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Estados Unidos aprovam antidepressivo em forma de spray nasal

Remédio de ação rápida tem substância derivada de anestésico; especialistas receberam notícia com cautela por causa de resultados em estudos

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Benedict Carey
Nova York | The New York Times

Dos 16 milhões de adultos que sofrem de depressão nos Estados Unidos, um quarto ou mais obtém pouco ou nenhum benefício dos tratamentos disponíveis, quer medicamentos, quer psicoterapia. Na terça-feira (6), a Food and Drug Administration (FDA), agência americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, aprovou um medicamento vendido sob receita que pode ajudar essa população: um remédio de ação rápida derivado de um anestésico disponível há muito tempo e de uso generalizado, a cetamina.

A aprovação representa a transição para uma nova geração de medicamentos antidepressivos, depois da era Prozac.

O tratamento aprovado, um composto chamado "esketamine", é um spray nasal desenvolvido pela Janssen Pharmaceuticals, subsidiária do grupo Johnson & Johnson, e será comercializado sob a marca Spravato. O remédio contém uma porção ativa da molécula da cetamina, cujas propriedades antidepressivas não são bem conhecidas até o momento.

Novo tratamento para depressão aprovado nos EUA é um composto chamado "esketamine", um spray nasal desenvolvido pela Janssen Pharmaceuticals, subsidiária do grupo Johnson & Johnson, e comercializado sob a marca Spravato
Novo tratamento para depressão aprovado nos EUA é um composto chamado "esketamine", um spray nasal desenvolvido pela Janssen Pharmaceuticals, subsidiária do grupo Johnson & Johnson, e comercializado sob a marca Spravato - Divulgação

"Ainda bem que agora temos algo com um mecanismo de ação diferente do que é usado em antidepressivos anteriores", disse Erick Turner, ex-avaliador de medicamentos da FDA e professor associado de psiquiatria na Universidade de Saúde e Ciência do Oregon. "Mas encaro o entusiasmo quanto a isso com ceticismo, porque nosso mundo é como quando Lucy segura a bola de futebol americano para Charlie Brown chutar: ela sempre acaba tirando a bola do lugar, por mais esperança que tenhamos".

O anestésico genérico já está disponível com frequência cada vez maior como tratamento contra depressão em centenas de clínicas nos Estados Unidos que oferecem tratamentos intravenosos para pacientes deprimidos. Alguns estudos apontam que seu uso pode beneficiar pacientes resistentes a outros tratamentos. A cetamina frequentemente causa sensações de alucinação, quando administrada; nas décadas de 1980 e 1990, ela era popular como droga, usada por frequentadores de casas noturnas e conhecida como Special K.

A dosagem recomendada do remédio recém-aprovado é duas aplicações por semana durante quatro semanas, com doses se requeridas se requeridas, e em companhia de um dos antidepressivos de uso oral usados comumente. A aprovação da FDA requer que as doses sejam aplicadas numa clínica ou consultório médico, e que os pacientes sejam acompanhados por pelo menos duas horas, com registro de suas experiências. Os pacientes não devem dirigir no dia do tratamento.

A "esketamine", como a cetamina, pode ser usada de forma abusiva, e os dois medicamentos podem causar episódios psicóticos em pessoas que correm risco elevado desse tipo de reação. A monitoração de segurança requer que os médicos tenham um espaço reservado ao acompanhamento dos pacientes, o que pode representar um desafio logístico, disseram alguns psiquiatras.

O custo de um tratamento como esse no atacado será de entre US$ 2,36 mil e US$ 3,54 mil, de acordo com a Janssen, e especialistas dizem que isso dará à empresa uma fatia do mercado mundial de antidepressivos, que movimenta US$ 12 bilhões ao ano e no qual os medicamentos genéricos dominam, hoje.

A aprovação da "esketamine" marca uma nova abordagem no tratamento de sérios distúrbios de humor, dizem especialistas. O Prozac e medicamentos semelhantes reforçam a ação de mensageiros cerebrais como a serotonina; são moderadamente efetivos, mas demoram semanas ou meses a fazer efeito e, no caso de muitos pacientes, não aliviam muito a depressão.

