Os pais ainda encontram dificuldade para distinguir o comportamento típico da adolescência daquele que pode ser um possível transtorno mental. Nessa fase, é comum, por exemplo, que o jovem ande em grupos, o que pode dificultar a percepção de questões individuais problemáticas de cada adolescente.
Mas os especialistas ouvidos pela Folha afirmam que as famílias (e a sociedade em geral) têm papel crucial no trato de aspectos como a sexualidade e apoio emocional nessa fase.
A negligência nessas áreas costuma ser apontada como fonte recorrente de sofrimento nessa etapa da vida.
“Os adolescentes precisam de diálogo e de uma autonomia supervisionada”, afirma Denise De Micheli, professora do departamento de psicobiologia da Unifesp.
A pressão escolar e a exigência por resultado também estão entre os fatores que podem potencializar o desenvolvimento de doenças mentais.
A estudante Rafaela Lopes, 19, conta que teve problemas com professores no último ano do ensino médio, quando incluiu na rotina um curso preparatório para o Enem.
A exaustão gerou ansiedade, crises de choro e enxaqueca. Há três meses, faz tratamento que inclui terapia. “Fez muita diferença pra mim porque aprendi que se me faz mal, eu posso parar”, diz ela.
O abuso de álcool e outras drogas pode ser sinal de sofrimento, mas também atrapalha o desenvolvimento, porque desregula o sistema de recompensa do cérebro.
“Sabe-se que o álcool causa prejuízos no córtex pré-frontal, área do pensamento crítico, e no hipocampo, responsável pela memória e aprendizagem, e torna o sistema de recompensa muito mais sensível”, afirma De Micheli.
A psiquiatra diz que o grau de impacto depende do uso, mas que se sabe pouco da permanência desses efeitos.
A adolescência também é uma fase de alterações importantes na estrutura cerebral. O sistema de recompensa é calibrado, as conexões entre as áreas do cérebro são fortalecidas, há novos hormônios circulando e os pensamentos ficam mais rápidos e eficientes.
O órgão amadurece de trás para frente. Por isso, a última parte a se consolidar é o córtex pré-frontal, responsável pelas tomadas de decisões e os pensamentos racionais.
Apesar de estar no auge do seu vigor físico e ter uma mente potencializada, o adolescente tem ainda imatura a parte do cérebro que lhe dá a capacidade de ver as experiências que vive em perspectiva e o protege de se engajar em comportamentos de risco.
“Se uma criança é um fusquinha sem freio, o adolescente é uma Ferrari sem freio”, diz a psiquiatra Sandra Scivoletto, psiquiatra do ambulatório de adolescentes do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
Principais mudanças no cérebro durante a adolescência
Na infância, conforme a criança é estimulada, o cérebro cria o maior número possível de ramificações entre os neurônios. Na adolescência, o foco é descartar as conexões inúteis e engrossar as mais utilizadas. Esse processo de maturação, que se prolonga até os 25 anos, começa na parte de trás da cabeça e termina na parte da frente
- Amígdala e córtex temporal
Regiões importantes no processamento de emoções, amadurecem para lidar com dinâmicas sociais mais complexas. Os hormônios sexuais, que aumentam durante a adolescência, influenciam nesse processo
- Núcleo accumbens
Envolvido na avaliação de esforço e recompensa, está em processo de maturação. O uso de drogas pode afetar a calibração desse núcleo e de outras partes do sistema de recompensa
- Hipocampo
Ligado ao aprendizado e à memória, tem desenvolvimento acentuado na adolescência. Momentos de estresse afetam negativamente seu processo de maturação
- Córtex pré-frontal
Última parte a completar o processo de maturação, é responsável pelo raciocínio lógico. Adultos tendem a usá-lo para lidar com emoções, mas adolescentes precisam recrutar mais áreas do cérebro para a mesma tarefa
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