Contra a solidão, Califórnia oferece sessões pagas com abraços e cafunés

Festas do carinho requerem consentimento e ajudam de solteiros a pessoas com traumas

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Venice (Califórnia)

O sorridente Fahad Alghamdi recebe os convidados na porta do estúdio. Ele rejeita meu aperto de mão escondendo os braços nas costas e me devolve: “O que acha de um abraço?” Como estamos no Cuddle Sanctuary (algo como santuário do carinho), penso que é melhor entrar no espírito. Ficamos abraçados por poucos segundos.

Alghamdi, 33, frequenta o espaço há seis meses, na praia de Venice, em Los Angeles. “Procurava um lugar para uma conexão humana mais profunda”, diz o programador da Arábia Saudita, nos EUA faz cinco anos. “Os benefícios são muitos para minha saúde mental. Aprendi a me comunicar melhor também. E adoro quando rola um trenzinho de abraços.”

“Cuddle parties”, ou festas de carinho, são eventos sociais para adultos que podem envolver diversos tipos de abraços, alguns com nomes curiosos como “coala” ou “colo do luxo”, além de afagos, mãos dadas e cafunés. A interação não deve ter conotação sexual e há regras detalhadas sobre consentimento.

“É como um workshop de comunicação avançada disfarçado de festa do pijama”, define um dos diretores da ONG americana Cuddle Party, pioneira do movimento há 15 anos, ajudando a organizar eventos e treinar líderes em cinco países. “Fornecemos um espaço seguro para carinho platônico num mundo privado de contato.”

Há ciência por trás dos abraços. Uma boa sessão de chamego libera substâncias do bem-estar no organismo que reduzem níveis de estresse e depressão. Um em cada cinco americanos diz se sentir solitário, e autoridades já alertaram para uma epidemia da solidão e suas consequências: isolamento social pode ser tão nocivo à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia.

No estúdio em Venice, sentamos em círculo no chão coberto de almofadas e cobertores. Para os novatos, há uma orientação de 15 minutos antes da sessão principal de quase duas horas, da qual participam 16 pessoas, incluindo sete mulheres. O preço é US$ 25 (ou US$ 200 para dez eventos ou mensalidade de US$ 60).

Quem lidera é a criadora do Cuddle Sanctuary, a americana Jean Franzblau, 48, uma mulher baixinha cheia de energia e cabelos levemente grisalhos. Nos finais de semana, ela costuma distribuir abraços de graça na feira de orgânicos em Santa Mônica, praia vizinha a Venice.

“Peça e espere a resposta”, ela explica sobre uma das regras de consentimento. “E peça sem gesticular”, continua. O primeiro exercício da noite é dizer não. Em pares, cada um precisa pedir uma coisa e o outro, rejeitar. 

Conversamos sobre o sentimento de rejeição. Alghamdi diz que aprendeu a não se incomodar: prefere um abraço genuíno do que um ambíguo. Para Franzblau, vivemos numa cultura em que o contato está relacionado a dramas e traumas. Homens aprendem que o único toque possível é o sexual, e as mulheres aprendem a se defender.

“Aqui é um ambiente seguro, o contato não é algo para ganhar pontos. Não é um mercado de carne”, explica Franzblau, cujo trabalho fora do santuário é dar treinamentos de comunicação para empresas. 

Outras regras práticas são: não usar perfumes e roupas com cheiro forte de amaciante, manter-se sóbrio, sem contato em áreas íntimas e, se acontecer uma ereção, não entrar em pânico. “É uma resposta natural e não há que se envergonhar”, explica o site do santuário. “Recomendamos mudar de posição e mudar sua atenção para que a experiência seja platônica.”

Na posição “olhar para as estrelas”, fico deitada ao lado de uma psicóloga loira sul-africana e só nossos ombros se encostam. Conversamos por bons minutos e no final damos as mãos. Quando o exercício vira um grupo de cinco e podemos tocar apenas do joelho para baixo, ela prefere não participar. Piso no pé de vários estranhos, com consentimento. Rola uma camaradagem, damos risadas e então vem a pergunta misteriosa:

“Você quer ser o coala da minha árvore?” O rapaz magrela explica: um fica estirado no chão de braços abertos, como uma árvore, e o outro abraça de um lado, como um coala. Vejo que Franzblau tem dois homens deitados em seu colo, e os três conversam enquanto ela lhes faz cafuné. É a posição “colo do luxo duplo”.

Do movimento das festas de carinho, surgiram também terapeutas para sessões particulares (a partir de US$ 60 por uma hora). Há sites que oferecem treinamento online, como o Cuddlist, fundado em 2015. O site informa já ter treinado mais de 1.300 terapeutas e mostra perfil de mais de cem profissionais.

“Nossa missão é educar o público sobre a necessidade saudável e normal do contato platônico”, explica a cocriadora do Cuddlist, Madelon Guinazzo. “Vejo epidemias de solidão, ansiedade e depressão como sintomas dessa necessidade. E o carinho ajuda.”

A maioria dos frequentadores dos eventos e dos clientes são solteiros e homens. Há também pessoas com traumas e às vezes casais em que um parceiro tem aversão a contato. Franzblau acredita que razão da alta frequência masculina é porque vivemos numa sociedade patriarcal.

“Sabemos qual é a profissão mais antiga do mundo. Eles estão acostumados a pedir ajuda profissional para suas necessidades. Já para as mulheres, o mais perto disso é a massagem”, diz Franzblau.

Susan Lee, uma ruiva de olhos claros de 55 anos, frequenta as festas de carinho há três anos e já liderou algumas só para mulheres. Ela conheceu a Cuddle Party após indicação de uma amiga, na época em que havia terminado um relacionamento de 12 anos.

“Contato físico sempre foi importante para mim e sentia falta. Queria achar uma maneira de atender minhas necessidades antes de voltar a sair com outras pessoas”, diz Lee, que é formada em ciência da computação e hoje trabalha como “life coach”. 

São quase 21h30 quando Franzblau avisa que o evento está acabando. Estou no meio de uma conchinha de cinco pessoas, quase tirando um cochilo. Um jovem ao meu lado pede um carinho na barriga antes da sessão terminar. Todos se levantam e damos um abraço coletivo.

“Você foi a melhor árvore que eu tive em muito, muito tempo”, elogia Alghamdi, pedindo permissão para um último abraço de despedida.

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