Descrição de chapéu Cabeça de Adolescente

É preciso levar a sério jovem que fala em suicídio, diz psicóloga

Brasil registrou quase 4.900 casos entre adolescentes de 2011 a 2016

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São Paulo

“Eu só tinha vontade de chorar, não tinha um motivo específico, chorava por tudo o que estava acontecendo. Não sabia o que estava sentindo.” Carolina (nome fictício) tem 16 anos e neste ano tentou suicídio pela segunda vez. A primeira foi aos dez.

O suicídio é a quarta principal causa de morte entre adolescentes e jovens no Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De 2011 a 2016, foram quase 4.900 mortes de jovens de 10 a 19 anos. O número está crescendo: de 2005 a 2010, foram cerca de 4.300 casos.

“É um sofrimento que não é aceito pela própria pessoa nem pelos outros. Tanto que a maioria fala: ‘para com essa frescura’, ‘ele só quer chamar a atenção'”, diz a psicóloga e especialista em suicídio Karina Fukumitsu.

Para ela, é importante levar a sério um adolescente que fala em suicídio, ainda que o desejo seja oscilante. “O adolescente não quer se matar por inteiro. Ele quer matar aquilo que está provocando o sofrimento.” Ouvi-lo nesses momentos pode ser decisivo, explica a especialista.

Carolina relatou suas tentativas a um amigo e a um coletivo de meninas. “Quando contei, eu me senti um pouco aliviada. Recebi o retorno que eu esperava: preocupação e interesse em ajudar.”

Apesar de ter sido encaminhada para atendimento psicológico e psiquiátrico pela equipe médica que a atendeu, Carolina diz não ter contado que tentou se matar a nenhum dos profissionais. “Não costumo falar abertamente sobre isso, acho que estou incomodando, que a pessoa não vai me entender.” Ela só foi levada ao pronto-socorro pela mãe porque desmaiou após a tentativa.

De 2011 a 2016, as tentativas de suicídio de jovens entre 10 e 19 anos notificadas ao Ministério da Saúde passaram de 10 mil. Estima-se, entretanto, que apenas uma a cada três pessoas de todas as idades que tentam suicídio no Brasil seja atendida por um serviço médico de urgência. As outras não procuram atendimento.

Segundo estimativas da OMS, 90% dos casos de suicídio em todas as faixas etárias estão relacionados a doenças mentais que podem ser diagnosticadas e tratadas, como esquizofrenia, transtornos de humor, de personalidade e de ansiedade.

Para Fernanda Marquetti, docente no curso de ciências da saúde da Unifesp, é impossível traçar um perfil de quem comete suicídio. “As pessoas são muito diferentes. Mas, em comum, eu diria que elas se sentem desenraizadas, desgarradas de tudo, não conseguem ter relação com nenhum grupo.”

Por isso, segundo ela, a ênfase nos motivos individuais para explicar um aumento da taxa no suicídio pode levar a soluções ineficazes. “Temos que tratar das relações no entorno dos adolescentes.” Em casos de bullying na escola, por exemplo, o tratamento individual da vítima é tão importante quanto mudanças no ambiente em que ela está inserida. Entre os grupos considerados pela OMS como mais vulneráveis ao suicídio estão indígenas, LGBTs, jovens grávidas, imigrantes e outros alvos de discriminação social.

Filha de imigrantes nigerianos, Carolina relata que sofreu racismo em quase todas as escolas pelas quais passou. “Eu não achava que era por causa da minha cor de pele, porque todo mundo um dia sofre bullying, mas comecei a perceber que era sempre comigo.”

Com o crescimento da taxa de suicídio no país, que, de 2011 a 2016, passou de 5,3 por cem mil habitantes para 5,8, o tema entrou nas prioridades do governo. Em abril deste ano, foi aprovada uma política nacional de prevenção, segundo a qual a notificação de casos de suicídio e automutilação, que já era prevista em portarias, passou a ser lei. Nos casos de automutilação, estabelecimentos de saúde e instituições de ensino deverão comunicar os episódios a órgãos públicos.

Na opinião de Fukumitsu, a política é positiva por jogar luz em um tema que, segundo ela, era ignorado. Mas faz um alerta para a necessidade de fornecer treinamento adequado aos agentes de saúde e educação. “Junto à notificação, tem que ter um programa de acolhimento às pessoas que estão sofrendo."


O QUE FAZER

Converse sem pressa com a pessoa
Antes de iniciar a conversa, procure um local em que a pessoa esteja à vontade para se abrir. Tenha tempo para ouvi-la sem interrupções

Ouça com atenção e não julgue
Ofereça compreensão ao invés de julgar ou se mostrar chocado com o que está ouvindo. Não prometa que vai guardar segredo

Conduza a pessoa a ajuda profissional
Quem está pensando em suicídio dificilmente terá a iniciativa de procurar ajuda sozinho, então leve a pessoa até um profissional. Em casos extremos, não deixe a pessoa sozinha

ONDE PROCURAR AJUDA

Centro de Valorização da Vida (CVV)
Oferece apoio gratuito e sob sigilo por telefone (188) e via internet

Clínica-escola
É comum que faculdades de psicologia ofereçam terapia gratuita por meio de seus estudantes, que contam com a orientação dos professores

Centro de Atenção Psicossocial (Caps)
Segmento do SUS, estão presentes em cidades com mais de 20 mil habitantes e são responsáveis por tratamentos psicossociais

Plano de saúde
Desde 2017, os planos de saúde não podem limitar o número de consultas para tratamento de transtornos psicológicos

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