Em contraste, os compostos baseados em cetamina —há diversos deles em desenvolvimento —começam a fazer efeito em poucas horas ou dias, e são efetivos em algumas pessoas classificadas como "resistentes a tratamento", o que significa que elas já usaram outros antidepressivos e não se beneficiaram deles.

Especialistas com longa experiência no tratamento de depressões receberam a notícia positivamente, mas continuam cautelosos. A efetividade da categoria anterior de antidepressivos, como o Prozac e o Paxil, foi imensamente exagerada quando os produtos chegaram ao mercado. E os resultados dos testes com a "esketamine", pagos e conduzidos pela Janssen, foram contraditórios.

Em cada teste examinado, todos os pacientes começaram um tratamento com um novo antidepressivo e ao mesmo tempo um tratamento paralelo com "esketamine" ou um placebo. Em um estudo de um mês de duração, os pacientes que receberam a "esketamine" apresentaram resultados estatísticos melhores do que os pacientes que receberam o placebo, com redução de 21 pontos em sua marca na escala padrão de 60 pontos usada para avaliar a depressão, ante 17 pontos de redução para os participantes que receberam o placebo.

Mas em dois outros testes, o medicamento não apresentou desempenho estatístico superior ao do placebo. Historicamente, a FDA requer que um remédio obtenha sucesso em dois testes clínicos curtos antes de aprová-lo. A agência adotou um critério menos severo para a "esketamine", optando em lugar disso por estudar reincidência nos pacientes que se saíram bem com o novo tratamento.

No teste de reincidência, a Janssen reportou que apenas um quarto dos participantes mostraram recaídas, ante 45% dos participantes que receberam o placebo. Todos os pacientes haviam recebido um diagnóstico de depressão resistente a tratamento, ou DRT, depois de passarem por diversas rodadas mal sucedidas de tratamento com remédios.

"Não tivemos novidade alguma em 30 anos", disse Steven Hollon, professor de psiquiatria e ciências do comportamento na Universidade Vanderbilt. "Assim, se esse remédio é uma forma efetiva de obter resposta mais rápida em pessoas que resistem a tratamentos, e se pudermos usá-lo em segurança, será um grande avanço".

Desesperados por alívio

Uma questão que ainda terá de ser respondida é se a "esketamine" funciona tão bem quanto a cetamina aplicada de modo intravenoso.

Theresa, 57, professora adjunta de inglês em Nova York que pediu que seu sobrenome não fosse mencionado para proteger sua privacidade, conviveu com depressão profunda por boa parte de sua vida. Ela fez um tratamento com cetamina genérica intravenosa em uma clínica local, no ano passado, o que tipicamente requer meia dúzia de infusões, aplicadas em prazo de duas semanas, ao custo de cerca de US$ 500 por sessão, acompanhadas por injeções "de reforço" quando necessário.

"Lembro que flutuei. Estava realmente alta", ela disse. "Estava viajando nos sons, texturas e formas; isso era parte importante da experiência".

A primeira infusão não trouxe alívio, ela disse. Mas depois da terceira ou quarta, ela percebeu um "virada" satisfatória em seu humor subjacente. "É algo difícil de descrever. Eu continuava ansiosa, mas me sentia mais sólida, de alguma forma, como se algo tivesse se encaixado dentro de mim; meu marido percebeu, também".

Glen Brooks, fundador e diretor médico da NY Ketamine Infusions, uma clínica na região central de Manhattan, diz ter tratado 2,3 mil pessoas, de todas as idades, com cetamina intravenosa. Os clientes dele haviam recebido diversos diagnósticos, entre os quais estresse pós-traumático, ansiedade e distúrbio obsessivo-compulsivo, além de depressão.

"O que todos os pacientes têm em comum é que outros medicamentos fracassaram", disse Brooks, que é anestesiologista. "A situação dos pacientes é desesperada, e eles costumam pensar que, que já nada mais funcionou, o novo tratamento tampouco funcionará". O médico disse que, em sua experiência, as infusões rapidamente reduzem os sintomas para adolescentes e jovens adultos, mas parecem menos efetivas para os pacientes com mais de 50 anos.

Os dados que a Janssen apresentou à FDA também indicam que a "esketamine" é menos efetiva em pessoas com idade de 65 anos ou mais, com resultados pouco superiores ao do tratamento com placebo.

