Carne de peixe contaminada provoca doença rara em casal de São Paulo

Doença é responsável por destruição muscular que pode levar à falência dos rins

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Beatriz Maia
São Paulo

Cearenses radicados em São Paulo, a advogada Karyne Castro, 39, e o marido, Handerson Castro, 38, sentiram fortes dores no corpo algumas horas depois de comer um peixe que haviam trazido de Fortaleza (CE). Em alguns dias a dor passou, e não havia motivos para desconfiar que a culpa era do jantar.

Quatro dias depois, o casal almoçou outra posta do mesmo peixe, conhecido como arabaiana ou olho-de-boi.

“A carne estava ótima, com a aparência perfeita. Veio da peixaria onde sempre compramos”, conta Karyne.

De noite, o casal notou que as dores haviam voltado. Poucas horas depois, estavam internados na unidade semi-intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein, tomando medicamentos à base de morfina para conter a dor.

Eles foram diagnosticados com a síndrome de Haff, popularmente conhecida como “doença do xixi preto”. A enfermidade é rara e provoca dores intensas por todo o corpo e o escurecimento da urina. Ela é causada por uma toxina presente na carne de peixes e crustáceos contaminados, mas pouco se sabe sobre como isso acontece.

A advogada Karyne Castro, 39, e o marido, Handerson Castro, 38, que tiveram a doença de Haff após comer peixe contaminado - Folhapress

A doença de Haff causa destruição dos músculos, cujas proteínas passam a circular na corrente sanguínea, o que sobrecarrega os rins e gera o escurecimento da urina.

“Em alguns dias a dor vai se dissipando, e a doença se cura sozinha. A principal preocupação é com a falência dos rins”, explica a sanitarista Cristiane Cardoso, que acompanhou pacientes de um surto de Haff em Salvador. Para evitar isso, os enfermos devem receber tratamento adequado, que inclui cuidados com a hidratação.

Usar anti-inflamatórios pode agravar o caso, já que o medicamento também pode prejudicar as funções renais.

O infectologista Roberto Muniz Júnior, responsável pelo diagnóstico do casal, conta que os sintomas idênticos de duas pessoas da mesma família chamaram a atenção para a síndrome rara. “É uma doença negligenciada, esquecida pela comunidade médica”, afirma Muniz Júnior. “O risco maior é de que o médico não entenda a gravidade da dor e não investigue.”

A ausência de febre, que caracteriza outras doenças como dengue e febre amarela, descartou os diagnósticos mais comuns. No dia seguinte à internação, os pacientes já apresentavam alteração na urina. “Era muito escura mesmo, parecia Coca-Cola”, conta Karyne.

A sanitarista Cristiane Cardoso explica que a toxina presente no peixe é resistente a altas temperaturas, uma vez que há relatos de pacientes que consumiram o alimento frito. E nem todos os expostos a ela ficam doentes.

Os especialistas desconfiam que a toxina pode estar presente em alguma alga da qual os peixes se alimentam, mas não se tem certeza de qual substância é tão prejudicial.

Amostras de peixes crus de um paciente do surto de Salvador foram enviadas para testes nos Estados Unidos. O departamento de controle de alimentos e remédios do país (FDA na sigla em inglês) não encontrou toxinas ou contaminação de metais pesados.

O caso de São Paulo aconteceu no começo de agosto. O casal já teve alta e faz acompanhamento semanal para monitorar a recuperação dos rins. As filhas de Karyne e Handerson, de quatro e seis anos, e a mãe e a irmã de Handerson comeram o mesmo peixe, mas apenas as crianças não apresentaram sintoma.

Na literatura médica, não há registros de crianças infectadas, mas os pesquisadores não têm uma explicação para isso. “Como é uma doença muito rara, não é possível afirmar se as crianças são imunes ou coincidentemente não estiveram entre os contaminados”, afirma a sanitarista.

Os primeiros registros da doença de Haff são de 1924, em países da antiga União Soviética, e há poucos casos descritos no mundo. No Brasil, o surto mais recente foi registrado entre os anos de 2016 e 2017 em Salvador, quando 67 pessoas ficaram doentes.

As secretarias estaduais de Saúde de São Paulo e do Ceará não têm informações sobre outras ocorrências da doença. Sua notificação não é compulsória, ou seja, os hospitais não são obrigados a avisar os serviços de saúde.

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