Com só 1/5 dos garotos vacinados, cresce temor de câncer ligado ao HPV

Estudo em hospital de SP mostra que até 75% dos tumores de amígdalas estão associados ao vírus

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São Paulo

Dois anos após o início da vacinação contra o HPV (Papilomavírus humano) no SUS para meninos de 11 a 14 anos, só 22% deles receberam duas doses e estão imunizados por completo. A meta do Ministério da Saúde era vacinar 80% do público.

As piores taxas estão nos estados do Pará (14%) e Rio de Janeiro (16%), e as melhores, no Paraná (29,7%), e Minas Gerais (28,8). Segundo o ministério, mais de 9,2 milhões de adolescentes ainda precisam ser vacinados em todo o país.

A baixa adesão à vacinação, também verificada entre as meninas de 9 a 14 anos (cobertura de 51%), tem preocupado os oncologistas e foi discutida na semana passada no maior congresso de oncologia do mundo, em Chicago (EUA).

Menino se vacina com óculos de realidade virtual
Menino se vacina com óculos de realidade virtual - Bruno Santos - 29.mai.2017/Folhapress

O vírus está presente em mais da metade da população brasileira e é associado a vários de tipos de tumores, como o de colo de útero, de pênis e das regiões vaginal e anal.

Novos estudos apontam que o HPV também tem sido relacionado cada vez mais a casos de tumores da cavidade oral em jovens. Uma pesquisa do A.C.Camargo Cancer Center, de São Paulo, mostrou que até 75% dos casos de câncer de amígdalas e 32% dos de boca estão associados ao vírus. Há dez anos, essa relação existia em apenas 25% desses casos.

Segundo o cirurgião oncológico Luiz Paulo Kowalski, diretor do setor de cirurgia de cabeça e pescoço do A.C.Camargo, historicamente esses cânceres afetam homens mais velhos, que fumam e/ou bebem excesso. “Agora, aparecem cada vez mais jovens entre 30 e 45 anos sem esses fatores de risco, mas que estão infectados com o HPV”, diz.

A hipótese é de que a infecção ocorra pelo sexo oral desprotegido —o vírus está presente na região genital e anal. Mas podem existir outros fatores que precisam ser mais bem estudados porque há doentes que, mesmo com o tumor associado ao HPV, negam a prática de sexo oral.

“É impensável não tomar a vacina, uma medida preventiva claramente eficiente. São jovens que serão submetidos a cirurgias, quimioterapia, radioterapia, que podem deixar sequelas para o resto da vida, mesmo que o câncer seja curado”, afirma Kowalski.

De acordo com a professora da USP Luisa Lina Villa, chefe do laboratório de inovação em câncer do Icesp (Instituto de Câncer do Estado de São Paulo), os tumores de orofaringe [base da língua e amídalas] associados ao HPV são mais frequentes em homens jovens com perfil socioeconômico mais elevado.

No hospital estadual Heliópolis, por exemplo, eles respondem só por 10% dos casos. No Icesp, por 30%. Ou seja, entre os pacientes do SUS, a maioria ainda está relacionada aos fatores de risco clássicos como o álcool e o tabaco.

Ela conta que há um estudo em andamento, envolvendo o Brasil e países da Europa e da América Latina, que analisará com mais profundidade os fatores de risco envolvidos nos tumores de orofaringe e a relação com o HPV.

Villa acredita que esse cenário possa levar a mudanças nas estratégias preventivas relacionadas à vacina, até hoje muito voltadas às meninas.

“Há uma série de preconceitos envolvendo as mulheres [como o temor de que a vacina estimule a iniciação sexual precoce]. Vamos colocar o homem no foco. Ele tem o vírus, ele pode ter câncer de pênis, de reto, de orofaringe [base da língua e amígdalas]. E para evitar parte desses cânceres, tem que vacinar. Tenho certeza de que as mães de meninos vão procurar a vacina.”

Segundo ela, embora também seja fundamental para as mulheres, elas dispõem de outras formas de prevenção do câncer do colo de útero, como o exame papanicolaou. “O homem ainda está na penumbra. Mas ele é tanto artífice do que pode acontecer à mulher como vítima. Os tumores de orofaringe são horríveis, mutilantes, e a sobrevida é pequena. Em cinco anos, morrem 50% dos doentes.”