A cetamina foi desenvolvida mais de cinco décadas atrás como alternativa mais segura ao anestésico fenciclidina (conhecido pela sigla PCP, em inglês), e é usada em todo o mundo em salas de cirurgia, atendimento a soldados feridos em campos de batalha e em clínicas pediátricas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a cetamina em sua lista de medicamentos essenciais em 1985.

Na década de 1990, surgiu o interesse no potencial do medicamento para combater a depressão, quando um cientista do governo americano chamado Phil Skolnick argumentou que direcioná-la aos percursos do glutamato — o principal processo de neuroativação, ou excitação, do cérebro - poderia gerar efeitos antidepressivos. Em 2000, uma equipe de pesquisadores da Universidade Yale e do Centro de Saúde Mental do Connecticut, liderado por Robert Berman, reportou que a aplicação de cetamina havia levado alívio rápido a sete pacientes de depressão.

Esse campo de pesquisa ganhou impulso em 2006 quando uma equipe do Instituto Nacional de Saúde Mental americano, comandada pelo médico Carlos Zarate Jr., reportou que 18 pacientes com DRT que  haviam recebido o medicamento por via intravenosa informaram que sua sensação de desespero desapareceu depois de algumas horas.

"O que parece notável é que o remédio também parece ajudar em outros domínios que não a depressão, como a ansiedade, pensamentos suicidas e anedonia" — a incapacidade de sentir prazer —, disse Zarate, diretor da área de terapias experimentais e fisiologia patológica do instituto. "Ele parece ter efeitos muito mais amplos, em diversas áreas associadas ao humor".

A aparente capacidade da cetamina para bloquear pensamentos suicidas é especialmente atraente, e a Janssen está estudando essa indicação para a "esketamine". Em penitenciárias e enfermarias psiquiátricas, o suicídio é um risco ativo para pessoas em crise, e um medicamento de ação rápida pode salvar muitas vidas, dizem médicos.

Por enquanto, ninguém sabe se a "esketamine" ou quaisquer dos demais compostos baseados em cetamina que estão estão em estudo são mais efetivos que o anestésico genérico em si - ou, aliás, se os "efeitos colaterais" alucinatórios estão de fato relacionados às suas propriedades antidepressivas.

"Para isso, precisamos de estudos comparativos diretos [entre medicamentos]", disse Zarate. "E ainda não os temos".

Fatores de risco

  • Comportamento: Ser uma pessoa pessimista, autocrítica em excesso e com baixa autoestima
  • Trauma: Passar por um evento traumático, como abuso, morte de entes queridos, problemas financeiros
  • Família: Histórico familiar de depressão, alcoolismo, transtorno bipolar ou suicídio
  • Doenças crônicas: Ter câncer, AVC, dores crônicas, doenças cardíacas
  • Medicamentos: Tomar alguns medicamentos para dormir e para controlar a hipertensão

Sintomas

  • Sensação de tristeza, vontade de chorar, de vazio
  • Raiva repentina, irritabilidade, frustração por motivos pequenos
  • Perda da sensação de prazer em atividades como sexo e na prática esportiva
  • Insônia ou sonolência excessiva
  • Ansiedade, agitação
  • Pensamento, fala e movimentos corporais lentos
  • Pensamentos recorrentes sobre morte, tentativas e id eação de suicídio
  • Dores de cabeça corporais e outros problemas físicos sem explicação

Tratamento

Os tratamentos medicamentosos para depressão são bastante numerosos. Para escolher melhor deles paciente e médico devem levar em conta:

  • Particularidades: Dependo dos sintomas, como dificuldade para dormir, pode haver mudança da indicação do antidepressivo
  • Efeitos colaterais: Alguns antidepressivos podem causar ganho de peso, boca seca ou perda de libido, por exemplo, dependendo do caso
  • Interação: Há possibilidade de interação com medicamentos que o paciente já toma, tanto potencializando efeitos colaterais quanto anulando o efeito do medicamento
  • Outras doenças: Alguns remédios podem ser prejudiciais caso haja outras doenças mentais, ou mesmo tratá-las concomitantemente, a depender do caso
  • Teste genético: Atualmente há testes genéticos que podem predizer em alguma medida o sucesso do tratamento com algumas classes de antidepressivos
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