Descrição de chapéu The New York Times

Por que ficamos desconfortáveis quando as pessoas se aproximam demais

Após o caso Joe Biden, psicólogos analisam estudos sobre espaço pessoal e contato físico e dizem quão perto é perto demais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Benedict Carey
Nova York | The New York Times

Na quarta-feira (3), o ex-vice presidente e possível candidato à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, divulgou um vídeo no qual discutia a importância de respeitar o espaço pessoal. "As normas sociais começaram a mudar", ele disse. "Elas se alteraram, e as fronteiras de proteção do espaço pessoal foram redefinidas. Entendo o ponto."

Biden respondeu às queixas de duas mulheres que afirmaram ter sentido desconforto em contatos com ele porque ele chegou perto demais, tratou-as com intimidade demais e as tocou sem autorização.

O vídeo dele foi, em parte, um reconhecimento de que as regras de engajamento social mudam de tempos em tempos — assim como as percepções quanto ao grau de contato físico considerado apropriado e quanto aos limites do espaço pessoal.

Joe Biden ao lado de Lucy Flores, deputada que o acusou de ter dado um beijo inapropriado em sua cabeça
Joe Biden ao lado de Lucy Flores, deputada que o acusou de ter dado um beijo inapropriado em sua cabeça - AFP

A dinâmica do espaço pessoal e do toque vem sendo estudada intensamente pelos cientistas. Na década de 1960, o antropologista americano Edward Hall descreveu as características básicas do espaço social, com base em trabalhos de campo conduzidos na Europa, Ásia e outros lugares.

Cada um de nós demarca em torno de si um espaço de cerca de 45 centímetros —que Hall define como "espaço íntimo" —, reservado a amigos íntimos e parentes. O "espaço social", que se estende dos 45 centímetros aos 120 centímetros, está aberto a conhecidos e colegas. E o espaço social, entre os 120 centímetros e os 3,60 metros, é a órbita apropriada para desconhecidos ou pessoas que acabamos de conhecer.

Essas zonas parecem estar integradas ao senso muito evoluído do cérebro quanto à segurança espacial. Regiões cerebrais como as amígdalas cerebelares, que registram ameaças, se ativam automaticamente quando uma dessas fronteiras é transposta.

Em 2009, pesquisadores do cérebro no Instituto de Tecnologia da Califórnia reportaram o caso de uma mulher portadora de uma condição genética que havia danificado seriamente suas amígdalas cerebelares. O espaço social dela era muito menor que o usual, e desconhecidos podiam chegar a apenas 30 centímetros dela sem causar desconforto,

As distâncias mencionadas são médias e variam de pessoa a pessoa, de cultura a cultura e, provavelmente, de geração a geração. Em alguns países sul-americanos, como a Argentina e o Peru, desconhecidos são autorizados a se aproximar mais, e o espaço social é de cerca de 60 centímetros. A experiência pessoal também influi; uma pessoa que tenha sido sujeitada a assédio ou violência bem pode monitorar de forma mais atenta as fronteiras do contato.

Biden, um político de temperamento afetuoso, invade o espaço íntimo das pessoas a quem encontra, em um período, a era do movimento #MeToo, em que a discussão de contatos inapropriados ganhou volume, e a necessidade de consentimento explícito se tornou aguda.

A ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden em Brasília, na posse de seu segundo mandato em janeiro de 2015
A ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden em Brasília, na posse de seu segundo mandato em janeiro de 2015 - Reuters

Pessoas que gostam de tocar os outros, que abraçam e afagam livremente aqueles a quem encontram, em geral o fazem porque aprenderam que essa forma de comunicação não verbal pode ser um poderoso mecanismo de conexão. Nos 10 últimos anos, psicólogos conduziram dezenas de estudos sobre os efeitos do toque.

"O toque é a linguagem básica do afeto", disse Dacher Keltner, psicólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley. "É um dos modos de comunicação mais reconfortantes. Um abraço ou um toque reconfortante no ombro, vindos da pessoa certa, são mais poderosos que as palavras, para aliviar a ansiedade".

Mesmo toques discretos de amantes ou amigos têm efeito poderoso sobre o cérebro e o corpo, reduzindo instantaneamente os sinais físicos de estresse e ativando áreas do cérebro que já foram identificadas como envolvidas na redução do medo e da ansiedade,

O exemplo mais dramático talvez venha do trabalho de James Coan, psicólogo da Universidade da Virgínia, que testou de que forma estar de mãos dadas afeta a antecipação de um choque elétrico.

