidisciplinares e o próprio tratamento da morte como um assunto a ser evitado ou naturalizado.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.