Descrição de chapéu Coronavírus

Brasileira com coronavírus em Israel relata atendimento no país e fala sobre a doença

Tamar Roemer, 31, mora no país desde 2017 e está em quarentena em Beer-Sheva

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tel Aviv

Doente 76. Esse é o número da brasileira Tamar Roemer, 31, que está entre as 109 pessoas com o vírus covid-19 em Israel, país que está levando mais do que a sério a epidemia mundial de corona e vive uma espécie de pânico social e econômico.

Tamar, que mora no país desde 2017, está em quarentena no Hospital Soroka, em Beer-Sheva, desde terça-feira (10). Como a maioria dos doentes, a paulista se sente bem e não apresenta mais sintomas —teve febre alta e gripe por apenas dois dias—, mas agora precisa ficar isolada até os médicos terem certeza de que não carrega mais o vírus.

Tamar, que trabalha com inovação urbana na prefeitura de Beer-Sheva, começou a se sentir mal no domingo (8), depois de voltar de uma viagem à Inglaterra e à Escócia.

Só no dia seguinte, Israel decretou isolamento domiciliar por 14 dias para todos que desembarcassem no país, fechando praticamente as fronteiras. Mesmo antes da medida, no entanto, ela decidiu não sair de casa. Assim que os primeiros sintomas começaram, ligou para as autoridades e foi diagnosticada,

Em Israel, 5.400 pessoas já foram examinadas com suspeita de corona e 32 mil estão em isolamento doméstico de 14 dias (até a manhã desta quinta-feira, 12).

Eleitor vota em local especialmente montado pelas autoridades médicas em Tel Aviv, em Israel, para israelenses em quarentena devido ao surto do coronavírus (02.03.2020) - Lalo de Almeida/Folhapress

Dos 109 doentes, só seis apresentam quadro mais complicado: dois estão em estado grave e quatro, médio. Não há registro de mortes. Mas os israelenses temem a realidade de Itália e Irã.

O país parece ter entrado em estado de guerra. Muitos estocam comida e mantimentos. O ministério da Saúde e o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu realizam entrevistas coletivas diárias com orientações.

As primeiras pareciam inocentes: evitar apertos de mão e lavar as mãos constantemente. O ministro da Saúde, um ultraortodoxo, corroborou orientação de rabinos de que não é mais obrigatório beijar mezuzot —caixas com pergaminhos afixadas nos umbrais das portas— ao entrar em um cômodo.

Mas foi quase impossível evitar uma certa histeria. Os jornais publicam detalhes sobre o roteiro de cada doente —exatamente onde estiveram nos últimos dias, incluindo detalhes como nomes de lojas e restaurantes— e todos acompanham as notícias incessantemente.

O fechamento das fronteiras atingiu em cheio a indústria do turismo. A empresa área El Al anunciou demissões em massa. Cem hotéis anunciaram que vão fechar. Novas orientações incluem evitar ir a hospitais ou clínicas e cancelamento de grandes eventos (esportivos, conferências, shows). Universidades adiaram o início do ano letivo e o passo mais recente foi o fechamento das escolas.

Mesmo para um país acostumado com guerras, os efeitos econômicos assustam, principalmente depois da proibição de agrupamentos com mais de cem pessoas, atingindo o setor do entretenimento.

O governo anunciou um fundo com US$ 10 bilhões para empréstimos a juros baixos a empresas em dificuldades. Mas empresários pedem indenização imediata. A Bolsa de Valores de Tel Aviv opera em baixa histórica.

Em meio a tudo isso, a paulista Tamar Roemer não sabe quando receberá alta. Apesar de entender a necessidade da quarentena, ela se pergunta se as medidas tomadas pelas autoridades não levam apenas a um pânico desnecessário:

Como você descobriu a doença?

Tamar Roemer – Eu fui a Londres e Edimburgo, na Escócia, para uma mistura de trabalho e passeio. Passei bastante tempo em aeroportos, hotéis, locais com muitos turistas. Mas estava bem consciente. Mesmo que a Europa ainda não estivesse preocupada, Israel já estava. Por isso que, quando voltei, fui direto para casa e não saí.

Como foram os sintomas?

No domingo (8), acordei à noite passando mal, com calafrios. De manhã, estava com febre. Por volta de meio-dia, já tinha chegado a 39°C. Por dois dias, senti dor no corpo por causa da febre, um pouco de tosse e dor de cabeça. Mas não tive falta de ar.

Parecia uma gripe normal. Já tive bronquite e foi pior. No domingo mesmo, liguei para a Estrela de Davi Vermelha e veio uma enfermeira toda vestida com aquele macacão branco para fazer o exame. Coisa de ficção científica. Causou um pouco de estresse. Ainda bem que os vizinhos não viram.

Como você chegou ao hospital?

De ambulância. Só tinha o motorista, também todo vestido com roupa de ficção científica. No hospital, um enfermeiro me recebeu sem muitas informações. É tudo novo e você sente a insegurança de todos. Eu estou aqui com mais cinco pessoas no mesmo estado que eu. A gente está em uma ala e quartos separados. Uma assistente social que me liga duas vezes por dia. É bom, porque eu estou preocupada com a minha saúde mental pelo isolamento no hospital. Agora já me acostumei um pouco.

Como você reagiu ao diagnóstico?

Foi um choque, mas mais pela questão social do que pela física. Até porque a essa altura a minha febre já tinha passado e eu me sentia bem. Só que eu não tinha falado para os colegas do escritório da suspeita porque estava uma histeria coletiva.

Como eu respeitei a quarentena e não coloquei ninguém em risco, mantive a minha privacidade. Contei para poucas pessoas. Meus vizinhos foram muito legais. Me trouxeram comida, remédios. Eles penduravam tudo na grade do lado da casa e eu saía e pegava do lado de fora e entrava logo em casa.

Como está sendo o tratamento no hospital?

É como Big Brother. Eles estão me examinando com um aplicativo de tablet e uma maquininha do tamanho de um punho na qual eu acoplo um estetoscópio. Pelo aplicativo, sei em que partes do corpo tenho que colocar o estetoscópio. Falo com o médico pelo tablet e ele vai me orientando ao mesmo tempo em que escuta o meu coração e e o meu pulmão.

Como foi a reação de sua família no Brasil?

Não sei como está a minha repercussão no Brasil, mas a minha família não é de entrar em histerias coletivas. Como eles sabem que eu estou bem de saúde, não estão preocupados.

Você acha que Israel está exagerando como todas essas medidas contra o coronavírus?

Uma coisa é o Estado tomar medidas para atingir objetivos como evitar a epidemia. Mas o resultado desta política tem sido uma histeria coletiva. Não concordo com isso. Causa estresse, estigma para os doentes. Causa mais coisas negativas do que positivas. Por outro lado, acho que é importante as pessoas estarem conscientes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.