Novo coronavírus gera ações sociais, médicas e científicas nunca vistas

Vírus foi o mais rapidamente sequenciado, provocou quarentena inédita de milhões de pessoas e recorde de estudos publicados

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São Paulo

Nunca um vírus foi tão rapidamente identificado por sequenciamento genético e seu genoma compartilhado com a comunidade científica internacional. Nunca uma cidade de 11 milhões de habitantes foi colocada em quarentena. E uma nova vacina pode ser desenvolvida em tempo recorde.  

No dia 31 de dezembro, o governo da China reportou à OMS (Organização Mundial de Saúde) os primeiros casos de pneumonia em Wuhan, na província de Hubei. Desde então, a epidemia de um novo coronavírus, que até domingo (2) já causou 362 mortes, tem reunido uma coleção de fatos inéditos, alguns bem controversos, como a quarentena. Veja a seguir os principais.

Rapidez no sequenciamento

Em 31 de dezembro, a China reportou os primeiros casos de uma pneumonia de origem desconhecida à OMS. No dia 5 de janeiro, dez dias depois de ter recebido as amostras de pacientes de Wuhan, cientistas do Shangai Public Health Center tinham isolado o vírus. Dia 11, já tinham compartilhado o genoma com a comunidade científica internacional. No caso da Sars, a janela entre o primeiro caso e a identificação levou 152 dias.

Estrutura do coronavírus, que tem esse nome por causa dos picos de suas membranas que lembram uma coroa
Estrutura do coronavírus, que tem esse nome por causa dos picos de suas membranas que lembram uma coroa - Lancet

“Apesar de muitas críticas, o surto tomou corpo em um país com grande capacidade científica. O impacto da ciência feita na China vem acelerando muito, com projeções de se igualar à produção americana em alguns anos”, diz o infectologista Esper Kallás, professor da USP.

Apesar da rapidez, dados sobre a real extensão da epidemia foram mantidos em segredo para o público chinês até praticamente o dia 24 de janeiro, quando foi decretada a quarentena. Com isso, houve atraso nas medidas locais de prevenção e controle.

Recorde de estudos

O compartilhamento rápido de informações sobre o sequenciamento genético do vírus tem resultado em grande volume de pesquisas, outro recorde. Segundo a revista Nature, em 20 dias, 54 estudos sobre coronavírus foram publicados, metade deles em sete dias. A maioria dos trabalhos contém dados sobre o período de incubação do vírus, características e sobre o quão rápido ele se espalha.

Um dos estudos, por exemplo, reportou que o vírus tem preferência por afetar a laringe, faringe e traqueia, trato respiratório superior. Já outros vírus da mesma família, como Sars e Mers, preferem o trato respiratório inferior (bronquíolos e alvéolos, no pulmão). Outras pesquisas tratam da estrutura ou do sequenciamento genético do patógeno, informação útil para drogas-alvo ou mesmo para vacinas.

Maior quarentena da história

O número de pessoas em quarentena na cidade chinesa de Wuhan não tem precedentes na história. “Até onde eu sei, conter uma cidade de 11 milhões de pessoas é inédito na ciência”, declarou a médica Gauden Galen, representante da OMS na China, ela mesmo em quarentena em Wuhan.  

Willian Schaffner, especialista em doença infecciosa da Vanderbilt University, disse que é um experimento de saúde pública sem precedentes. “Logisticamente, é espantoso como fizeram isso tão rapidamente”, afirmou ao New York Times.

“Se a quarentena é eficaz ou não ainda cabe uma intensa discussão. Os vários exemplos na história mostram que é uma má ideia”, diz Esper Kallás.

Opções terapêuticas e vacinas a jato

Várias opções terapêuticas começam a ser testadas também em um curto intervalo de tempo. Entre elas, uma combinação de Lopinavir/Ritonavir, antirretrovirais para o HIV. Há discussões no governo americano para testes como as drogas, como Remdesivir, da Gilead, a Galidesivir, da BioCryst, e Saracatinib, da AstraZeneca.

Também foi anunciado o desenvolvimento de vacinas. Há pelo menos três projetos que já iniciaram a construção de produtos candidatos.

Antony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos NIH (Instituto Nacionais de Saúde dos EUA), disse que os estudos clínicos fase 1 devem começar em três meses, tempo recorde para o órgão.

Dois hospitais na China com mais de dois mil leitos devem entrar em operação nesta semana. Um deles, já concluído, levou dez dias para ser construído.

Redes sociais e fake news

O que acontece quando uma emergência de saúde internacional é declarada numa era de uso maciço de smartphones e redes sociais? Fake news, que se espalham mais rapidamente do que o próprio vírus

De óleo de orégano, prata coloidal ao chá de erva-doce como tratamentos naturais contra a doença e publicações sugerindo que os EUA criaram e patentearam o coronavírus, o volume de fake news aumenta à medida que a epidemia se ocidentaliza.

O problema levou as gigantes da tecnologia Facebook, Google e Twitter a comunicar novas estratégias para conter a onda de notícias falsas.

Especialistas como Renee DiResta, gerente de pesquisa do Observatório da Internet de Stanford, dizem que a epidemia de coronavírus deverá ser o grande teste de como essas empresas vão reagir diante das fake news.

Situação semelhante já aconteceu em outros surtos, como o provocado pelo vírus da zika há quatro anos, mas o problema foi mais localizado. Agora, a epidemia já alcançou mais de 20 países.

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