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Coronavírus faz hospital confinar médicos e pacientes por quase dois meses em SP

Isolamento visa proteger os 48 ocupantes de leitos na instituição, em sua maioria idosos

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Renan Sukevicius
São Paulo

A partir desta quarta-feira (25) até o dia 10 de maio ninguém mais entra ou sai do hospital Premier, na zona sul de São Paulo. O avanço do coronavírus fez com que a superintendência decidisse confinar por um mês e meio funcionários e cuidadores da instituição, focada em reabilitação e cuidados paliativos.

A proposta dividiu a equipe. Dos 200 funcionários, 73 toparam morar na unidade médica pelas próximas semanas. São médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, copeiras, auxiliares de limpeza, profissionais de tecnologia da informação, portaria e cozinha.

O superintendente do hospital, Samir Salman, afirma que os profissionais que não toparam viver o confinamento vão receber a metade do salário. Os que embarcaram na jornada devem receber o salário integral e o registro de horas trabalhadas a mais. "É uma operação de guerra", define Salman.

Toda essa operação visa atender 48 pacientes, em sua maioria idosos. Há, no entanto, pessoas mais novas, mas que também se enquadram no grupo de risco por serem imunocomprometidas.

Quarto de hospital com duas camas de solteiro, uma pia, uma janela com persiana e ar condicionado
Quarto do hospital Premier, na zona sul de São Paulo, onde médicos e outros profissionais ficarão durante período de confinamento por causa do coronavírus - Divulgação

A nutricionista Mariza Ribas, 47, é uma das que vão receber um salário menor. "Todo mundo tem conta pra pagar, mas eu vou me adaptar com o que eu receber. A gente aperta de um lado, aperta de outro. O mundo está parado", afirma.

Ribas diz que marido, filho e os pais dependem dela, por isso rejeitou a proposta de passar 45 dias no trabalho. Além de encaminhar uma rotina aos colegas que estarão no hospital, ela vai estar disponível de forma virtual.

O home office também foi a alternativa da fonoaudióloga da instituição Andrea Francisco, 44, para o trabalho a distância. As pessoas da família que geralmente costumam dar suporte nos cuidados de sua filha, de 4 anos, estão todas no grupo de risco da Covid-19. "Os avós, que sempre nos acodem, são idosos. Outra opção é a diarista que trabalha em casa, mas ela também é idosa", relata.

Embora tenham declinado, as duas dizem compreender a medida drástica tomada pelo hospital. Um gabinete de crise instalado há 11 dias na instituição decidiu pela restrição de entrada e saída do prédio a partir da experiência de outros países que têm hospitais focados no tratamento de pessoas mais suscetíveis aos efeitos do coronavírus.

"Me chegam notícias da Espanha e Itália, de hospitais parecidos, de pacientes que morreram. O que tá acontecendo [no exterior] é uma crise humanitária", opina Samir.

A médica clínica Bárbara Cury, 30, está de malas prontas para a mudança temporária de casa. Com cinco anos de atuação, este não é apenas seu maior desafio profissional mas também o maior desafio familiar.

Isolada há dez dias do marido, um médico que tem contato com pacientes com Covid-19, ela ficará agora um mês e meio sem ver seu filho, Malik, de 1 ano. "Meu filho vai ficar sem as duas pessoas de referência dele. Embora eu fique culpada, sei que tem uma coisa maior acontecendo. Cada um acaba abdicando de algo", diz.

Chamadas de vídeo pelo celular serão a alternativa para encurtar a distância da família durante a reclusão.

A mesma estratégia será aplicada pelo profissional de tecnologia da informação Fábio Martiniano, 41, também confinado. Já na semana passada, quando ainda estava voltando para dormir em casa todos os dias, as ligações do filho, de 8 anos, passaram a fazer parte da rotina. "Me ligou a semana passada inteira, na hora do almoço", lembra.

Martiniano ainda espera a decisão de um outro colega de se juntar a ele no departamento. Se a resposta for negativa, todo o serviço ficará sob sua responsabilidade. E, sabendo que outras áreas podem ficar desfalcadas, o especialista em tecnologia da informação tem se disponibilizado a ajudar em outros setores, como no descarregamento e na montagem de beliches para os funcionários.

A morte não é necessariamente um tabu dentro do hospital. Alguns dos pacientes vivem com doenças crônicas e sob cuidados paliativos, na tentativa de ter um fim de vida com menos sofrimento e com a menor quantidade de intervenções médicas. No entanto, o novo vírus respiratório ameaça esse plano.

"Não sei se vai dar certo ou não. Mas quero ter tentado. Não quero me arrepender de não ter feito. Qualquer vida que se perca será uma tragédia", diz Samir Salman.

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