Em um estudo conduzido em 2017, uma equipe liderada por Coan e Karen Hasselmo, da Universidade do Arizona, recrutou 110 homens e mulheres com formações diversas. Cada um deles foi emparceirado com um cônjuge, amante ou amigo, e submetido a um exame de ressonância magnética aplicado por meio de eletrodos afixados a um tornozelo; a pessoa era advertida antes do teste de que seria submetida a um choque elétrico leve.

A equipe de pesquisa mediu o nível de desconforto fisiológico e a atividade cerebral de cada participante sob diversas condições, entre as quais de mãos dadas com um amigo ou parceiro, de mãos dadas com um desconhecido, e enfrentando o choque sozinho.

"A principal constatação dos testes em que as pessoas ficaram de mãos dadas com amigos é a de que, se alguém próximo ao participante segura sua mão, a reação deste ao choque é muito menos intensa" do que acontece quando a pessoa está sozinha, disse Coan. "Ficar de mãos dadas com um desconhecido não tem efeito".

Pesquisas transculturais demonstraram que quase qualquer toque é agradável, vindo de um amante, da mesma forma como muitas das formas de contato físico com amigos. Mas, universalmente, desconhecidos são autorizados a pouco mais que tocar as mãos de uma pessoa. Contatos com quase todo o resto do corpo são reprimidos; o toque é recebido com incerteza, ou como se fosse uma intrusão.

As acusações contra Biden parecem refletir situações que ficam em algum ponto entre esses dois extremos. A cobertura noticiosa do acontecido levou muitas mulheres a recordar massagens não solicitadas nos ombros, ou abraços não solicitados, da parte de colegas de escritório. As pessoas que as tocam não são desconhecidas; são colegas, às vezes colegas queridos, e nem sempre homens.

"Minha sensação é de que a primeira reação das mulheres que são tocadas sem convite no local de trabalho é aquilo que os adolescentes de hoje chamam de 'nojinho'", disse Laura Kray, professora da escola de administração de empresas da Universidade da Califórnia em Berkeley. "Isso não só é desconfortável como gera uma espécie de pânico quanto ao que pode vir a seguir, e sobre como devemos lidar com essa situação complicada".

Ela acrescentou que "é evidente que a existência de uma relação de confiança estabelecida altera o significado de um abraço apreciativo ou um tapinha no ombro, e o torna mais positivo. Um abraço pela cintura ou beijo no topo da cabeça representa violação de fronteira, como regra geral".

Uma questão sem resposta clara é de que forma o toque solidário se torna mais afetuoso e, para algumas pessoas, sexual e mútuo.

"O que não sabemos, depois de todo esse tempo, é como a coisa avança de um lugar para o outro", disse Coan. "Ninguém sabe. Não existe resposta simples, na pesquisa psicológica ou na vida. Essa trajetória incluirá todas as formas de erro de sinalização. À medida que as pessoas oscilam em direção do amor ou do afeto, elas cometem erros o tempo todo".

Um olhar frio, um gesto de repulsa ou algumas palavras hostis podem bastar para corrigir muitos desses erros, talvez a maioria deles. Mas de forma alguma todos - em parte por conta das vastas diferenças nas maneiras pelas quais a pessoas percebem os toques de seus conhecidos ou colegas de trabalho.

Por exemplo, pesquisas sugerem que crianças pequenas tipicamente se sentem encorajadas e reconfortadas por um toque amistoso no ombro, não só por seus pais mas pelos professores. No entanto, essa uniformidade muda quando as pessoas chegam à idade adulta.

Algumas pessoas recuam diante de qualquer toque pretendido como afetuoso que não venha de alguém próximo. Outras podem considerar a mesma forma de toque, nas mesmas circunstâncias, como reconfortante.

Uma variabilidade semelhante provavelmente existe entre as pessoas que iniciam os toques. Um estudo conduzido em 2012 por Paul Piff, da Universidade da Califórnia em Irvine e Amanda Purcell, da Universidade Yale, constatou que pessoas propensas à hipomania, que são altamente enérgicas e sociáveis, interpretavam com muita precisão os toques que são pretendidos como solidários.

Mas há um porém: elas são menos sensíveis a toques intrusivos ou bruscos. A pesquisa indica que essas pessoas, por extensão, também podem desconsiderar os efeitos de suas tentativas de contato físico, e talvez não percebam a repulsa de alguém que elas estão tentando apoiar ou reconfortar.

Estender o braço por sobre os ombros de um colega de trabalho que não deseje esse contato pode resultar em um empurrão, um tapa, uma queixa formal— ou um vídeo viral.

Não importa que efeito político, ou de mídia, tenham as queixas contra Biden, as fronteiras do espaço pessoal sempre serão razoavelmente fluidas e, exceto nos casos mais evidentes, abertas a interpretação. Se você não tem certeza, pergunte primeiro.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.