A baixa cobertura vacinal também preocupa os Estados Unidos, onde apenas 49% da população de meninas e meninos com indicação para a vacina está imunizada.

Por lá, entre as razões que levam os pais a não vacinar seus filhos contra o HPV estão a preocupação com segurança e efeitos colaterais, a crença de ela não é necessária e a falta de recomendação dos gestores de saúde.

Uma pesquisa divulgada no congresso em Chicago aponta que apenas 40% dos brasileiros ouvidos em sete grandes cidades conheciam a relação do vírus com o câncer e só 8% sabiam que há uma vacina contra o HPV disponível pelo SUS.

“Os pré-adolescentes ou os adolescentes não vão ao posto de saúde com os pais como as crianças pequenas. Então é preciso criar outras estratégias para atingir esse público”, diz o oncologista Markus Gifoni, um dos autores do estudo.

No Brasil, são estimados 16 mil casos de câncer de colo do útero por ano e 5.000 mortes de mulheres em razão da doença. Mais de 90% dos casos de câncer anal e 63% dos cânceres de pênis são atribuíveis à infecção pelo HPV.

Em países que conseguiram índices de cobertura superiores a 80%, como Austrália, o número de mulheres com mais de 25 anos diagnosticadas com câncer cervical caiu em pelo menos 50%, segundo estudos recentes.

No Brasil, porém, ainda é grande o questionamento sobre a validade da vacinação inclusive entre os médicos. As razões vão desde eventuais efeitos colaterais graves (não há evidência sobre eles e a OMS atesta a segurança) e passam pelas dúvidas sobre se a imunização, que já se mostrou eficaz na prevenção de células pré-malignas, evitará de fato um câncer no futuro.

Para Gustavo Gusso, professor da USP e um dos diretores da sociedade medicina de família e comunidade, do ponto de vista coletivo, a baixa cobertura da vacinação do HPV não é tão preocupante porque ela oferece proteção individual, não populacional, como a vacina contra o sarampo.

“É importante saber quais ações preventivas vamos priorizar. Certamente as vacinas de bloqueio populacional em que o objetivo é que fazer com que o vírus pare de circular, como as contra a pólio e o sarampo, estarão sempre entre as principais prioridades.”

HPV e câncer

O que é o HPV
O HPV (papilomavírus humano) é um vírus que provoca lesões na pele e nas mucosas --algumas delas são visíveis e outras, não. Há mais de cem tipos de HPV, e a maioria é inofensiva

Sintomas
A infecção pelo HPV não apresenta sintomas na maioria das pessoas. Em alguns casos, o HPV pode ficar latente de meses a anos, sem manifestar sinais visíveis a olho nu. No homem, as verrugas com aspecto semelhante à couve-flor são mais comuns na cabeça do pênis (glande) e na região do ânus. Na mulher, surgem na vagina, vulva, região do ânus e colo do útero. As lesões também podem aparecer na boca e na garganta 

Transmissão
A principal forma de contágio é por meio da relação sexual. 

Diagnóstico
O diagnóstico das lesões visíveis pode ser feito por exame urológico, ginecológico e dermatológico. 
O exame preventivo Papanicolaou (citopatologia), e outros como colposcopia, peniscopia e anuscopia, podem distinguir as lesões não visíveis benignas das malignas

Câncer
Certos tipos de HPV podem evoluir para câncer. Alguns fatores podem aumentar o risco, infecção pelo HIV e por outras doenças sexualmente transmissíveis

Para o Brasil, o Inca estima 11.200 casos novos de câncer da cavidade oral em homens e 3.500 em mulheres para cada ano do biênio 2018-2019. Esses valores correspondem a um risco estimado de 10,86 casos novos a cada 100 mil homens, ocupando a quinta posição; e de 3,28 para cada 100 mil mulheres, sendo o 12º mais frequente entre todos os cânceres

Prevenção
A vacina é distribuída gratuitamente pelo SUS e é indicada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, pessoas que vivem HIV e pessoas transplantadas na faixa etária de 9 a 26 anos;
O uso de camisinha pode diminuir a possibilidade do contágio, apesar de não proteger totalmente contra a transmissão. O papanicolaou identifica as lesões precursoras do câncer do colo do útero
Fonte: Inca e Ministério da Saúde

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